Acórdão nº 02867/15.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução28 de Junho de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: VMSL (Travessa T…, 4405-284 Canelas, Vila Nova de Gaia) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF do Porto, em acção intentada contra o Ministério da Administração Interna (Praça do Comércio, 1149-015 Lisboa do Lagar, n.º 37, 3050-417 Pampilhosa), acção julgada improcedente.

O recorrente dá em conclusões: 1.

Deseja-se colocar em crise a decisão proferida pelo Tribunal A Quo que julgou improcedente a totalidade da acção proposta pelo aqui recorrente não considerando nulo o acto da Ministra da Administração Interna, de 12-08-2015, que lhe aplicou a pena disciplinar de separação de serviço.

Desde logo, 2. Percorrendo a Sentença recorrida, verifica-se terem sido enumerados os factos provados, os quais se resumem a constatações de actos administrativos e datas de prática de tais actos e ainda à transcrição (quase total) do “Relatório Final”.

  1. De seguida, temos a “Fundamentação de Direito”, que se resume a pouco mais de duas páginas, na qual se mencionam as questões levadas ao Tribunal recorrido.

  2. Contudo, salvo o devido respeito, tal “fundamentação” ocorre de forma tão aligeirada e resumida que dificulta, in extremis, o presente recurso, dado que, não tendo vislumbrado resposta às suas impugnações, o aqui recorrente tem quase que repetir as mesmas junto deste Tribunal de recurso.

  3. A falta de fundamentação da Sentença acarreta a nulidade da mesma, o que para os devidos e legais efeitos se invoca, por violação das disposições conjugadas dos artigos 94º e 95º do CPTA.

    Sem prescindir, 6.

    A Sentença recorrida não considerou que acto administrativo praticado pelo MAI (Despacho), em conformidade com as propostas e pareceres não notificados ao recorrente, está viciado de nulidade (assim como aquelas propostas, deliberações e pareceres), nomeadamente, pelas razões que se expuseram e que melhor constam infra.

    ASSIM: Da caducidade do processo disciplinar/nulidade insanável: 7.

    Conforme bem referiu a acusação disciplinar, deduzida contra o arguido, o Processo criminal nº 109/08.2TAETR transitou em julgado em 04 de Julho de 2014.

  4. Se bem que o processo disciplinar tenha estado suspenso com vista a aguardar a decisão transitada em julgado no processo judicial supra referido, o certo é que, dispõe o artigo 92º que o processo disciplinar deve ultimar-se no prazo de 45 dias a contar do seu início efectivo.

  5. Estando transitado em julgado, quanto ao arguido, o processo judicial supra mencionado, a entidade competente pela acção disciplinar deveria ter ultimado a instrução, com a consequente acusação, pelo menos, naquele prazo de 45 dias, após trânsito, o que não fez.

  6. Salvo o devido respeito a letra da lei (artigo 92º do RDGNR) refere que: “A instrução do processo disciplinar deve iniciar -se no prazo máximo de 5 dias, contados da data da comunicação ao instrutor do despacho liminar de instauração, e ultimar-se no prazo de 45 dias, contados da data do início efectivo.” (negritos e sublinhados nossos).

  7. Ora, o verbo dever (“deve”) é peremptório sendo a sua presença na lei sinónimo de tal prazo peremptório.

  8. O “e” contante da lei e supra sublinhado é sinónimo de que o verbo dever se aplica ao prazo de 45 dias.

  9. Ou seja, a própria letra da lei é clara no que respeita à sua pretensão, pelo que, deve o processo disciplinar ultimar-se em 45 dias, 14.

    No caso concreto, como estava suspenso o processo disciplinar, deveria ter-se ultimado o processo, pelo menos, em 45 dias após o trânsito em julgado do processo criminal, o que não sucedeu.

  10. Acresce que, não ocorreu qualquer prorrogação de tal prazo, nos termos do nº 2, do art. 92º, durante a instrução do processo disciplinar.

  11. O prazo do artigo 92º não é confundível ou sequer relacionável com o prazo do artigo 46º do RDGNR, dado que, no primeiro caso estamos perante caducidade de um direito e no segundo encontramo-nos no âmbito de prazo prescricional.

  12. Razão pela qual, ocorreu aqui a caducidade do direito de exercício do processo disciplinar.

  13. Ou, pelo menos e sem prescindir, ocorreu aqui uma nulidade insanável, já arguida em sede de defesa da acusação disciplinar, nos termos e para os efeitos do art. 81º, nº 2 do RDGNR, a qual não foi considerada em sede de decisão final disciplinar, nem em sede de Sentença.

  14. Ao não ser tido em conta o supra referido, há, efectivamente, violação constitucional e administrativa dos artigos: 12º e 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP); 3º e 5º do Código Procedimento Administrativo (CPA) e do 92º do RDGNR.

    Também sem prescindir, Da falta de audiência do impugnante/nulidade insanável: 20.

    A decisão final administrativa foi tomada alicerçando-se nas conclusões e proposta do Instrutor do Processo disciplinar nº 01/DISC/DT52/2008, no parecer do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina da GNR e na proposta do Comandante-Geral da GNR, considerando a conduta do requerente inviabilizadora da relação funcional com a GNR.

