Acórdão nº 02094/13.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelJo
Data da Resolução28 de Junho de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:*RELATÓRIO JPCCC veio interpor recurso da sentença pela qual, na presente ação administrativa comum sob a forma de processo ordinário que intentou contra o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, o TAF do PORTO decidiu: «Termos em que, face ao expendido supra, julgo que a ação deve proceder, ainda que parcialmente, pelo que [tendo o Réu já pago ao Autor, a quantia liquida de € 179.121,37 - Cfr. pontos 12 e 13 da matéria de facto assentei determino:

  1. A condenação do Réu a pagar ao Autor, os juros de mora devidos sobre a quantia de € 179.121,37, contados desde o 1.° dia imediatamente após a ocorrência do trânsito em julgado da decisão sumária proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 20 de maio de 2013 - Cfr. ponto 10 da matéria de facto assente -, nos seguintes termos: a1) sobre a quantia de €178.147,04, até 02 de Outubro de 2013; a2) sobre a quantia de € 974,33, até 13 de Fevereiro de 2014.

  2. A absolvição do Réu, no pagamento ao Autor, dos demais juros peticionados pelo Réu.»*Conclusões do Recorrente: 1. A questão de direito que é trazida à reflexão deste Alto Tribunal e que constitui objecto do presente recurso enuncia-se por estas palavras: “Tendo o autor oferecido à ré, na sequência de uma sentença condenatória não transitada em julgado e sob protesto de nada lhe dever, o pagamento de uma quantia de que esta se arrogava credora e cujo pagamento aceitou, quid iuris se aquela sentença for objecto de revogação por decisão transitada em julgado: fica a ré constituída na obrigação de restituir ao autor, além do montante por este pago, apenas os juros calculados sobre aquele montante contados desde a data do trânsito em julgado da decisão revogatória ou, ao invés, desde a data em que a autora efectuou o pagamento?” 2. Apesar de o autor não ter qualquer dúvida de que o momento a partir do qual são devidos juros sobre o montante pago à ré coincide com a data em que efectuou o seu pagamento, não foi, porém, este o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo que decidiu serem os juros apenas devidos desde a data do trânsito em julgado da decisão que revogou a decisão condenatória inicial, à luz do disposto no art. 805 nº 2 alínea a) e 3 parte inicial do Cód. Civil, pois só a partir dessa data é que a ré “passou (…) a saber e a conhecer que o dinheiro que tinha em sua posse, por assim lhe ter sido remetido pelo Autor [em 26 de Setembro de 2006, e 09 de maio de 2008] não podia manter-se na sua esfera jurídica, sob pena, aí sim, de enriquecer à custa do património do Autor, sem causa justificativa [Cfr. artigo 473º, nº 1 do CPC]; 3. Encontrando-se assente nos autos que o direito do autor à restituição dos montantes pagos à ré tem acolhimento legal à luz do instituto do enriquecimento sem causa, tendo até o pedido que o autor havia feito nesse sentido se resultado inútil à luz da confissão da ré e efectiva restituição, cabe apenas saber se o direito aos juros contados sobre aqueles montantes também tem acolhimento naquele mesmo regime e não, como entendeu o Tribunal a quo, nas regras gerais da responsabilidade civil.

    1. Não obstante a divergência sobre o enquadramento da factualidade dos autos numa das concretas modalidades de enriquecimento sem causa à luz do pedido de restituição dos montantes pagos não assumir qualquer consequência (uma vez que esse pedido é por definição procedente), a verdade é que essa divergência já pode assumir consequências na determinação do momento a partir do qual são devidos juros sobre aqueles montantes.

