Acórdão nº 01887/17.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Junho de 2018
Magistrado Responsável | Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão |
Data da Resolução | 15 de Junho de 2018 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO CAMF, residente na Rua D…, Porto, requereu contra o Município do Porto, com sede na Praça General Humberto Delgado, o decretamento da providência cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo consubstanciado no despacho de 1 de Agosto de 2017, proferido pelo Director Municipal da Presidência da Câmara Municipal do Porto e Presidente do Conselho de Administração da DS EM, que decidiu a resolução do arrendamento apoiado correspondente à casa 32, da entrada 180, bloco 2, da Rua D…, Porto.
Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi julgado improcedente o processo cautelar.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Requerente formulou as seguintes conclusões: A.
O Recorrente requereu a suspensão da eficácia do seguinte acto administrativo: «Despacho de decisão de resolução do arrendamento apoiado correspondente à casa 32, da entrada 180, bloco 2, da Rua D…, Porto, proferido em 01.08.2017 pelo Director Municipal da Presidência da Câmara Municipal do Porto e Presidente do Conselho de Administração da DS, EM – Dr. FP » B. O tribunal recorrido só não suspendeu o acto impugnado por não considerar verificado o requisito do “fumus boni iuris”; C. O Recorrido procedeu à resolução do contrato de arrendamento por mera comunicação ao arrendatário.
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O art. 25º/2 da lei 81/2014 de 19.12 (com a redacção dada pela lei 32/2016, de 24.08) diz o seguinte: «Nos casos das alíneas do número anterior e do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, a resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio opera por comunicação deste ao arrendatário, onde fundamentadamente invoque a respetiva causa, após audição do interessado, cabendo sempre direito de recurso desta decisão pelo arrendatário.» E. Não sendo o motivo invocado pelo senhorio (Município do Porto) subsumível nas hipóteses consagradas no referido artigo (25º/2 da lei 81/2014), nem no n.º 2 do art. 1084º do código civil, a resolução não podia, nem pode, ser efectuada por mera comunicação ao arrendatário.
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O art. 1084º/1 do código civil, “ex vi” 17º lei 81/2014, é explícito ao prever que a resolução pelos motivos constantes do n.º 2 do art. 1083º não opera por mera comunicação, antes nos termos da lei do processo (acção judicial).
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A comunicação de resolução efectuada pelo Requerido é inválida, ou melhor, inexistente, pelo que não produz qualquer efeito.
Subsidiariamente, H. Ainda que fosse formalmente bem realizada a resolução – e não foi – sempre se diria que o motivo invocado não é verdadeiro e, a sê-lo, não é suficiente para justificar a resolução do arrendamento apoiado; I. Por ter sido condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes, tal não equivale a dizer que o Recorrente fez uma utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública, até porque os actos pelos quais foi condenado ocorreram longe do arrendado; J. Manter uma balança de precisão no arrendado, sem mais, nunca pode ser considerado facto grave contrário à ordem pública, bons costumes e à lei, ou melhor, suficientemente grave que justifique a resolução do contrato de arrendamento.
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Não basta verificar-se qualquer uma das circunstâncias enumeradas nas diversas alíneas do referido n.º 2 do art. 1083º do CC para, sem mais, assistir o direito ao senhorio de resolver o contrato, sendo, ainda, necessário que esse facto, pela gravidade, torne inexigível a manutenção do arrendamento.
L. A resolução é inválida (até inexistente) porque o Requerido não pode resolver o contrato de arrendamento, com base no fundamento previsto no art. 1083º/2/b do cc, por mera comunicação ao arrendatário e, ainda que assim não fosse, não são verdadeiros ou suficientemente graves os factos invocados na decisão de resolução do arrendamento.
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A decisão recorrida viola o artigo da 25º/2 da lei 81/2014 de 19.12 (com a redacção dada pela lei 32/2016, de 24.08) e os artigos 1083º e 1084º do código civil.
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O n.º 2 do art. 25º da lei 81/2014, de 19.12, é inconstitucional, por violação dos n.ºs 1 e 3 do art. 65º da CRP, quando interpretado no sentido de permitir que o senhorio resolva o contrato de arrendamento por mera comunicação ao arrendatário, sendo o motivo invocado previsto no art. 1083º, n.º 2 do código civil.
NOS TERMOS EXPOSTOS, e nos mais de direito que suprirão, dando provimento ao recurso e decidindo o decretamento da providência cautelar requerida, Farão JUSTIÇA! *O Requerido juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim: Pelo que a decisão não merece qualquer reparo quanto ao erro sobre os pressupostos, neste ponto em particular, como invocado pelo Recorrente.
Por outro lado, o direito à habitação não é absoluto e deve ceder quando ficou comprovado, por decisão judicial transitada em julgado, a condenação do Recorrente por tráfico de droga assente que ficou naquele processo que este usava o fogo em causa e o exterior dele (bairro) para exercer esta atividade ilícita, designadamente usando o mesmo como local de armazenamento ou seja, reservando para este uma função logística essencial à prática do crime porque foi condenado.
NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVE O RECURSO IMPROCEDER SEM MAIS.
*O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
*Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS DE FACTO Na decisão foi fixada a seguinte factualidade: 1.
O requerente é titular do Alvará n.º 3…1, de 20/04/2010, que lhe concedeu, a título precário, licença para habitar a casa 32, da entrada 180, bloco 2, do Bairro F…, freguesia do Bonfim, concelho do Porto - cfr. alvará a fls. 71 do processo administrativo apenso (PA); 2.
Em 20/04/2010 e até à data da entrada da presente petição, o agregado familiar do requerente era composto pelo requerente, pelo seu cônjuge, SAOL, e pelos quatro filhos do casal, CDLM, CALF, FHLF e CRLF, nascidos, respectivamente, em 27/08/1978, 02/03/1978, 21/02/1997, 18/02/2000, 28/11/2004 e 15/09/2008 - cfr. consulta de requerimento a fls. 66, ficha de caracterização a fls. 196 e 197 e documentos de fls. 46, 47, 49, 50, 43 e 42, todos do PA; 3.
Em 27/02/2015 foi proferido acórdão no processo judicial n.º 108/10.4PEPRT, transitado em julgado, relativamente ao aqui requerente, em 27/05/2015, no qual foi ora impetrante condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de quatro anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo - cfr. certidão do referido acórdão, integrado em suporte digital, a fls. 127 do PA; 4.
Dos factos julgados provados no acórdão referido no ponto antecedente, consta, designadamente, o seguinte - cfr. certidão em suporte digital (páginas 206, 212 e 213 da numeração do acórdão em papel), a fls. 127 do PA: “(…) O arguido CAMF (...) pelo menos desde Junho de 2011, vem-se dedicando à venda de cocaína, junto do estabelecimento de restauração e bebidas “PS”, sito na zona da Boavista, nesta cidade e Comarca, tendo como seu principal cliente D ..., o qual adquiria substâncias estupefacientes para seu consumo individual.
O arguido CAF adquiria o estupefaciente por intermédio do arguido (…), comercializando-o depois, nas proximidades do referenciado café, a um tipo de clientela específico que privilegiava os contactos (encomendas) por telefone e procurava sobretudo a descrição do negócio.
(…) no dia 11 de Fevereiro de 2012 (…) foram encontrados e apreendidos ao arguido CA: - 6 embalagens de cocaína, com o peso líquido de 4,823 gramas (…) que o arguido destinava à venda a terceiros, - a quantia monetária de € 150,00 (cento e cinquenta euros), proveniente das vendas de cocaína efectuadas antes da intervenção policial, - 1 telemóvel da marca Nokia, modelo 1600 e 1 telemóvel da marca Vodafone, modelo 547 (…) com os quais mantinha contactos com os fornecedores e clientes dos produtos estupefacientes e adquiridos com os proventos da actividade de vendas a que se dedicava. (…) Nesse dia, pelas 21h35min, o arguido CF detinha em sua casa, sita na Rua C… - Porto: No quarto do arguido, dentro do guarda-fatos: Uma balança digital de precisão, marca Pocket Scale, com resíduos de cocaína, utilizada no doseamento do estupefaciente que vendia e, Três embalagens de cocaína, com o peso líquido de 52,284 gramas (…) que pertenciam ao arguido que as destinava à venda a terceiros.
O arguido CAF não exercia qualquer actividade profissional ou outra, remunerada ou não, para além da actividade de vendas de estupefaciente a que se dedicava. (…)”; 5.
O requerente atrasou-se no pagamento das rendas relativas aos meses de Agosto e Setembro de 2016 - por confissão; 6.
Em 04/01/2017, foi emitida pelo Estabelecimento Prisional do Porto uma declaração, da qual consta, entre o mais: “Declara-se que o recluso (…) CAMF (…) se encontra recluído neste estabelecimento prisional para cumprimento de pena desde 25-11-2016.” - cfr. declaração a fls. 71 dos autos; 7.
Em 01/03/2017, foi emitido ofício dirigido ao requerente, com o assunto “Fixação do valor da renda de acordo com os valores das novas rendas máximas calculadas em função dos valores patrimoniais dos fogos, conforme estabelecido na Lei”, e do qual consta que “(…) depois do processo de avaliação dos rendimentos que efectuamos no final do ano passado, a sua renda vai manter-se idêntica (…) manterá o valor anterior, de € 11,40.
” - cfr. ofício a fls. 171 do PA; 8.
Em 21/03/2017, a cônjuge do requerente assinou a certidão de notificação do projecto de decisão de resolução do arrendamento apoiado da casa 32, da entrada 180, bloco 2, da Rua D…, Porto - cfr. “notificação” e certidão de fls. 181 verso a 186 do PA; 9.
Os montantes correspondentes às rendas em atraso referidas no ponto 5 e respectivos acrescidos, no valor global de €55,32, foram pagos em 22/03/2017 - cfr. documento de cobrança a fls. 191 do PA; 10.
Em 01/08/2017, foi emitido despacho pelo Director Municipal da Presidência da...
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