Acórdão nº 01949/10.8BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 07 de Março de 2013

Magistrado ResponsávelAna Paula Soares Leite Martins Portela
Data da Resolução07 de Março de 2013
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

K(…), com os sinais nos autos, inconformado, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF dO PORTO, em 23/12/2011, que julgou improcedente a Acção Administrativa Especial por si interposta contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA - SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS [SEF], em que peticionava a anulação da decisão de não concessão de autorização de residência nos termos do art.º 123º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 23/2007 de 04.07 e que seja o R. condenado à prática do acto devido, designadamente, concessão ao A. de autorização de residência temporária nos termos daquele preceito legal.

Para tanto alega em conclusão: 1. O procedimento iniciado pelo Impugnante, aqui Recorrente/Autor, mais não passou que um “apelo”, meramente simbólico e desprovido de significado, descaracterizando-o como início de um procedimento administrativo (acto administrativo), e consequentemente, com tal entendimento, condicionou a decisão, deitando por terra todos os vícios imputados ao acto, designadamente a falta de audiência prévia e a incompetência do SEF para decidir sobre o mesmo.

  1. A decisão recorrida não aplica a correcta interpretação de lei, designadamente quanto aos arts. 1°, 53°, 54º e 100° do CPA, 268° CRP, 51 do CPTA e 123° da LEPSAE.

  2. Define o n° 1° do CPA por procedimento administrativo “a sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade da Administração Pública ou à sua execução.”, e por sua vez o art° 54º CPA estabelece a dicotomia entre procedimentos de particulares — aqueles cujo inicio se origina em requerimento do interessado no — se formula um acto/decisão pretendida — e procedimentos oficiosos, que são “(..) procedimentos de auto iniciativa, isto é, aqueles cujo inicio é determinado pela entidade que tem competência dispositiva no âmbito da decisão a que o procedimento tende (…)”, in Esteves de Oliveira, Costa Gonçalves, Pacheco de Amorim, Código de procedimento administrativo - anotada, Almedina, 2ª edição, 1998, págs. 294 e 373.

  3. O Recorrente entende que a sentença proferida pelo Dig. Tribunal ad quo deveria decidir contrariamente ao que foi decidido, invocando que foi o Recorrente que motivou o procedimento, pelo que ofendeu os normativos supra aludidos.

  4. O art. 121°, da Lei de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros, de 04 de Julho de 2007 (LEPSAE) determina que: 6. “1 - Quando se verificarem situações extraordinárias a que não sejam aplicáveis as disposições previstas no artigo 122.°, bem como nos casos de autorização de residência por razões humanitárias ao abrigo da lei que regula o direito de asilo, mediante proposta do director-geral do SEF ou por iniciativa do Ministro da Administração Interna pode, a título excepcional, ser concedida autorização de residência temporária a cidadãos estrangeiros que não preencham os requisitos exigidos na presente lei: a) Por razões de interesse nacional; b) Por razões humanitárias; c) Por razões de interesse público decorrentes do exercício de uma actividade relevante no domínio científico, cultural, desportivo, económico ou social.

  5. Deste modo, o cerne da questão que se pretende ver analisada e decidida se prende com a caracterização “quanto à iniciativa” do procedimento estatuído no citado preceito legal, no sentido de saber se a mesma se reporta a um procedimento puramente oficioso, conforme foi singelamente caracterizado pela decisão posta em crise, ou, contrariamente, se estamos diante de um procedimento que também pode ser desencadeado por um particular.

  6. Salvo o devido respeito, mas da leitura e análise mais atenta da referida norma, não se retira que a mesma -a dar origem a um procedimento/acto administrativo, só possa ocorrer por competência exclusiva da administração, quer seja o director-geral do SEF, quer seja do Ministro da Administração Interna.

  7. Pode-se afirmar que o art° 123°, consagra um regime de iniciativa “misto”, permitindo que, para além do procedimento oficioso, tal acto também possa ser desencadeado por um particular, como ocorreu no caso em análise.

  8. Inicialmente, é oportuno chamar à colação, o fio condutor que nos conduzirá à possibilidade daquele pedido poder ser originado por um particular, e que se prende com a legitimidade que, como no artigo 53° do CPA, se determina que “Têm legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para intervir nele os titulares de direito subjectivo ou interesse legalmente protegido no âmbito das decisões que nele forem ou possam ser tomadas (...)“. (sublinhado nosso) 11. É inequívoco que a pretensão formulada pelo Recorrente resulta que o mesmo é o titular directo do direito/ interesse visado na pretensão que formulou e que pretendia ver tutelado, ao dar início ao procedimento ao abrigo do artigo 123° da LEPSAE.

  9. Na verdade, atendendo à dignidade do bem jurídico visado pela norma, a dignidade humana, o legislador criou aqui um “concurso de legitimados”, alargando o leque de legitimados, onde o impulso processual de um é compatível com o do outro, não se excluem, antes se cumulam, possibilitando assim um reforço no exercício do direito, atribuindo a iniciativa tanto à administração como ao particular.

  10. Por esta razão, não faria sentido que fosse nas situações mais gravosas (casos do art° 123°), que o legislador viesse coartar o direito do interessado, retirando-lhe a possibilidade de se socorrer deste mecanismo legal.

  11. E, resulta das mais elementares normas de interpretação do direito, que onde o legislador não distingue, não deve ser o aplicador a fazê-lo.

  12. Se fosse vontade do legislador que tal procedimento se “iniciasse” apenas por iniciativa do director-geral do SEF e do Ministro, teria expressamente consagrado esta possibilidade.

  13. Mas não o fez!! 17. Referindo apenas que tal se inicia “mediante proposta do director-geral do SEF ou por iniciativa do Ministro da Administração Interna!! 18. E não distingue por simples razão de orgânica e funcionamento dos serviços, na medida em que o particular só pode dirigir a sua pretensão ao director do SEF, que por sua vez faz chegar a proposta ao Ministro, ou seja, o processo só chega ao órgão decisor (Ministro da Administração Interna), por duas vias: ou é o próprio Ministro a iniciar ou recepciona a proposta (com sentido favorável ou desfavorável), proveniente do director que por sua vez inicia o procedimento também ele oficiosamente, ou recepciona-o através da iniciativa particular.

  14. Só esta interpretação conferida ao n°1 do art. 123°, é que se coaduna com o disposto no n°2 daquele artigo, pois dali resulta que “2 - As decisões do Ministro da Administração Interna sobre os pedidos de autorização de residência que sejam formulados ao abrigo do regime excepcional previsto no presente artigo devem ser devidamente fundamentadas”.

  15. Ora, é caso para se questionar “pedido de quem?”, “formulado por quem?”, tal norma seria desprovida de qualquer sentido e conteúdo, se o procedimento fosse de iniciativa meramente oficiosa.

  16. Se assim fosse e se o legislador pretendesse consagrar apenas...

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