Acórdão nº 00528/18.6BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelRogério Paulo da Costa Martins
Data da Resolução23 de Novembro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: MEOPA veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 12.09.2018, pela qual foi julgada extinto o “processo” na providência cautelar intentada contra o Município de M...

, com vista a obter a suspensão da eficácia do acto do Município pelo qual foi ordenado que retirasse todas as pedras que colocou na via pública e que dificultam a passagem de viaturas no caminho municipal.

Invocou para tanto, em síntese, que ao contrário do decidido o acto suspendendo é impugnável e a impugnação está em tempo.

*O Recorrido contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.

*O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

*Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.

*I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: A - Da factualidade dada como provada nos presentes autos, não restam quaisquer dúvidas que as “pedras”, que verdadeiramente se tratam de marcos, que delimitam a propriedade da Recorrente se encontram no mesmo local há mais de 20 anos.

B - De facto, o próprio Contrainteressado que originou o processo junto da Recorrida, por alegadamente ter dificuldades em circular naquela via, admitiu que as “pedras”, que são marcos, em causa se encontram no local há mais de 20 anos, que sempre circulou naquela via, tendo admitido, ainda, que existe um caminho alternativo para a sua propriedade, que não implica passar pelas referidas “pedras”.

C - Não restam quaisquer dúvidas de que as “pedras”, não causam qualquer constrangimento à circulação automóvel, pelo que não se compreende a posição adoptada pela Recorrida, que bem sabe que no seu Município existem inúmeros casos semelhantes, por existirem imensas vias estreitas e construções bastante avançadas na via, sendo recorrente a verificação de situações de vias com muito menos largura do que a que está em causa nos presentes autos.

D – O Tribunal a quo entendeu que o direito de acção da Recorrente se encontrava caducado, uma vez que o acto administrativo proferido em Abril de 2018 não seria impugnável por se tratar de um acto meramente confirmativo do acto anterior, proferido em Novembro de 2017.

E – A Recorrente, sempre que foi interpelada pela Recorrida para remover as pedras, respondia, fundamentadamente, exercendo o seu legítimo direito ao contraditório, tanto que, devido a essas respostas da Recorrente, foram ao longo do tempo realizadas diligências pela Recorrida que, até então, e se a Recorrente não tivesse respondido, provavelmente não seriam feitas.

F – O Tribunal a quo parte do princípio que este despacho de Abril não é impugnável por ser meramente confirmativo do despacho proferido em Novembro de 2017, mas tal não se afigura correcto.

G - Efectivamente, do n.º 1 do artigo 53.º do Código de Procedimento Administrativo, resulta que “não são impugnáveis os atos confirmativos, entendendo-se como tal os actos que se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores.” H - “Para que o acto confirmativo se considere contenciosamente inimpugnável, necessário se torna que estejam preenchidos diversos requisitos, de que as nossas jurisprudência e doutrina se têm feito eco. Em primeiro lugar é necessário que o acto confirmado e o acto confirmativo hajam sido praticados ao abrigo da mesma disciplina jurídica: se, entre a prática de um e de outro, se verifica uma alteração legal ou regulamentar dessa disciplina, o acto posterior não se considera confirmativo e é susceptível de impugnação contenciosa. O mesmo se diga para a modificação das condições fácticas que rodeiam a prática do acto.

Em segundo lugar, o acto confirmativo só não pode ser impugnado se o particular já tivesse conhecimento (por qualquer dos modos referidos no artigo 52º do RSTA) do acto confirmado antes da interpretação do recurso contra o acto confirmativo.

O terceiro requisito para que o acto confirmativo se diga impugnável é a total correspondência entre os seus diversos elementos – efeitos jurídicos, interessados, fundamentos de facto e de Direito (artigo 140 nº 2 do Projecto do CPAG) – e os do acto confirmado; se assim não acontecer, o acto só será de considerar como parcialmente confirmativo e então torna-se susceptível de impugnação contenciosa, (...)” Cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19-06-2007, Proc. 0997/06.

I - Para que um acto administrativo seja confirmativo de outro, é necessário, além da identidade dos sujeitos, que os dois actos tenham os mesmos pressupostos, a mesma fundamentação e o mesmo regime jurídico, Cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11-10-2006, Proc. 0614/06.

J - No caso em apreço, os dois despachos só têm em comum a decisão de ordenar a remoção das pedras no prazo de 10 dias. Tudo o mais, mormente a própria fundamentação, não é a igual, ou sequer remotamente idêntica.

