Acórdão nº 00030/07.1BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 09 de Dezembro de 2011

Magistrado ResponsávelCarlos Luís Medeiros de Carvalho
Data da Resolução09 de Dezembro de 2011
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO “F…, LDA.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Coimbra, datada de 04.06.2010, que julgou totalmente improcedente a acção administrativa especial pela mesma deduzida contra “MUNICÍPIO DE COIMBRA” na qual era peticionada, nomeadamente, a nulidade/anulação o despacho do Vice-Presidente da Câmara Municipal de Coimbra de 24.07.2006 que indeferiu o seu pedido de autorização da utilização, como estabelecimento de bebidas e jogos lícitos, do imóvel em que está instalado o seu estabelecimento comercial denominado “Café C…”, sito à Rua…, Souselas.

Formula a A./recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 263 e segs.

- paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), as seguintes conclusões que se reproduzem: “...

  1. A recorrente, por si e pelos seus antecessores explora um estabelecimento comercial de Cafetaria e Jogos Lícitos, na Vila de Souselas, desde 1967; b) O estabelecimento encontra-se a funcionar num prédio que é propriedade dos herdeiros de I…, permitida a exploração em função de uma escritura de arrendamento outorgada em 04/01/1967.

  2. Após esta outorga o Município de Coimbra emitiu o Alvará de Exploração a favor do casal M… e sua mulher, casados no regime de comunhão de bens, o qual tem o n.º 31/67, de 22/06, que foi depois averbado em nome do cônjuge mulher M…, em 22/06/1976.

  3. No mesmo ano de 1967, foi passada licença para ali ser exercida a actividade de jogos: Sueca/Bisca/Damas/Dominó e Futebol de Mesa, e assim se tem exercido tal actividade na sala contígua.

  4. Mas de facto a M… veio, por requerimento de 28/05/1999, pedir que depois de ter procedido a obras de conservação, lhe fosse concedida a licença de utilização, para o qual de facto não tinha legitimidade, sem a autorização da proprietária do prédio.

  5. O Município ordenou uma vistoria e logo lhe apontou alguns acertos, como se pode ver pelo Processo Instrutor, e de facto esta assim procedeu, mas quando requereu nova vistoria, logo foram feitas novas exigências e também se tentaram ultrapassar sem êxito.

  6. Depois de ter efectuado tudo o que estava ao seu alcance, pois não era nem nunca foi proprietária do local arrendado, logo foi exigido o pé-direito de 3 metros, para a sala de jogos, sem que o Município tivesse sequer demonstrado que tal alteração podia ser levada a acabo, sem mexer na estrutura do prédio.

  7. Com esta nova impossibilidade de efectuar tal obra, por todas as razões apontadas, o Município indeferiu o novo licenciamento de exploração, sem sequer efectuar a distinção entre a exploração do café e a da sala de jogos.

  8. Aliás a licença de utilização, agora autorização de utilização, só pode ser exigida aos proprietários, nos contratos de arrendamento, a partir de 1990, por força da al. c) do n.º 2 do artigo 8.º e artigo 9.º do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15/10 e o contrato em causa é de 1967.

  9. E os artigos 10.º e 49.º referidos pela M… no requerimento que apresentou no Município não lhe dizem respeito, por estarem dirigidos aos proprietários dos prédios, pois só estes podem e devem requerer a licença de utilização ou agora a autorização de utilização, sendo por isso, aquela requerente parte ilegítima.

  10. Mas, o prédio em causa estava isento daquela licença além do mais, por força do artigo 60.º do Decreto-Lei n.º 555/99, e por isso, também não podia ser indeferido aquele pedido.

  11. Só podia estar em causa uma nova licença de exploração, prevista nos artigos 26.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 168/97 e jamais a licença de utilização e o Município estava obrigado a ordenar a correcção por força do artigo 266.º da Constituição da República.

  12. E a licença de exploração prevista naqueles artigos 26.º e segs. não contêm as mesmas exigências dos artigos 10.º e seguintes.

  13. Por outro lado, o artigo 49.º do mesmo Decreto-Lei n.º 168/97, não determina a explicação das normas previstas nos mesmos, aos proprietários dos estabelecimentos que sejam inquilinos ou seja, que explorem os estabelecimentos em propriedade de outros.

  14. E o Município em relação à aqui recorrente agiu desde o princípio com evidente má fé, efectuando exigências que sabia não pertencerem aos inquilinos, mas sim aos senhorios.

  15. Pelo que se violaram as normas apontadas e, por outro lado, a sentença padece de nulidade por se terem ignorado as questões arguidas, quer na petição de recurso, quer nas alegações de direito, violando-se também as als. b) e d) do n.º 1 do artigo 668.º do Cód. Proc. Civil, por força do artigo 140.º do CPTA ...