    2. Para efeito deste recurso importa trabalhar os seguintes factos que estão dados por provados nos autos: - a ré deduziu um pedido de indemnização cível contra o aqui autor no âmbito do processo nº 2569/01.3TBGMR, tendo esse pedido sido julgado procedente e o autor condenado a pagar à ré a quantia de € 95.777,90 (noventa e cinco mil setecentos e setenta e sete euros e noventa cêntimos), assim como os juros de mora; - o autor recorreu desta decisão, vindo a mesma a ser revogada e substituída por outra que absolveu o autor da instância cível, tendo transitado em julgado; - na pendência da causa, o autor pagou à ré a quantia de que esta se arrogava credora sob protesto de entender nada dever, deixando exarado que, em caso de provimento parcial ou total do recurso, a ré deveria restituir-lhe as quantias pagas no montante de € 179.121,37 assim como os juros; 6. O legislador não definiu o que se deve entender por falta de causa de enriquecimento mas tipificou alguns exemplos: um desses exemplos é exactamente a inexistência da obrigação no momento da prestação, prevista no art. 476º do Cód. Civil, vulgarmente designada por repetição do indevido ou indevido objectivo.

    3. Ninguém duvida – o próprio Tribunal a quo não o faz – que, aquando da prestação efectuada pelo autor, a obrigação de que a ré se arrogava titular não existia, o que se veio a comprovar com o trânsito em julgado da revogação da decisão que o havia condenado no cumprimento da prestação. De facto.

    4. A decisão que veio revogar a condenação do aqui autor no pagamento à ré das quantias em causa teve a virtualidade, não como sustenta o Tribunal a quo de destruir uma causa de enriquecimento ex tunc, mas apenas a de manter indemonstrada a existência da obrigação de que a ré até 2013 se arrogava credora, mas que, desde então, que se saiba, ela nunca demonstrou existir, tendo até reconhecido que não existia quando devolveu o dinheiro que recebeu, após a citação para a presente acção, aliás sem reservas nem protestos.

    5. Por outras palavras: uma decisão intermédia da primeira instância que julgou existente determinado direito, não confere existência a este direito, ainda que só transitoriamente, se, depois, vem a ser revogada por decisão definitiva que não declara existente o direito invocado.

    6. Antunes Varela e Pires de Lima, na obra citada em texto, afirmam que a repetição do indevido não exige o erro do solvens no acto de cumprimento, podendo este, conhecendo ou duvidando da inexistência da obrigação de que o accipiens se arroga titular, pretender efectuar a prestação com receio das consequências da mora e na intenção de se esclarecer mais adiante sobre a existência da obrigação, não necessitando sequer de dar a conhecer ao accipiens os motivos que fundaram a sua decisão.

    7. Neste quadro, o autor poderia ter efectuado o pagamento à ré em qualquer momento, sendo absolutamente indiferente que o tenha feito após uma decisão judicial o ter condenado nesse sentido, uma vez que aquela decisão não havia transitado em julgado, não atribuindo essa circunstância justa causa ao enriquecimento da ré no momento da prestação.

    8. Por isso é que as decisões judiciais não transitadas em julgado e objecto de recurso com efeito devolutivo são dotadas de uma exequibilidade limitada e o pagamento ao exequente só é permitido caso este preste caução, justamente por se saber que a decisão dada à execução pode vir a ser revogada com a consequente inexistência de causa de atribuição patrimonial.

    9. O Tribunal a quo fez total tábua rasa do regime da repetição do indevido plasmado no art. 476º do Cód. Civil, não tendo sequer aduzido argumentos a favor ou contra a sua aplicação ao caso dos autos e, emotivamente afirmou que aquela decisão não transitada em julgado que havia condenado o autor no pagamento à ré constituía uma justa causa de enriquecimento, causa esta que deixou de existir no momento do trânsito em julgado da decisão que a veio revogar, absolvendo o autor da instância cível.

    10. O Tribunal a quo esqueceu-se que o conceito de causa tinha de ser integrado no universo do instituto do enriquecimento sem causa, tendo-se acolhido ao que, empiricamente, são as definições de justo e injusto; Por outro lado.

    11. No âmbito do enriquecimento sem causa dispõe o art. 479º do Cód. Civil que a obrigação de restituir compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido, traduzindo-se este regime, como regime regra...

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