Acórdão nº 00995/08.6BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução19 de Abril de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO SAC, SA, contribuinte nº 5…01, com sede na Curia, 3780-541, Tamengos, propôs acção administrativa especial (de impugnação do despacho do Director Geral da Energia e Geologia que lhe concedeu o prazo de 60 dias para proceder à assinatura do contrato de concessão, sob pena de revogação do Alvará e extinção da concessão, notificado em 7 de abril de 2008) contra o Ministério da Economia e da Inovação, com sede na Rua da Horta Seca, nº 15, em Lisboa, pedindo: 1. A anulação do despacho do Director Geral da Energia e Geologia que lhe concedeu 60 dias para assinar um contrato administrativo de concessão, sob pena de revogação do seu alvará; 2. O reconhecimento do seu direito à perpetuidade da concessão a consagrar no novo contrato; Ou 3. O reconhecimento do seu direito a um prazo de concessão de 90 anos prorrogável por 2 períodos de 20 anos cada; Ou 4. Que se condene o Réu a pagar-lhe uma indemnização pela alteração unilateral dos elementos essenciais da concessão, onde se inclui o prazo.

Por acórdão proferido pelo TAF de Aveiro foi julgada improcedente a acção.

Deste vem interposto recurso.

*Alegando, a Autora concluiu: 1ª) É manifesta a procedência do presente recurso de apelação porquanto, salvo o devido respeito, o acórdão recorrido padece de erro de julgamento quanto à matéria de facto; 2ª) Pois não deu como provada matéria alegada pela Autora, não impugnada pelo Réu e provada por documentos juntos pela Autora, alguns deles constantes, igualmente do processo instrutor; 3ª) Devendo, assim, os factos constantes dos artigos 3º, 4º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 16º,17º,18º, 21º, 22º, 26º da p.i., devidamente adaptados nos termos propostos supra, ser aditados à matéria de facto dada como provada; 3ª) Acresce que, sentença recorrida, não procede à correcta interpretação e aplicação das disposições legais e constitucionais aplicáveis; 4ª) Da evolução legislativa do regime jurídico das concessões de exploração de águas minero-medicinais resulta que inicialmente previa as águas mineromedicinais e respectivas nascentes eram objecto de propriedade privada; 5ª) O Código Civil de Seabra admitiu a possibilidade de imposições e restrições de natureza administrativa, prevendo que nesse caso, as restrições aos direitos de natureza privada dariam lugar ao pagamento de indemnizações aos seus titulares; 6ª) Com o Decreto de 30 de Setembro de 1892, o aproveitamento dos depósitos das substâncias minerais estava dependente de autorização do Governo que assumiria a forma de alvará ou de contrato de concessão consoante se tratasse de águas inseridas no domínio público ou no domínio particular, sendo certo que tal autorização assumia sempre carácter perpétuo; 7ª) Com a entrada em vigor do Decreto nº 5 787-F, de 10 de Maio de 1919, são integradas no domínio público do Estado as nascentes de águas mineromedicinais cuja exploração podia ser entregue a particulares através de titulo definitivo, tendo-se dado, assim, com o referido Decreto nº 5 787-F, de 10 de Maio de 1919, uma autêntica expropriação dos direitos dos até então proprietários privados das nascentes de águas minerais, devendo entender-se, em nossa opinião, que tal expropriação conferia, por efeito do disposto no artigo 445º do Código de Seabra, direito ao pagamento de indemnização pelos prejuízos resultantes desta regulação administrativa; 8ª) A generalidade dos diplomas que foram sendo publicados sobre esta matéria previram a salvaguarda dos títulos de concessão anteriormente emitidos; 9ª) O regime descrito manteve-se, na essência, até à entrada em vigor dos Decretos-lei nºs 86/99 e 90/90, de 16 de Março que vêm estabelecer que a exploração das nascentes de águas mineromedicinais é feita através de contrato de concessão temporalmente limitado; 10ª) Ao contrário do que sucede para a generalidade das concessões, os diplomas em causa não contêm a imposição de pagamento de uma taxa como contrapartida pela concessão, não obstante preverem a possibilidade de inclusão, no contrato de concessão, como obrigação do concessionário, do pagamento de compensações ao Estado (artigo 20º, al. d), ponto II do Decreto-lei nº 86/90); 11ª) Os diplomas em causa também não definem um prazo de duração mínimo ou máximo para as concessões; 12ª) De todo o exposto resultam, como alterações mais significativas decorrentes destes diplomas em relação ao regime anterior à sua vigência: a.

a alteração da natureza do título jurídico-administrativo de atribuição da exploração – de licença para contrato de concessão; b.

o estabelecimento da duração limitada da concessão por contraposição ao carácter perpétuo resultante dos diplomas anteriores, ainda que sem definição de um prazo máximo para as concessões; c.

a previsão da atribuição de compensações ao Estado pelos concessionários ainda que com natureza meramente facultativa; d.