L- No acto proferido em Novembro, a Recorrida fundamenta a sua decisão com o RMUE, enquanto que no acto proferido em Abril, e que o Tribunal a quo entende ser meramente confirmativo, a Recorrida já se baseia meramente num parecer jurídico solicitado ao Dr. DM.

M - A questão que se coloca é: qual parecer? Será o parecer de 08.05.2017, do qual a Recorrente foi notificada na primeira interpelação que recebeu por parte da Recorrida em Maio de 2017? Ou será um parecer emitido posteriormente com base em toda a informação nova que surgiu no processo? N - Da leitura do teor do despacho de Abril, parece resultar que se trataria de um parecer posterior, emitido em “resposta” ao requerimento apresentado pela Recorrente. Coloca-se novamente a questão: qual requerimento? Será o requerimento datado de 09.11.2017 a que a Recorrida faz menção no despacho de 15 de Novembro? A resposta a estas questões não é, de todo, clara.

O - O que é certo, é que o acto proferido em Abril não é, de modo algum, um acto meramente confirmativo, precisamente pelos mesmos motivos invocados na Sentença recorrida para que todos os actos anteriores não sejam confirmativos.

P - Como se pode ler, e bem, na Sentença recorrida: “para se poder falar num acto meramente confirmativo, não nos poderemos bastar com uma identidade de decisão, isto é, que os efeitos jurídicos produzidos sejam idênticos, ou que exista uma identidade de assunto, porque o idêntico assunto, já que mesmo levando a idêntica decisão a esta se pode chegar mediante a invocação ou utilização de diferentes fundamentos, na certeza de que essa diversa fundamentação será suficiente para alterar e modificar os pressupostos da decisão e afastar a qualificação do acto como meramente confirmativo.” Q - E como se pode facilmente observar pela mera leitura dos dois actos em causa, a fundamentação dos mesmos é completamente diferente, não se podendo, de modo algum, entender que estamos perante um acto meramente confirmativo.

R - Ainda que não seja esse o douto entendimento perfilhado, o que por mera hipótese académica se coloca, dispõe o nº 3 do artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que desde que ainda não tenha expirado o prazo de um ano, a impugnação será admitida, para além do prazo de três meses da alínea b) do n.º 2, caso se demonstre, com respeito pelo princípio do contraditório, que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente, por: a) a conduta da Administração ter induzido o interessado em erro; b) O atraso dever ser considerado desculpável, atendendo à ambiguidade do quadro normativo aplicável ou às dificuldades que, no caso concreto, se colocavam quanto à identificação do acto impugnável, ou à sua qualificação como acto administrativo ou como norma.

S - No caso concreto, resulta claro que a conduta da Recorrida se pautou por clara má-fé, desde logo porque só respondeu à missiva que a Recorrida enviou em Novembro de 2017 em Abril de 2018, praticamente cinco meses depois.

T - Esse hiato temporal foi, certamente, propositado, e com a clara intenção de que qualquer impugnação judicial da decisão fosse considerada caduca.

U - Certo é que, com tal atraso, a Recorrida criou na Recorrente uma legítima expectativa de que o assunto estivesse definitivamente encerrado.

V - Sendo ainda certo que, tendo sido trocadas inúmeras missivas entre as partes, tornou-se penosa a identificação do acto administrativo a impugnar, desde logo, porque todos os despachos da Recorrida tinham fundamentações diferentes, e várias vezes se baseavam em diligências ordenadas a posteriori.

X - No caso concreto seria admissível a impugnação do acto administrativo proferido em Novembro de 2017 no prazo de um ano, nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Z - Salientamos, por outra banda, e sem prejuízo do anteriormente exposto, que o despacho de 05.04.2018 também é compreendido como uma decisão impugnável, uma vez que sempre teria ope legis de ter lugar a anterior audiência prévia da Recorrente, e a qual, quanto muito, foi a missiva anterior.

AA - Acrescentamos, ainda, que também podemos dizer (mesmo que a missiva anterior fosse a impugnável, que de todo concedemos ou compreendemos) que o prazo foi suspenso mediante conversações entre as partes, sob pena de ferir o princípio da boa-fé e (boa) colaboração, pelo que a presente demanda estaria em prazo.

BB - Ainda, não olvidamos, que no acto de 05.04.2018, o mesmo dispõe um derradeiro prazo, perante um elemento novo (que desconhecemos), pelo que, assim, (mesmo que fosse o anterior acto impugnável, o que não concedemos) ou o prazo foi interrompido e voltou a iniciar-se com tal acto, ou fez-se renascer um novo acto administrativo impugnável.

CC - Em qualquer das situações, e em todas as perspectivas apresentadas, não subsistem dúvidas que o acto de 05.04.2018 é um...

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