Acórdão nº 00235/17.7BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 06 de Abril de 2018
Magistrado Responsável | Maria Fernanda Antunes Apar |
Data da Resolução | 06 de Abril de 2018 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO ANCOCTQ, com o NIPC 5…61 e sede na Quinta …, 5160-111 Torre de Moncorvo, intentou processo cautelar contra o IFAP- Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., com o NIPC 5…44 e sede na Rua Castilho, 45-51, 1269-163 Lisboa, pedindo a suspensão da decisão de restituição do subsídio concedido em 2000 com as demais consequências legais.
Por decisão proferida pelo TAF de Mirandela foi julgada procedente a providência e suspensa a eficácia do acto administrativo praticado em 16/06/2017 pelo Presidente do Conselho Directivo do IFAP, I.P. que determinou a reposição de € 326.150,44 atribuídos à Requerente, ANCOCTQ, no âmbito do contrato de atribuição de ajudas - projecto n.º 2000.09.004039.5 -, integrado na Medida AGRIS, Sub-acção 4.2.1-Norte -Preservação e Melhoramento Genético das Raças Autóctones, Raças Exóticas e Raça Bovina Frísia, até ao trânsito em julgado da decisão proferida no processo principal.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o IFAP, IP concluiu: A.
Vem o presente recurso jurisdicional interposto de sentença de 28/12/2017 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou procedente o processo cautelar interposto pela ANCOCTQ, e em consequência determinou a suspensão da decisão final proferida pelo IFAP, I.P. constante de ofício nº 005557/2017 DAI-UREC, de 16/6/2017, através do qual foi determinada a reposição do montante de € 326.150,44.
B.
Entendeu o Tribunal relativamente ao requisito do fumus bonus iuris que “… o facto de a decisão final do procedimento apenas ter sido notificada à Requerente em 16/06/2017, atendendo ainda ao facto de, tal como já se deixou antecedentemente referido, além deste, apenas terem ocorrido outros dois factos interruptivos do prazo prescricional, e chamando aqui à colação o disposto no já citado normativo ínsito no primeiro parágrafo do n.º 1 do art.° 3° do Regulamento (CE, Euratom) 2988/95, dúvidas inexistem de que, nesta data, ou seja, na data em que a Requerente foi notificada da decisão final do procedimento, encontrava-se este já prescrito”.
C.
Salvo melhor entendimento, como seguidamente se demonstrará, a decisão parece fazer uma incorreta interpretação dos factos e do direito aplicável, no que respeita aos requisitos do fumus bonus iuris, porque, na situação em apreço, entre a data em que foi realizada a ação de controlo (6/10/2009 ponto 8 da matéria de facto dada como provada) e a decisão final (16/6/2017 ponto 21 da matéria de facto dada como provada), não decorreram oito anos, previstos no terceiro parágrafo do nº 1 do Artº 3° do Regulamento (CE, EURATOM), nº 2988/95.
D.
Por outro lado, a ajuda em apreço nos autos é uma ajuda ao investimento paga no âmbito do programa AGRIS - Medida Agricultura e Desenvolvimento Rural dos Programas Operacionais Regionais.
E.
Para efeitos de encerramento da medida AGRIS, inserida num PROGRAMA PLURIANUAL do III Quadro Comunitário, que foi designado de P.O. NORTE e atribuído o nº CCI: 1999PT161PO017, a data limite da elegibilidade das despesas apresentadas pelo Estado Membro, seria conforme o previsto no artigo 5º da Decisão da Comissão C (2000) 1775, de 28/07/2000, até 31 de dezembro de 2008, todavia, esta data foi alterada pela Decisão da Comissão C (2007) 2032, de 4 de maio, para 30 de junho de 2009.
F.
O Programa AGRIS está inserido num PROGRAMA PLURIANUAL do III Quadro Comunitário, designado de PO. Norte [CCL 1999PT161P0017], o qual foi aprovado pela Decisão C [2000] 1775, de 28.07, sendo que, na data da decisão final, 21/05/2015, ainda não tinham decorrido 4 anos sobre o encerramento do PO. Norte [CCI: 1999PT161P0017], nos termos do artigo 39º, nº3, do REG [CE] 1260/1999.
G.
Tal facto é relevante pois, nos termos do Artº 3° do mencionado Regulamento n.º 2988/95, “o prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa” H.
Ou seja, no citado artigo é expressamente prevista uma exceção à regra geral da prescrição do procedimento (quatro anos a contar da prática da irregularidade), estipulando-se que havendo um programa plurianual o prazo de prescrição corre até ao encerramento do programa, no caso em apreço o prazo de prescrição do procedimento tem sido indicado como tendo ocorrido em 30 de setembro de 2015.
I.
Relativamente à prescrição do procedimento no âmbito de um programa plurianual., entendeu o Tribunal de Justiça da União Europeia, através de acórdão proferido em 15 de junho de 2017, no âmbito do Proc. nº C 436/15, que “… a prescrição prevista na referida disposição permite, por um lado, garantir que enquanto um programa não estiver definitivamente encerrado, a autoridade competente pode sempre instaurar um procedimento contra as irregularidades cometidas no âmbito da execução desse programa, a fim de facilitar a proteção dos interesses financeiros da União (v., neste sentido, acórdão de 6 de outubro de 2015, Firma Ernst Kollmer Fleischimport und export, C 59/14, EU:C:2015:660, n.º 26)” J.