Atenta a existência das múltiplas concessões anteriores à entrada em vigor dos diplomas em análise – algumas delas com mais de um século de existência como a da Autora - o legislador expressamente consagrou um regime transitório aplicável às concessões pré-existentes.

13ª) O artigo 46º do Decreto-lei nº 90/90 veio dispor que “O regime das concessões existentes passará a ser o previsto neste diploma, devendo ser celebrados os respectivos contratos, sem prejuízo dos direitos adquiridos” e que “será concedido, em casos justificados, o regime de adaptação que se mostre indispensável”; 14ª) Por seu turno, dispõe o artigo 58º do Decreto-Lei nº 86/90 que: “os titulares dos direitos adquiridos ao abrigo da legislação anterior ao Decreto-lei nº 90/90, de 16 de Março, serão notificados pela Direcção-Geral para a celebração dos contratos previstos no mesmo diploma legal” e que “serão respeitados os direitos adquiridos e concedido o período de adaptação que se mostrar justificado pelas circunstâncias de cada caso concreto”; 15ª) Estas disposições resolvem, assim, directamente, os problemas decorrentes da sucessão de leis, ou seja, constituem disposições de direito transitório, nos termos das quais o novo regime fixado aplica-se para o futuro mas abrange também as situações constituídas no passado e que subsistem à data da entrada em vigor, que devem ser adaptadas de acordo com a nova disciplina; 16ª) Das disposições citadas resulta que: a.

as concessões anteriores passam a reger-se pelos Decretos-lei nºs 86/90 e 90/90; b.

ficam, no entanto, salvaguardados os direitos adquiridos; c.

é concedido um período de adaptação a definir em cada caso concreto de acordo com as respectivas circunstâncias específicas.

17ª) A previsão da salvaguarda dos direitos adquiridos constitui, como se sabe, um corolário do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, ínsitos no Estado de Direito Democrático; 18ª) O respeito pelos direitos adquiridos constitui em si mesmo um limite ou parâmetro de interpretação das normas jurídicas e não pode deixar de atender ao conteúdo essencial de um determinado direito previamente constituído; 19ª) A comparação dos regimes de concessão de exploração de recursos geológicos deverá, pois, perspectivar-se sob um modelo de análise essencialmente material, só secundariamente relevando o que respeita ao modo, forma e instrumento jurídico de atribuição. Com efeito, seja por alvará seja através de contrato administrativo o que releva, essencialmente, será o complexo dos direitos e obrigações do concessionário, gerais, resultantes da lei, e especiais, fixados para cada concessão específica, interessando aqui, muito particularmente, o prazo de concessão e as condições de rescisão; 20ª) Assim, para efeitos apuramento do conceito de direitos adquiridos relevante será apenas ensaiar uma aproximação ao modelo previsto para disciplinar as situações abrangidas pela transição de regimes, interpretando o conceito-chave utilizado como núcleo de ponderação para as situações de passado - "sem prejuízo dos direitos adquiridos" - conforme estipula o artigo 46º, nº 2 do Decreto-Lei nº 90/90, de 16 de Março; 21ª) Ou seja, o princípio do respeito pelos direitos adquiridos não é um princípio de teor meramente formalista não podendo entender-se, no caso concreto, que o mesmo respeita apenas à manutenção da concessão e não também ao seu conteúdo; 22ª) “Salvaguarda dos direitos adquiridos” tem que ser algo mais do que salvaguarda das concessões anteriores à data da entrada em vigor dos diplomas, pelo que Direitos adquiridos, para efeitos da disposição transitória do artigo 46º, nº 1 do Decreto-Lei nº 90/90, de 16 de Março, serão, assim, não apenas as situações jurídicas em que estavam investidos os titulares de concessões para exploração de recursos geológicos nos termos do respectivo alvará de concessão (situações jurídicas subjectivas), mas também os elementos essenciais que permitem caracterizar tal situação jurídica subjectiva e distingui-la das que são objecto de regulamentação pelo novo regime; 23ª) Dito de outro modo, as disposições transitórias do novo regime jurídico pretendem, inequivocamente, ressalvar não apenas a aquisição do direito de concessão mas também as principais condições específicas que moldavam e acompanhavam o próprio direito; 24ª) Deve, por isso, entender-se que o conceito de direitos adquiridos neste contexto se refere ao conteúdo do direito de concessão, ou seja, às suas condições e termos e não apenas à existência do direito de exploração, em abstracto; 25ª) Ora, atendendo ao conteúdo das concessões pré-existentes – condições constantes do título e condições legais – e às principais alterações introduzidas por virtude dos Decretos-lei 86/90 e 90/90 supra identificados não pode deixar de entender-se que o legislador pretendeu salvaguardar, precisamente, o conteúdo essencial dos anteriores direitos de exploração e as suas principais condições, em especial, a perpetuidade da concessão; 26ª) Ao contrário do que parece pressupor o Réu, a...

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