Acórdão nº 00035/12.0BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 06 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução06 de Abril de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO CAP interpôs acção administrativa especial de impugnação contra a CMFF, peticionando a anulação da Deliberação desta Edilidade, que decidiu aplicar-lhe a pena disciplinar de suspensão de 300 dias, no âmbito do processo disciplinar nº 1/2010.

Por sentença proferida pelo TAF de Coimbra foi julgada improcedente a acção e absolvida dos pedidos a Entidade Demandada.

Desta vem interposto recurso.

Alegando o Autor concluiu: I.

No que respeita à insuficiência da instrução para fundamentar a aplicação da pena, conclui-se na sentença recorrida que “não pode o tribunal conhecer dos vícios invocados pelo A. relativos à insuficiência da instrução para fundamentar a aplicação da pena”, alegando, para tanto, que não cabe “... ao tribunal imiscuir-se na avaliação que é feita da prova produzida e da decisão que, feita essa avaliação, decide acusar ou, pelo contrário, arquivar o procedimento disciplinar.” II.

Significar que o tribunal entende que a matéria relativa à análise da bondade da decisão proferida no procedimento disciplinar, bem como dos eventuais vícios da instrução do referido processo, não cabem no âmbito do seu escrutínio.

III.

O que desde logo levanta a seguinte questão: se não for o tribunal a fazê-lo, quem o fará?! IV.

Existem decisões proferidas pelo mesmo tribunal, relativamente a um outro arguido do mesmo procedimento disciplinar, que vão precisamente em sentido inverso.

V.

A sentença proferida no processo nº 27/12.0BECBR refere o seguinte: “2 – Sobre se o tribunal pode sindicar a decisão do Réu quanto á prova dos factos integrantes da infracção disciplinar: Em suma, o Réu sustenta que o seu juízo sobre a prova dos factos integra o exercício de um seu poder discricionário, só podendo ser sindicado em caso de manifesto erro de facto ou desvio de poder.

Mas não é assim.

Primeiro, o juízo probatório, se bem que envolva uma irredutível dimensão subjectiva, não deixa de poder ser sindicável objectivamente quanto á sua dimensão objectiva. Aliás, o dever de fundamentação dos actos administrativos em matéria de facto tem precisamente esta função de permitir a crítica – também – do decidido em matéria de facto.

Depois, não se trata, no raciocínio probatório, de prosseguir o que, na ordem do dever ser, melhor serve o interesse público – fundamento último do poder discricionário da Administração – se não de determinar, na ordem do ser, que factos objectivamente se pode ter por certo que aconteçam.

Por fim, e principalmente, a sujeição plena da decisão em matéria de prova á crítica jurisdicional é o modo de ficarem garantidos ao arguido quer o direito fundamental ao acesso a uma tutela jurisdicional efectiva e plena (artigos 20º nº 1 e 266º nº 4 da CRP), quer o direito fundamental à defesa em todo o procedimento sancionatório. Consagrado no artigo 31º nº 10 da CRP).

Estes direitos fundamentais têm a natureza dos direitos liberdades e garantias dos cidadãos, consagrados no capítulo I do título II da Constituição e, conforme o artigo 18 nº 1 da mesma lei fundamental; vinculam tanto o Réu como o tribunal e são directamente aplicáveis às situações concretas, pelo que pode e deve dizer-se que decorre directamente da Constituição que a decisão do Réu em matéria de prova pode e deve ser sindicada pelo tribunal sem quaisquer limites que não os da razão – no que for susceptível de ser apreciado do ponto de vista racional – e da razoabilidade – no que o não for.” VI.

Mal estaríamos se, dentro dos limites “da razão e da razoabilidade”, não pudesse o tribunal conhecer dos eventuais vícios da instrução para fundamentar a pena aplicada ao arguido, quando invocados pelo A..

VII.

Não se compreenderia que um sistema jurídico que tem como um dos seus pilares fundamentais o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, permitisse a existência no seu sistema de controlo jurisdicional de um “área nebulosa” que não fosse escrutinável nem sindicável por nenhuma instância jurisdicional.

VIII.

Estaríamos perante um poder discricionário absoluto e judicialmente inquestionável, que só poderia levar ao abuso e ao arbítrio gratuitos.

IX.

Andou mal, o tribunal a quo, ao recusar conhecer os vícios invocados pelo A. quanto á insuficiência da instrução para fundamentar a aplicação da pena.

X.

Assim, deverá o tribunal ad quem sindicar os factos e meios de prova constantes do processo disciplinar.

XI.

Decisão essa que não poderá deixar de se nortear, quer pelo princípio do Estado de Direito, assumido no artº 2º da CRPortuguesa, quer pelo direito fundamental de defesa em matéria de direito sancionatório (com aplicação do CPPenal sempre que o Estatuto seja omisso), que obrigam a que, no direito probatório disciplinar vigorem esses princípios estruturantes do Processo Penal que são o da acusação e o princípio in dúbio pro reo.

XII.

