Acórdão nº 00725/17.1BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução19 de Abril de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: UC (P…, 3004-531 Coimbra) interpõe recurso jurisdicional de sentença proferida pelo TAF de Coimbra, que julgou procedente processo cautelar de suspensão de eficácia intentado por RECN (Rua B…, 3090-002 Marinha das Ondas), suspensão decretada quanto ao «ato administrativo que determinou a aplicação ao Requerente da sanção de suspensão temporária das atividades escolares, a aplicar na primeira época de avaliação de exames, devendo a Requerida abster-se de impedir o Requerente de frequentar aulas ou realizar provas de avaliação com base no procedimento disciplinar e consequente sanção.».

*Conclui a recorrente: 1.ª O presente recurso jurisdicional vem interposto da sentença proferida nos presentes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, a qual julgou procedente o processo cautelar e, consequentemente, determinou a suspensão da eficácia do despacho do Reitor da UC, de 25.09.2017, porquanto a M. Juiz a quo, ao julgar verificados, no caso concreto, os pressupostos de que depende o decretamento da providência cautelar conservatória vertidos nos n.ºs 1 e n.º 2 do art. 120.º do CPTA, incorreu em erro de julgamento face ao contexto legal e às circunstâncias do presente pleito.

  1. Diversamente do decidido no aresto recorrido, não pode ser considerada ilegal a actuação da UC, concretizada no Despacho Reitoral n.º 147/2017, sustentada na presunção de que de o simples facto de um aluno deter um elemento proibido na sua posse durante a realização de um exame é considerado como elemento preparatório da prática de fraude, ou seja, na medida em que o aluno tem na sua posse um elemento idóneo a produzir determinado resultado, a mera detenção desse elemento consubstancia fraude académica, e assim ilícito disciplinar nos termos do art. 2.º n.º 1 do Regulamento Disciplinar e art. 75.º do RJIES.

  2. É entendimento estabilizado há muitas décadas, que a simples posse de elementos que permitem copiar é equivalente à cópia efectiva. Se, num exame, o estudante tiver junto de si resumos escritos em papel da matéria a que o exame diz respeito, a prova é-lhe anulada sem ser necessário averiguar se o estudante chegou a usar esses resumos escritos, sendo até possível que tenha sido descoberto antes de ter tido oportunidade de os usar.

  3. Nos tempos que correm, temos forçosamente que fazer uma leitura actualista deste entendimento, uma vez que os estudantes já raramente trazem consigo resumos em papel, fazendo uso dos meios de comunicação modernos (os ditos smartphones e outros equipamentos electrónicos) para aceder a informação a que não deveriam ter acesso durante a realização do exame. E esses meios de comunicação têm, por isso, que ser considerados equivalentes aos “copianços” em papel, de outros tempos, pelo que a sua mera posse tem de ser também considerada equivalente ao seu uso efectivo para a prática de fraude. Os smartphones e outros equipamentos electrónicos semelhantes permitem facilmente fazer consultas à internet e comunicar com outras pessoas que estejam no exterior da sala de exames sem deixar qualquer registo. Mesmo em tempos anteriores, em que o "copianço" era em papel, nunca foi necessário demonstrar que esse copianço foi de facto usado, pois há séculos que se entende que quem tem copianço consigo numa prova de avaliação está a cometer fraude.

  4. Não se pode impor, como impõe a sentença recorrida, que actualmente, quando os mecanismos à disposição de quem quer enganar os professores são em muito maior número e muito mais sofisticados, a prova da fraude seja mais complexa do que nos tempos antigos em que só o papel estava disponível para a cópia.

  5. É, além disso, do conhecimento de toda a comunidade académica que é proibido a qualquer aluno, durante a realização de uma prova escrita, ter o telemóvel junto de si, sendo também do conhecimento de toda a comunidade estudantil que a mera posse de um elemento proibido – seja um telemóvel, seja o dito “copianço”, apontamentos, ou qualquer outro meio que permita cometer fraude na prova académica – consubstancia fundamento para anulação da prova, conforme consta do documento que consubstancia as Normas gerais de avaliação na Faculdade de Economia (doc. 3 junto à p.i.), que a docente vigilante referiu no início da prova em cumprimento do disposto no n.º 6 do art. 19.º do Regulamento Pedagógico da UC – e que são e devem ser, de resto, do conhecimento de toda a comunidade estudantil da Faculdade de Economia.

  6. Também nas portas das salas da Faculdade de Economia, e por isso acessível a todos os alunos, estão fixados avisos sobre os materiais não autorizados durante a realização de provas de avaliação, maxime, os telemóveis. A afixação desses avisos, referidos em 11) dos Factos provados pela sentença recorrida, que advertem expressamente para a proibição de materiais não autorizados, incluindo dispositivos electrónicos, junto dos alunos durante a realização de provas de avaliação, bem como o Despacho reitoral n.º 147/2017, a que também alude a sentença recorrida no ponto 6) dos Factos provados, tiveram como propósito específico evitar situações como a do requerente.

