Acórdão nº 02556/08.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelJosé Augusto Araújo Veloso
Data da Resolução18 de Março de 2011
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Relatório M…– residente na rua …, no Porto – interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – em 02.03.2010 – que julgou improcedente a acção administrativa comum [ordinária] que intentou contra o Instituto Português de Oncologia do Porto [IPO – EPE] - esta sentença culmina acção administrativa comum, tramitada na forma ordinária, em que a autora, ora recorrente, demandou o recorrido IPO-EPE, e o Estado Português, pedindo ao TAF que os condenasse a pagar-lhe a quantia de 36.343,75€ acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos.

Conclui assim as suas alegações: 1- Recorre-se da sentença do TAF do Porto que julgou totalmente improcedente a acção administrativa comum, ordinária, que absolveu o réu do pedido; 2- A ora recorrente interpõe o presente recurso por considerar, sem margem para qualquer dúvida, que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao concluir pela não verificação dos pressupostos constantes do nº6 do artigo 10º do Estatuto do IPO anexo ao DL nº282/2002 de 10.12 no caso sub judice, negando-se, em consequência, a atender a pretensão de indemnização da autora; 3- Ao interpretar a norma em causa, no sentido de não equiparar a cessação do mandato ope legis, à destituição sem justa causa, mesmo no caso de se considerar que aquela cessação operada por via legislativa configura na realidade um acto materialmente administrativo, o tribunal a quo violou os artigos 9º e 10º do CC, e sustentou uma interpretação inconstitucional à luz dos artigos 13º, 42º nº3 e 268º nº4 da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que desde já se invoca; 4- O nº6 do artigo 10º dos Estatutos do IPO prevê, à imagem do artigo 26º do Estatuto do Gestor Público [regra base da redacção da norma em análise], a possibilidade de fazer cessar o mandato de um administrador pertencente ao Conselho de Administração do IPO, por razões de mera conveniência, ou seja, sem que para tal tenha que se verificar justa causa na destituição do mandato do respectivo administrador; 5- O que equivale a dizer que um administrador do Conselho de Administração pode, ao abrigo da referida norma, ver cessar o seu mandato, antes de decorrido o seu período de três anos previsto no seu nº4, por razões que não lhe são imputáveis, isto é, por razões que em nada contendem com o desempenho das funções por ele exercidas; 6- As razões ali consagradas revestem, por isso, carácter objectivo, que se traduz no conceito indeterminado de mera conveniência do serviço ou, caso se preferira, de razões de oportunidade, conceitos estes que se inserem, clara e indiscutivelmente, no âmbito do poder discricionário da Administração, que em nome do interesse público pode determinar a cessação do mandato de um gestor público, sem justa causa, ou seja, sem causa que lhe seja [a ele gestor] imputável; 7- Contudo, a cessação do mandato do administrador, antes do fim do seu prazo, sem que tenha ocorrido justa causa, isto é, sem razões que lhe sejam imputáveis e que respeitem ao desempenho das funções para as quais foi mandatado [revogação do mandato ad nutum] faz nascer na esfera jurídica do mandante a obrigação de indemnizar o mandatado, fundando-se tal obrigação de indemnizar na responsabilidade objectiva por acto lícito, tal como sentenciou e bem o acórdão do Tribunal de Conflitos constante dos presentes autos; 8- A decisão de fazer cessar os mandatos, de todos ou só de alguns, dos administradores do Conselho de Administração do demandado, sem fundamento em justa causa, antes de decorrido o prazo de caducidade, é um acto lícito, à luz do nº6 do artigo 10º dos Estatutos à data aplicáveis, que por ser lesivo das legítimas expectativas dos administradores, faz nascer na esfera jurídica do demandado a obrigação de indemnizar esses mesmos administradores a título de responsabilidade por acto lícito; 9- A conclusão pela aplicação do nº6 do artigo 10º dos Estatutos do réu, na redacção aplicável à data dos factos, ao caso concreto, só é possível por recurso às regras do artigo 9º do CC, ou seja, através de uma interpretação actualista que encontre a ratio da norma a interpretar, com base em que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados [ver o nº3 do artigo 9º do CC]; 10- É precisamente em obediência aos ditos ditames legais, que se invoca sempre a ratio das normas a aplicar, ou seja, que solução queria o legislador consagrar para a regulação das situações alvo das normas que criou, independentemente da forma como se expressa, independentemente da letra da lei, desde que haja o mínimo de correspondência entre a letra da lei e a interpretação que sobre ela recaiu; 11- Assim, o que releva, substancialmente, para a aplicação da referida norma é que: 1) Haja cessação do mandato dos administradores do Conselho de Administração; 2) O mandato cesse antes de decorrido o