A qual deverá concluir (como foi peticionado pelo A.) pela insuficiência da prova produzida para fundamentar a pena aplicada ao A., sendo, em consequência, anulada a decisão proferida pelo R..

XIII.

No que concerne á falta de ponderação das circunstâncias atenuantes, alega o tribunal recorrido que a ponderação de tais circunstâncias se encontra incluída na actividade discricionária da Administração Pública, “cabendo apenas ao tribunal aferir do respeito pelos princípios de direito administrativo, como o princípio da proporcionalidade”.

XIV.

O que aqui está em causa é precisamente a não aplicação pelo R. da circunstância atenuante prevista na al. a) do artº 22º do ED na decisão em apreço, quando a lei prevê que, verificados em concreto os seus requisitos, ela seja aplicada.

XV.

Refere a sentença recorrida que não cabe ao tribunal tal escrutínio, apenas sendo de aquilatar do respeito pelo princípio da proporcionalidade.

XVI.

Chamando à colação o que acabou de se invocar quanto ao ponto anterior, terá que se afirmar que, também aqui, não se acompanha tal entendimento.

XVII.

com os mesmos fundamentos supra expendidos, cumpre afirmar que deverá ser o tribunal aferir não só da sua aplicação e, em caso negativo, a razão para a sua não aplicação, bem como escrutinar a justeza da medida da sua aplicação, em caso positivo.

XVIII.

Uma vez que o R. não procedeu á aplicação da circunstância atenuante especial, nem justificou a sua não aplicação, (sendo certo que o A. cumpria os requisitos para a sua aplicação, isto é, a prestação de mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo – conforme consta do processo disciplinar), cabia ao tribunal a quo conhecer de tal ilegalidade e retirar daí as consequências legais, tanto mais que esta foi uma das ilegalidades arguidas pelo A. no seu peticionado.

XIX.

Deveria assim o tribunal recorrido ter-se pronunciado sobre tal questão, ao invés de alegar que tal circunstancialismo cabe na discricionariedade da Administração Pública.

XX.

Nestes termos, deverá também o TCA Norte pronunciar-se sobre a questão em concreto, no sentido de terem necessariamente que ser ponderadas as circunstâncias atenuantes especiais constantes da al. a) do artº 22º do ED.

XXI.

A decisão recorrida violou, entre outros, os artigos 20º nº 1, 266º nº 4 e 31º nº 10 da CRPortuguesa e artº 22º al. a) do ED.

Termos que que deverá o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser anulada a decisão recorrida, proferindo-se acórdão que conheça das ilegalidades invocadas pelo A., que deverão levar à nulidade da decisão disciplinar impugnada, com o que se fará JUSTIÇA*O Município da FF juntou contra-alegações, concluindo: I.

A decisão recorrida, contrariamente ao defendido, não afasta a possibilidade de sindicar as decisões da Administração no âmbito dos processos disciplinares. Simplesmente, partindo da consideração de um conjunto de princípios jurídicos – designadamente o da livre apreciação da prova -, bem como da jurisprudência que se tem firmado nesta matéria - Ac. TCAN, processo 344/08.3BEPRT de 18/02/2011, Acórdão do TCA Sul, Processo n° 06477/02, de 2007.05.24 e TCA Sul, tirado no processo 6944/10 de 20/12/2012, todos disponíveis em www.dgsi.pt -, considera o tribunal recorrido que o julgamento feito pela Administração só pode ter lugar quando for invocada a violação de normas legais de direito probatório, erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova ou desvio de poder”, concluindo a sentença que “no caso em apreço, resulta dos elementos juntos aos autos que foram realizadas várias diligências instrutórias (pontos 3, 6, 7 e 15 da fundamentação de facto) todas devidamente ponderada nos relatórios do processo de inquérito e do procedimento disciplinar, bem como na decisão de acusação, pelo que não podemos sequer ponderar estar perante uma situação de défice instrutório manifesto, de inércia do instrutor do procedimento, ou de erro grosseiro na apreciação da prova”. Assim justificada e fundamentada, a decisão não merece censura.

II.

A sentença junta pelo recorrente não transitou em julgado, tendo o Município interposto recurso ainda pendente de apreciação, conforme documento que se junta, acompanhado da decisão judicial, do foro criminal, que no essencial, condenou o recorrente pelos mesmos factos e tendo em conta, genericamente, os mesmos meios de prova considerados no processo disciplinar – cfr. documento 1.

III.

O exemplar comportamento que decorre do art. 22º, al a) do Estatuto Disciplinar tem de traduzir-se numa avaliação de desempenho avaliada com a menção máxima durante 10 anos de serviço, pressuposto que o recorrente não cumpre.

Termos em que, na improcedência do recurso, deverá manter-se a absolvição do réu do pedido.

*O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos contidos no artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

*Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS DE FACTO Na decisão foi fixada a seguinte factualidade: 1.

Em 25-03-2010, pelo Presidente da CMFF, foi determinada a instauração de inquérito com o objetivo de apurar factos relatados...

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