Acórdão nº 01103/06.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 08 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelRogério Paulo da Costa Martins
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2013
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: M & M, Lda.(...) Veio interpor, a fls. 304 - 315 e a fls. 384 - 402, RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador, a fls. 235 - 244, pelo qual foi julgada procedente matéria de excepção invocada pela Entidade Demandada na acção administrativa especial movida contra o Município de Vila Nova de Gaia e em que foi indicada como contra-interessada a Administração do Condomínio do ETM(…), bem como contra o acórdão, de fls. 365 - 376, pelo qual foi julgada, na parte restante, improcedente a acção.

Invocou para tanto que o despacho saneador violou, por erro de interpretação e aplicação ao caso concreto, o disposto nos artigos 7ºe 95º, n.º2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, nos artigos 92º, 107º e 109º, n.sº1 e 2, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, e no artigo 55º, n.º1, do Código de Procedimento Administrativo.

Imputou ao acórdão recorrido, por seu turno, a violação do disposto nos artigos 15°, 17°, 19°, 20°, 21º, 22°, 26°, 28° e 63° do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20.11, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15.10, e nos artigos 133º, alínea h), 140º e 141º, estes do Código de Procedimento Administrativo.

Os Recorridos apresentaram contra-alegações autónomas, a defenderem a improcedência de ambos os recursos.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

* Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I – O primeiro recurso, do despacho saneador.

São estas as conclusões das alegações do primeiro recurso jurisdicional e que definem respectivo objecto: I. Os actos de 19.01.2006, 30.03.2006 e 05.04.2006 para além dos vícios derivados dos do acto de 17.08.2005, enfermam de vícios próprios, os quais, embora não estejam expressamente elencados na petição inicial, devem ser obrigatoriamente considerados nos autos, por força do disposto no nº 2 do art.º 95º CPTA.

  1. Os actos de cessação da utilização, e de posse administrativa são da competência do presidente da câmara municipal, enquanto o despejo administrativo é competência da Câmara Municipal.

  2. Porém, nos autos administrativos sub judice, os mesmos foram praticados por vereador, no exercício de poderes subdelegados pelo presidente da câmara, o qual, por sua vez, os tinha recebido por delegação da câmara municipal.

  3. Contudo, tais poderes não são delegáveis e, por conseguinte, também não são subdelegáveis, conforme se pode verificar da mera análise dos respectivos normativos: nenhum deles (art. 107º e 109º do RJUE) prevê a possibilidade de delegação de poderes.

  4. Os actos impugnados foram praticados no exercício ilegal de uma delegação e subdelegação de poderes, que a lei não prevê, nem permite.

  5. Ao que acresce que o acto de que determinou a posse administrativa dos imóveis em que se encontra instalado o estabelecimento da recorrente não determinou o prazo durante o qual a medida deverá perdurar.

  6. A ausência de tal indicação constitui um vício próprio do acto que determinou a posse administrativa.

  7. O que também sucede com o acto de 19.01.2006, que ordenou a cessação de utilização do estabelecimento da recorrente, o que, em consequência, invalida também o acto de 05.04.2006.

  8. Ainda que o acto de 05.04.2006 seja meramente confirmativo, por reiterar a cessação da utilização do estabelecimento, o certo é que também ele padece de vícios próprios, por ter sido emanada por entidade incompetente para o efeito e por não conter os requisitos (de prazo) de que a lei faz depender a sua validade.

  9. O que demonstra que quer o acto determinativo da posse administrativa, quer o de cessação de utilização e despejo administrativo têm que ser entendidos como meros actos instrumentais, de natureza temporária ou transitória, enquanto não se verifica o cumprimento dos requisitos legais, materiais ou procedimentais cuja falta é necessariamente seu fundamento.

  10. Daí que sem que os referidos actos contenham o prazo pelo qual se manterão ou a circunstância ou acontecimentos (substantivo e/ou procedimental) que determinarão a sua caducidade, tais actos estejam feridos de invalidade e, por isso, sejam anuláveis.

  11. Pelo exposto, se conclui como na petição inicial, devendo os actos impugnados ser declarados nulos ou, subsidiariamente, anulados, também com fundamento nos vícios ora invocados.

  12. Face ao acima referido, conclui-se que os actos de 30.03.2006 e de 05.04.2006, não obstante a natureza que assumam, possuem vícios próprios, determinantes da respectiva anulação, sobre os quais o Tribunal a quo se deveria ter pronunciado, o que não fez.

  13. Ao decidir como decidiu, o Tribunal violou, entre outras, as normas dos artºs 7º e 95º, nº 2 do CPTA, 92º, 107º e 109º, nº 1 e 2 do RJUE, e artº 55º, nº 1 do CPA.

    XV.O Tribunal a quo deveria ter julgado as excepções invocadas improcedentes.