”.

Termina pugnando pela procedência do recurso jurisdicional e da pretensão formulada na presente acção.

O R., aqui recorrido, devidamente notificado não veio a apresentar contra-alegações (cfr. fls. 290 e segs.

).

O Mm.º Juiz “a quo” sustentou a decisão judicial impugnada desatendendo a arguida nulidade que lhe foi assacada (cfr. fls. 311/311 v.

).

O Ministério Público (MºPº) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA apresentou parecer/pronúncia no sentido da improcedência do recurso jurisdicional (cfr. fls. 300/300 v.

), parecer esse que objecto de contraditório não mereceu qualquer resposta (cfr. fls. 301 e segs.

).

Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

  1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que, pese embora por um lado, o objecto do recurso se ache delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 144.º e 146.º do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do CPC “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito” reunidos que se mostrem no caso os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

    As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida ao julgar improcedente a pretensão formulada na presente acção enferma, por um lado, de nulidade [art. 668.º, n.º 1, als. b) e d) do CPC] e, por outro lado, de erro de julgamento de facto e de direito traduzido este último na incorrecta e ilegal aplicação, nomeadamente, do disposto nos arts. 08.º, n.º 2, al. c) e 09.º do RAU, 60.º do RJUE, 10.º, 26.º e segs., e 49.º do DL n.º 168/97 e 266.º da CRP [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].

  2. FUNDAMENTOS 3.1.

    DE FACTO Da decisão recorrida resultaram provados os seguintes factos: I) A A. era, ao tempo dos factos cuja exposição segue, proprietária de um estabelecimento comercial de café sito na Rua…, na vila e freguesia de Souselas, do Município de Coimbra, denominado por “Café C…”.

    II) O imóvel em que este estabelecimento estava instalado era o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Souselas, do Município de Coimbra, sob o n.º 2….

    III) Integrava a herança aberta por óbito de M….

    IV) O imóvel era objecto de alvará municipal de licença para explorar um estabelecimento de café, alvará emitido em 22 de Junho de 1967, com o n.º 31/67, em nome de M….

    1. Em 22.03.1976 foi averbado o nome de M…, viúva daquele outro, como titular do sobredito Alvará.

      VI) Em data ignota de Junho de 1967 o Governo Civil de Coimbra emitiu a favor de M…, licença para se jogar no sobredito café, durante o segundo semestre desse ano, os jogos de damas, sueca, bisca, dominó e futebol de mesa.

      VII) Em 09.01.1975 o Governo Civil de Coimbra emitiu a favor de M…, licença para se jogar no sobredito café durante esse ano os jogos de damas, sueca, bisca, dominó e futebol de mesa.

      VIII) Em data ignota o Governo Civil de Coimbra emitiu a favor da M…, licença para se jogar no sobredito café, até 31.12.1997, os jogos acima mencionados.

      IX) Em 28.05.1999, M…… apresentou ao Sr. Presidente da Câmara Municipal do R. o requerimento cuja cópia é fls. 287 do «PA», no qual, declarava ser proprietária de um estabelecimento de restauração e bebidas, sito em Souselas, em que procedera a obras de conservação, e pedia que este fosse objecto de “… vistoria nos termos do art. 10.º e 49.º do DL n.º 168/97, de 4/7 …” e a concessão de licença de utilização.

    2. Em 01.10.1999, em execução do deferimento daquele requerimento, um colégio de peritos integrado por técnicos da Câmara Municipal e da então Administração Regional de Saúde do Centro procedeu a vistoria no imóvel do estabelecimento, tendo concluído que “… o estabelecimento está em mau estado de asseio e higiene; existência de um único WC; esquentador sem exaustão e colocado num espaço sem arejamento; ligação directa à habitação; portas desprendidas e tectos evidenciando putrefacção devido a humidades, pelo que, nos termos da legislação em vigor, não pode a licença de utilização ser concedida para uma ocupação destinada a café …” (cfr. auto a fls. 266 do «PA»).

      XI) Após notificação da mesma M… para se pronunciar, querendo, sobre a correspectiva intenção, um vereador, invocando competência delegada e louvando-se no teor do auto de vistoria, indeferiu o pedido de licença de utilização acima mencionado.

      XII) Em 17.05.2001 M… subscreveu e fez entrar na Câmara Municipal um requerimento dirigido ao Senhor Presidente da Câmara, com o seguinte teor: “… Tendo sido feita uma vistoria ao meu estabelecimento comercial, sito em Souselas, Rua dos Correios, n.º 3, em Outubro de 1999, por mim solicitada, registada sob o n.º 37782/99 e tendo a mesma sido indeferida conforme ofício 31178 de 9 de Dezembro de 1999, venho por este meio solicitar a Vossas Excelências nova vistoria, nos...

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