  7. Da conjugação dos factos que se inferem das declarações da Professora vigilante, das circunstâncias de facto e de direito vertidas na acusação, no relatório final e na Acta da Reunião da Comissão Especializada do Senado, de 25 de Setembro de 2017, resulta que é censurável a conduta adoptada pelo Requerente, e que a mesma tem que ser configurada como prática integrante de fraude académica, na medida em que, por não haver justificação plausível para ter o telemóvel junto a si, aquele meio é idóneo, tal como um “copianço”, para produzir o resultado consubstanciado na fraude. Assim, tal como a simples posse de um documento escrito, com apontamentos relevantes para a elaboração da prova, consubstancia inequivocamente, de per si, um ato que já integra o conceito de fraude, ainda que a mesma não se tenha materializado, também a posse de um telemóvel, por possuir substancialmente a mesma idoneidade em virtude da sua capacidade de armazenamento de informação, deve merecer o mesmo juízo, em contexto de realização de prova académica.

  8. A mera posse de telemóvel configura infracção disciplinar na medida em que é facto doloso ou meramente culposo, violador de deveres de correcção e de conduta ética responsável, nos termos da cláusula geral do n.º 1 do artigo 2.º do RDEUC, conjugado com as regras internas de proibição de posse de elementos não permitidos em provas académicas; e note-se ainda, que este facto – a posse de elemento proibido – ficou provado em sede disciplinar.

  9. Caso se permitisse que os alunos pudessem ter na sua posse elementos proibidos, fazendo recair sobre o vigilante da prova a obrigação de demonstrar que o estudante utilizou, de facto, o elemento proibido, isso equivaleria a fazer recair sobre o vigilante o ónus de provar o que, actualmente, e considerando a tecnologia existente, se pode apelidar de prova diabólica. Daí que a medida a adoptar tenha que passar, como passou, pela proibição de posse desses elementos, com efeitos disciplinares nos termos do Regulamento aplicável, e pela emissão do Despacho Reitoral n.º 147/2017, com vista a uniformizar a qualificação e aplicação do regime disciplinar a estes casos.

  10. Defender e sustentar qualquer outro entendimento que não seja o que aqui se defende – de que a mera posse de elementos proibidos equivale à prática de fraude académica – cria gravíssimos problemas na luta contra o vulgarmente chamado “copianço”, que é uma forma recorrente de logro em provas escritas, e que atinge de forma séria a credibilidade da Universidade, na medida em que falseia o nível de conhecimentos detidos pelo aluno, e leva a que a instituição ateste algo que não corresponde à verdade, afectando, do mesmo passo, a confiança que a comunidade em geral atribui à certificação conferida pela UC a todos os profissionais que, de forma honesta e dedicada, nela obtiveram formação e aprovação.

  11. O próprio Requerente reconhece que a posse do telemóvel no decurso da realização de uma prova de avaliação consubstancia infracção disciplinar, e que por isso a sua conduta é disciplinarmente censurável, mas que não se teria importado se apenas lhe tivesse sido aplicada a sanção de advertência, sendo este entendimento do Requerente precisamente o que se pretendeu evitar com a prolação do despacho reitoral n.º 181D/2017, que uniformiza e clarifica, entre o mais, que a sanção de suspensão de frequência das actividades escolares se deve aplicar à posse de elementos proibidos. Se assim não for, como se preconiza na sentença recorrida, todos os alunos continuarão a prevaricar, com o incentivo de que não perdem nada em arriscar.

  12. Ao invés de ter considerado que é ilegal presumir que o aluno que tinha na sua posse um telemóvel durante a realização de um exame cometeu fraude académica, deveria o Tribunal a quo ter corroborado o entendimento da Requerida, censurando a conduta do aluno, que bem sabia que não podia ter o telemóvel junto de si e que essa sua conduta é proibida pelo Regulamento Pedagógico, pelo Regulamento Disciplinar e pelas Normas gerais de avaliação dos exames escritos.

  13. A conduta da Requerida é a conduta adequada a fazer face aos casos semelhantes ao do Requerente, que têm surgido com alguma frequência no meio académico, pelo que não se verifica, in casu, o preenchimento do pressuposto do fumus boni iuris, na medida em que ao contrário do que julgou a M. Juiz a quo, o acto administrativo sancionatório em causa no presente pleito não padece do invocado erro nos pressupostos de facto.

  14. Quanto aos restantes vícios imputados pelo Requerente ao acto suspendendo, e sobre os quais o Tribunal a quo não se pronunciou, a Requerida dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais, tudo quanto oportunamente alegou nos artigos 86.º a 101.º da oposição ao...

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