Acórdão nº 02155/10.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 08 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução08 de Novembro de 2013
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO M.A.R.A...e PM..., Lda., já identificados nos autos, intentaram acção administrativa especial contra o Município de Vila Nova de Gaia, pretendendo impugnar os despachos proferidos pela Senhora Vereadora Eng. MF..., em 29/01/2010 e em 14/06/2010, que ordenaram, respectivamente, a … cessação da utilização do terreno ocupado como Stand de exposição e comercialização de automóveis, sito na Rua ...

, na freguesia de Santa Marinha, em Vila Nova de Gaia, bem como a demolição de duas construções de apoio à referida actividade com a área aproximada de 100m2 existentes naquele local sem a necessária licença administrativa … e … a posse administrativa do imóvel, designando o dia 30 de Junho de 2010, a fim de se proceder à demolição de duas construções e à cessação da utilização do terreno ocupado como stand de exposição e comercialização de veículos …, formulando os seguintes pedidos “deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e por consequência deve o acto administrativo impugnado ser declarado inexistente, julgando-se igualmente inexistentes todos os actos praticados, como decorrência do mesmo. Subsidiariamente, e ainda que assim não se entenda, deve o mesmo acto, e todos aqueles com ele conexionados, ser declarados nulos”.

Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi julgada improcedente a acção, por caducidade do direito de acção e por inimpugnabilidade do acto que ordenou a posse.

Desta vem interposto recurso.

Em alegação os Autores concluíram assim: 1. A sentença recorrida é, do ponto de vista dos Recorrentes, passível de crítica na apreciação sumária e parcial que fez sobre a validade da pretensão deduzida por aqueles, ao concluir pela verificação da excepção da caducidade e, consequentemente, pela absolvição da Entidade Demandada dos autos (fls. 162 dos autos).

  1. Com efeito, de imediato a sentença é nula por omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea d) do C.P.C., aqui aplicável ex vi o artigo 1.º do C.P.T.A, na exacta medida em que não aprecia, cabalmente, as questões que, em momento próprio, lhe foram submetidas.

  2. Ao analisar a procedência, ou melhor dito, a improcedência de um pedido, o Tribunal terá de considerar todos os vícios assacados ao acto, e não apenas, como parece ocorrer, um deles. Na verdade, e mesmo que se admitisse que a apreciação efectuada foi correcta, o que não se concede, ao não se conhecerem todos os vícios invocados estar-se-á a preterir o princípio do dispositivo, tornado a sentença nula.

  3. Ora, o Tribunal “a quo” apenas se ateve à possibilidade da existência ou não de delegação de poderes, concluindo pela verificação da excepção de caducidade do direito. Porém, para além dessa questão, foi igualmente suscitada a invalidade substancial do acto praticado, questão essa cujo conhecimento se impunha, portanto, ao Senhor Juiz recorrido.

  4. Não obstante, e na exacta medida em que não conheceu na plenitude do objecto do processo, importa obter a declaração de nulidade da decisão proferida e, em consequência, e porque para a apreciação das questões cujo conhecimento foi omitido, não se encontram os autos suficientemente instruídos, importa que seja ordena a baixa dos autos com inerente produção de prova.

  5. Independentemente de assim não se entender, sempre se dirá que o acto administrativo impugnado, ao ordenar a demolição das construções/ estruturas existentes e a cessação da actividade de exposição e comercialização de veículos automóveis, viola ostensivamente não apenas princípios fundamentais do ordenamento jurídico-administrativo, como também, e sobretudo, direitos fundamentais cuja salvaguarda importa assegurar.

  6. No imediato, e em abono da verdade, porque ordena a demolição de uma estrutura que, juridicamente, não se contém nas noções de “construção” e, sobretudo, de “edificação”. Mas também, e concomitantemente, porquanto ordena a cessação de utilização do solo para o desenvolvimento de uma actividade comercial, sem que esta se encontre sujeita a qualquer controlo administrativo prévio nos termos da lei.

  7. É facto que o R.J.U.E. estipula, em termos gerais, um regime jurídico de submissão a uma operação de controlo prévio de toda e qualquer operação urbanística; porém, apenas estabelece do ponto de vista substantivo um regime próprio para casos muito específicos, impondo, quanto aos demais, a sua definição por regulamento municipal 9. Ora, no caso concreto, não existe qualquer tipo de controlo administrativo prévio à utilização de um solo para o fim havido pelos Autores/ Recorrentes, sendo certo, claro está, que apenas a sua omissão é imputável ao Recorrido. Mais ainda quando é facto incontestado que a actividade de exposição e comercialização de veículos era independente da estrutura/ construção que estava prevista no prédio do 1.º Autor.