Ou seja, até ao encerramento definitivo do programa plurianual, no caso concreto 30 de setembro de 2015, podia decorrer o procedimento administrativo contra as irregularidades cometidas no âmbito da execução desse programa, pelo que sendo a decisão final de 16 de junho de 2017, o procedimento administrativo não se encontrava prescrito.
K.
Acresce que, nos termos do segundo parágrafo do artigo 3º do Regulamento (CE, EURATOM) nº 2988/95, exceciona-se também [à regra geral dos 4 anos] as irregularidades repetidas/continuadas, sendo que, por exemplo, a título exemplificativo, quando os beneficiários apresentaram pedidos de pagamento irregulares, com violação da regra da elegibilidade das despesas, à semelhança do acórdão supra citado, que a irregularidade ainda não cessou, logo não poderia também ocorrer a prescrição.
L.
Estando na origem da violação da disposição de direito comunitário, isto é do disposto no Regulamento (CE) n.º 1257/1999, do Conselho, de 17 de Maio de 1999, cujas regras de execução foram posteriormente ínsitas na D.L. nº 163-A/2000, de 27/7 e Portaria nº 533-B/2000, de 1/8, a irregularidade é repetida ou continuada na aceção do artigo 3°, n° 1, segundo parágrafo, do Regulamento (CE, EURATOM) nº 2988/95, razão pela qual o prazo de prescrição correspondente apenas começaria a correr a contar da data em que foi posto termo à irregularidade, ou seja, nestas situações tem-se entendido que as irregularidades praticadas pelos beneficiários, como nunca foram supridas, não se podem considerar que tenham cessado, pelo que inexiste, também relativamente a esta exceção, qualquer tipo de prescrição do procedimento.
M.
Por outro lado, entendeu ainda o Tribunal a quo, que “…acontece que, se por um lado não se vislumbra como é que a possibilidade de recuperação do montante pecuniário em causa sai beliscado pelo facto de o Requerido poder vir a ter de esperar pelo trânsito em julgado da decisão que vier a set proferida no processo principal; por outro, o alegado risco de perda da quantia em causa não vem minimamente densificado ou concretizado na sua oposição, não sendo evidente para o Tribunal que esse risco se tenha pot diferente agora em relação ao momento em que vier a ser julgado definitivamente o processo principal”.
N.
No caso em apreço nos autos, estão em causa dinheiros públicos, atribuídos por subsídios concedidos por Fundos da Comunidade Europeia, pelo que o crivo do que pode justificar o incumprimento pelos Beneficiários, não pode deixar de ser rigoroso.
O.
Com efeito, o primado do Direito Comunitário, previsto no Artº 8° da Constituição da República Portuguesa, e tal como tem sido definido de modo constante pela jurisprudência do Tribunal de Justiça (nesse sentido cita-se o Acórdão Van Gend en Loos, o Acórdão Costa/Enel e o Acórdão Simmenthal, e a nível nacional - Acórdãos do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, de 6/10/2005, 6/12/2005, 29/3/2007, proferidos no âmbito dos Proc.s n.º 2037/02, 328/02 e 61/05, respetivamente), impõe às autoridades que façam prevalecer o direito comunitário sobre o direito nacional, qualquer que seja a natureza da norma comunitária em apreço e a do direito nacional em questão, tornando o juiz nacional como o juiz comum do contencioso comunitário, o qual deverá assegurar na ordem interna o respeito por todas as normas e princípios do Direito Comunitário.
P.
A este respeito, cita-se acórdão proferido em 14/7/2016, pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, no âmbito do Proc. nº 13412/16, onde consta que “No caso sub judice, em que estão em causa dinheiros públicos atribuídos por subsídios concedidos por fundos comunitários, impõe-se às autoridades que façam prevalecer o direito comunitário sobre o direito nacional, qualquer que seja a natureza da norma comunitária em apreço e a do direito nacional em questão, cabendo assim ao juiz o cumprimento na ordem interna das normas e princípios de direito comunitário — cfr. neste sentido o Acórdão Van Gend en Loos, o Acórdão Costa/End e o Acórdão Simmenthal, e a nível nacional, Acórdãos do Pleno do STA, de 6/10/2005, 6/12/2005, 29/3/2007, proferidos no âmbito dos Proc. nº 2037/02, 328/02 e 61/05, respectivamente. Assim, na ponderação entre o interesse privado e o interesse público, estando em causa ajudas comunitárias é de prevalecer o interesse público, nomeadamente através da recuperação de quantias antecipadamente pagas, tanto mais que subsiste o risco de perda da quantia cuja devolução foi exigida”.
Q.
Verifica-se desta forma que, na situação em apreço, na ponderação entre interesse privado e interesse público, estando em causa ajudas comunitárias, salvo melhor opinião, deverá prevalecer o interesse público, nomeadamente através da recuperação de montantes indevidamente pagos, uma vez que, há sempre o risco de perda da quantia cuja devolução foi exigida.
R.
Face ao exposto, o entendimento do Tribunal ao julgar...
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