seu prazo; 3) A cessação do mandato dos referidos administradores não se fique a dever a justa causa, isto é, que não lhe seja imputável, que se consubstancie numa causa objectiva reconduzível a razões de mera conveniência, de mera oportunidade; 12- Verificados estes pressupostos, há lugar a atribuição de uma indemnização fundada, repita-se, no instituto da responsabilidade civil por actos lícitos, independentemente da entidade que determine a cessação do mandato, desde que para tal tenha competência, ou da forma que revista o facto jurídico que origina a cessação desse mandato, ou ainda, do nome que se atribui a tal cessação: demissão, destituição ou exoneração; 13- Esta é a ratio do nº6 do artigo 10º dos Estatutos do IPO: e como tal, qualquer situação em que se encontrem preenchidos os ditos requisitos origina a responsabilidade da mesma em indemnizar os administradores que viram o seu mandato cessar antes do tempo previsto, sem razão que lhes fosse imputável; 14- Nesta conformidade, atendendo à ratio do preceito em análise, importa ter presentes os factos provados na sentença recorrida e que são relevantes para o presente recurso: 1) A autora exerceu funções como vogal do Conselho de Administração do réu; 2) No dia 15.04.2005 foi renovado o seu mandato pelo um período de três anos, que se completaria no dia 15.04.2008; 3) O réu foi transformado em entidade pública empresarial pelos DL nºs 93/2005 de 07.06 e 233/2005 de 29.12; 4) O mandato cessou no dia 30.12.2005 por força do artigo 21º do DL nº233/2005 de 29.12; 15- Face a estes factos, a sentença determinou a inaplicabilidade do nº6 do artigo 10º dos Estatutos do réu, por a cessação do mandato da autora não ter tido origem em acto administrativo [destituição] deliberado em Assembleia-Geral; acrescentando, por seu turno, que mesmo que se configurasse o artigo 21º do DL nº233/2005, que determinou a cessação do mandato, como um acto materialmente administrativo, solução adiantada pelo Parecer junto com a petição inicial e pelo aresto do Tribunal de Conflitos, não devia ser atribuída nenhuma indemnização à autora por não ter sido esse acto proferido pela Assembleia-Geral; 16- Salvo o respeito por diverso entendimento, esta interpretação literal e redundantemente positivista, e, como tal, formalista, da norma a aplicar destoa das mais elementares regras de interpretação jurídica, contrariando claramente a ratio constante da norma interpretada e aqui sob análise, o que consubstancia, por isso mesmo, interpretação ilegal e inconstitucional, inadmissível à luz dos princípios do Estado de Direito Democrático; 17- À data dos factos, a autora exercia o seu mandato como vogal do Conselho de Administração, mandato este que, supostamente, apenas cessaria no dia 15.04.2008, nos termos do disposto do nº4 do artigo 10º dos Estatutos do IPO à data aplicáveis, mas que cessou no dia 30.12.2005, por via do nº1 do artigo 21º DL nº233/2005 de 29.12, por razões de mera conveniência ou oportunidade, ou que equivale a dizer, sem ocorrência de justa causa; 18- Não querendo escamotear as razões formalistas que estão na base da recusa da pretensão da autora, o mesmo DL que determinou a cessação das suas funções, também estatui de forma clara, no artigo 2º que o réu, juntamente com as restantes unidades hospitalares transformadas em EPE, sucedeu nos direitos e obrigações das unidades de saúde que lhes deram origem, independentemente de quaisquer formalidades; 19- De onde, se por via do nº6 do artigo 10º dos seus Estatutos, o réu, na qualidade de sociedade anónima de capitais exclusivamente estaduais, está obrigada a indemnizar a autora, na medida em que o seu mandato cessou sem justa causa, esta obrigação tem que ser assumida pelo mesmo réu, nos termos do artigo 2º do DL nº233/2005 de 29.12; e esta é a única solução possível em face da ratio acima denunciada; 20- Não podendo assistir razão ao Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, porquanto, ao não aplicar o nº6 do artigo 10º dos Estatutos, na redacção aplicável, viola, desta feita, o artigo 2º do DL nº233/2005 de 29.12; 21- Ainda assim, discordando-se directamente do sentenciado pelo tribunal a quo, e mesmo que se considere que para a aplicação do nº6 do artigo 10º em causa é necessário que as funções de administração cessem por via de acto administrativo que determine a destituição da autora sem justa causa, sempre se diga que no caso concreto foi efectivamente por via de um acto administrativo que a autora viu cessar as suas funções; 22- Embora este acto tenha sido proferido, indevidamente, sob forma de lei, mais concretamente, por via do artigo 21º do DL 233/2005, a verdade é que se trata, efectivamente, de acto materialmente administrativo proferido pelo Governo, no exercício da função administrativa, e proferido ao abrigo da alínea d) do artigo 199º da CRP, nos termos já adiantados pelo douto Parecer Jurídico junto com a petição inicial e nos termos configurados pelo Tribunal de...

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