  8. Isto não significa, como oportunamente mencionamos, que na utilização do solo não se impusesse o respeito das regras urbanísticas, perante a ausência de qualquer outro tipo de regulamentação; ainda assim, e uma vez mais fazendo apelo do parecer em que se baseou o autor do acto recorrido, vemos que o mesmo é claro ao demonstrar que, exercendo um poder discricionário, o Município Recorrido não respeitou os limites (legais e constitucionais) para o seu exercício.

  9. Resulta à saciedade dos autos – dentro, ainda assim, dos parcos elementos que se conseguiram carrear para os mesmos – que o juízo da Administração, fazendo apelo de uma característica muito específica da sua actividade, extravasa de sobremaneira princípios basilares como o da igualdade, da proporcionalidade e da boa-fé, que se impõem à definição do comportamento da Administração Pública.

  10. Não vale, à luz do n.º 2 do artigo 266.º da C.R.P., prosseguir a todo o custo o interesse público; este apenas poderá ser feito na exacta medida em que respeite os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

  11. Assim sendo, como compreender então que se pretenda impor um tratamento diferenciado entre os aqui Recorrentes e os proprietários de terrenos vizinhos que, comprovadamente, se encontram em idênticas condições àqueles, mas que permanecem a fazer uma utilização construtiva do solo? 14. Outro tanto é igualmente válido pois que para a protecção dos fins mencionados no parecer invocado pelo Município Recorrido, não se impõe a cessação da actividade profissional de exposição e comercialização de veículos, dado que esta se faz a céu aberto, servindo a estrutura existente tão somente de apoio àquela? 15. É manifestamente violadora, portanto, dos princípios da igualdade, proporcionalidade e boa-fé, o que importa, por consequência, para os Recorrentes a violação dos seus direitos de propriedade e de iniciativa privada, previstos nos artigos 61.º e 62.º da C.R.P.

  12. Violação essa que afecta o conteúdo essencial dos mencionados direitos dado que, além de obstaculizar em absoluto ao exercício desta última, afecta a liberdade de usar e usufruir, dentro dos limites da lei, do bem de que o 1.º Autor é proprietário, de modo desproporcionado porque desnecessário à prossecução da protecção do ordenamento do território, e violador do princípio da igualdade, pois imprime uma diferenciação injustificada.

  13. Afora essa questão, e apreciando a sentença recorrida, demonstrando a nossa crítica à sua apreciação do caso concreto, diremos que não é para nós clara a existência de uma possibilidade legal de o acto em questão ser praticado por um Vereador, na medida em que a lei, por força do disposto no artigo 106.º do R.J.U.E., deferir tal competência ao Presidente da Câmara.

  14. Não se fazendo tábua rasada circunstância de a Lei n.º 169/ 99 previr a possibilidade de o Presidente delegar/ subdelegar competência própria e alheia, à luz aliás do disposto no artigo 35.º do C.P.A., entendemos, porém, que tal possibilidade, no quadro actual, se encontra limitada aos casos concretamente definidos na lei.

  15. Vários são os fundamentos para um tal entendimento: primeiramente, diga-se que o impõem o princípio da legalidade da competência e os elementos de interpretação; sendo a lei ou o regulamento a fixar a competência, este há-de ser o primeiro pressuposto de validade da delegação (bem assim os artigos 29.º, 35.º e 37.º, todos eles do C.P.A.).

  16. E atendendo à norma em que se arvora o acto impugnado, vemos que linguisticamente o legislador foi expresso ao legitimar única e exclusivamente o Presidente da Câmara para a prática do acto em questão, assumindo a opção legislativa que temos por consciente, por comparação com outras normas do mesmo diploma (bem assim, os artigos 8.º, 11.º, n.º 9 e 75, entre outros, do R.J.U.E.).

  17. Ora, ao exigir-se a existência de uma lei de habilitação, não parece que o legislador terá tido em mente uma previsão geral, mas sim demanda a existência de uma norma concretamente habilitadora, conferindo, in caso, autorização para a sua prática.

  18. Ademais, diga-se que esta interpretação resulta conforme com a natureza jurídica específica do R.J.U.E. Sendo este um diploma específico, concretamente definidor do quadro normativo da urbanização e da edificação, em desenvolvimento das atribuições próprias dos órgãos municipais tal como consta da Lei n.º 169/ 99 (algo que resulta, de resto, do prólogo daquele diploma), a sua regulamentação há-de prevalecer, na medida em que seja coadunável com o regime geral, as bases estabelecidas na Lei n.º 169/ 99, e não ofenda os seus princípios basilares.

  19. E isso não ocorre neste caso. Mais se diga que essa é a interpretação conforme com as regras da hermenêutica jurídica e da aplicação das leis. Falando-se aqui de normas da mesma hierarquia (leis ordinárias), incluídas no quadro da competência relativa da A.R., na existência de um conflito na sua interpretação há-de concluir-se pela prevalência da lei mais recente e da lei especial.

  20. Factos que apontam para a prevalência do R.J.U.E., o qual...

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