    * Antes de mais importa referir que, ao contrário do que se pode depreender das conclusões I e VIII, no despacho recorrido, não se julgou inimpugnável o acto de 19.01.2006 mas apenas os actos de 30.03.2006 e 05.04.2006, por serem um de mera execução e ou outro meramente confirmativo do acto de 17.08.2005.

    O acto de 19.01.2006 foi objecto da decisão de mérito, de improcedência da impugnação.

    Dito isto vejamos.

    Dispõe o artigo 51º, nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos: «Ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.» Face ao disposto neste preceito é hoje entendimento pacífico o de que a impugnabilidade do acto administrativo, depende apenas da sua externalidade, ou seja, da susceptibilidade de produzir efeitos jurídicos que se projectem para fora do procedimento onde o acto se insere.

    Neste pressuposto, mostra-se irrelevante, para aferir da impugnabilidade do acto, que ele seja definitivo ou não, lesivo ou não, bem como a sua localização no procedimento.

    Qualquer decisão administrativa pode ser hoje impugnável, questão é que o seu conteúdo projecte efeitos jurídicos para o exterior, isto é, tenha eficácia externa, independentemente de ser lesivo ou não.

    Neste sentido ver o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.12.2009, no processo 0140/09, e a vasta doutrina aí citada.

    Há no entanto que ter em conta também o disposto no artigo 53.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, invocado na decisão recorrida para julgar procedente a matéria de excepção, que: “Uma impugnação só pode ser rejeitada com fundamento no carácter meramente confirmativo do acto impugnado quando o acto anterior:

    1. Tenha sido impugnado pelo autor; b) Tenha sido objecto de notificação ao autor; c) Tenha sido objecto de publicação, sem que tivesse de ser notificado ao autor.

    Estes requisitos, não são, no entanto, de aplicação cumulativa mas alternativa.

    Cada alínea, por si só, contém uma previsão autónoma das restantes.

    Como refere Mário Aroso de Almeida, em “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição revista e actualizada, p. 163: “…o acto meramente confirmativo também não pode ser impugnado por quem, estando constituído no ónus de impugnar o acto anterior dentro dos prazos legais, não o tenha feito, na medida em que, de outro modo, se estaria a permitir que o litígio fosse suscitado sem observância dos prazos legais. Neste sentido, as alíneas b) e c) do artigo 53.° estabelecem que o acto meramente confirmativo não pode ser impugnado se o acto anterior tiver sido notificado ao interessado ou, em alternativa, se o acto anterior tiver sido publicado, nos casos em que o interessado não tivesse de ser notificado e, por isso, bastasse a publicação para que ele se lhe tornasse automaticamente oponível (cfr., a propósito, artigo 59.°)” .

    O preceito em análise manteve o que dispunha o artigo 55º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (com sublinhado nosso): “O recurso só pode ser rejeitado com fundamento no carácter meramente confirmativo do acto recorrido quando o acto anterior tiver sido objecto de notificação ao recorrente, de publicação imposta por lei ou de impugnação de deduzida por aquele.” Daí que se mantenha válida a doutrina (e a jurisprudência) emanada na vigência da legislação anterior.

    Um acto confirmativo não é um acto administrativo uma vez que nada inova na esfera jurídica do destinatário que não vê alterado o “status quo ante”, limitam-se a manter uma situação (lesiva) anteriormente criada, sem produzir qualquer efeito — cfr.

    Rogério Soares, in “Direito Administrativo (Lições)”, pág. 346; Sérvulo Correia, in “Noções de Direito Administrativo”, página 347.

    O acto confirmativo é aquele que se limita a repetir um acto administrativo anterior, «sem nada acrescentar ou retirar ao seu conteúdo» — Marcello Caetano, in “Manual de Direito Administrativo” Volume I, página 452.

    Para que um acto administrativo seja confirmativo de outro, é necessário, além da identidade dos sujeitos, que os dois actos tenham os mesmos pressupostos, a mesma fundamentação e o mesmo regime jurídico (cfr. neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11-10-2006, tirado no Proc. 0614/06, em www.dgsi.pt).

    Dito de outro modo, um acto é confirmativo quando emana da entidade que proferiu decisão anterior, apresenta objecto e conteúdo idênticos aos desta e se dirige ao mesmo destinatário, limitando-se a repetir essa decisão, perante pressupostos de facto e de direitos idênticos — Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19-06-2007, processo n.º 0997/06.

    Como referia Mário Esteves de Oliveira, in Direito Administrativo, Volume I, 1980, p. 411: “Para que o acto confirmativo se considere contenciosamente inimpugnável necessário se torna que estejam preenchidos diversos requisitos, de que as nossas jurisprudência e doutrina se têm feito eco.

    Em primeiro lugar é necessário que o acto confirmado e o acto...

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