  15. Nem o parecer do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina da GNR e nem a proposta do Comandante-Geral da GNR foram notificados ao impugnante para que o este deles tivesse conhecimento e pudesse fazer uso do seu direito de audiência.

  16. Não tendo sido dado conhecimento e atribuída a audiência de tais decisões, estamos perante uma nulidade insanável do procedimento administrativo disciplinar.

  17. O conhecimento e informação sobre os actos/decisões administrativos que podem influir na vida dos administrados, mesmo que com relação funcional, devem ser-lhe facultados e tal decorre expressamente da lei, a nível administrativo e constitucional.

  18. Não relevando para o presente caso a existência ou não de “qualquer alteração substancial dos factos e do direito constantes da acusação”.

  19. O parecer do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina da GNR e a proposta do Comandante-Geral da GNR deveriam ter sido notificados, o que não sucedeu.

  20. Pelo que, não tendo sido notificados tais actos e não tendo sido tal considerado pela Sentença, há aqui violação constitucional e administrativa dos princípios da legalidade e participação previstos pelos artigos 3º e 12º do CPA e 81º do RDGNR, bem como, dos artigos 12º e 13º da CRP.

    Sem prescindir, ainda Da ilegalidade, desproporcionalidade, parcialidade, desigualdade, injustiça e não razoabilidade da pena disciplinar aplicada: 27.

    No Acórdão de 1ª instância proferido no processo judicial nº 109/08.2TAETR, o recorrente foi punido, por cada um dos crimes, por decisão judicial penal transitada em julgado, com pena de prisão inferior a 3 anos.

  21. Sendo certo que, conforme supra se transcreveu, em tal Acórdão foi entendido que não haveria lugar à aplicação da sanção acessória de proibição do exercício de funções, entre outras razões, por não se verificar tal pressuposto.

  22. Ou seja, não é de admitir como fundamento para a aplicação de qualquer tipo de pena disciplinar o facto de o arguido ter sido condenado por crime com pena de prisão superior a 3 anos, quando tal não sucedeu.

  23. Ademais, o artigo 21º do RDGNR no nº 2 utiliza a expressão “ São susceptíveis….” E na alínea e) utiliza a expressão “…que revele ser…”, ou seja, a susceptibilidade e a revelação careciam de ser fundamentadas, justificadas e comprovadas pelo recorrido, o que não sucedeu.

  24. Na verdade, não basta a mera invocação de condenação do aqui impugnante em crime “punível” com pena de prisão superior a três anos.

  25. Até porque, o impugnante já depois da condenação, esteve a exercer funções de Amamuense, o que fez com boas acções e cumpriu as ordens a si dirigidas, de forma exemplar, conforme informação de fls. 466 dos autos disciplinares.

  26. Pelo que, não se pode considerar que a mera condenação seja susceptível de inviabilizar a relação funcional e, bem assim, seja reveladora de ser o impugnante incapaz ou indigno da confiança necessária ao cargo.

  27. De outra forma, o célebre caso mediático do GNR “HE”, o qual matou o filho de um perseguido, no exercício de funções, não poderia ter continuado a exercer funções pois foi condenado por crime “punível” com pena de prisão superior a 3 anos, aliás, como outros casos de crimes bem gravosos (nomeadamente, por crimes contra a vida) e nos quais continua a haver exercício de funções.

  28. Isto porque, o objectivo de qualquer pena é sempre a ressocialização e recuperação do indivíduo, a todos os níveis, nomeadamente, profissional.

  29. Aliás, salvo o devido respeito, a expressão do RDGNR “que revele ser o militar incapaz ou indigno da confiança necessária ao exercício da função” (sublinhado nosso) não pode significar que tal conclusão possa ser retirada sem qualquer perícia à personalidade do recorrente, pois a incapacidade ou indignidade não podem ser verificadas de outra forma que não com o recurso a perícia.

  30. A expressão “punível” (alínea e) do artigo 21º do RDGNR), salvo o devido respeito parece inconstitucional, dado que, não tem em conta o princípio da presunção de inocência e, bem assim, o princípio da proporcionalidade e o da legalidade.

  31. O facto de um GNR ser condenado em 6 anos e outro GNR ser condenado em 2 anos, desde que o crime seja o mesmo e punível com pena de prisão superior a 6 anos, origina um desfecho igual, ou seja, a susceptibilidade de tal ser revelador de incapacidade ou indignidade do militar, ou seja, nada mais absurdo, desproporcional e inconstitucional.

  32. Proporcional, com sentido e constitucional seria ter no lugar da expressão “punível”, a expressão “punido”, dado que, efectivamente, estaríamos a ter conta a efectiva condenação e não uma mera previsão que abarca um determinado intervalo referente a uma moldura penal.

  33. Será inconstitucional a alínea e) do artigo 21º do RDGNR, na medida em que, a expressão “punível” se refere a uma previsão (“moldura abstracta da pena”) e não a uma efectiva condenação (“pena concretamente aplicada”), o que viola os princípios da presunção da inocência, da legalidade e da proporcionalidade, o que se argui.

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