Acórdão nº 00571/13.1BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução28 de Junho de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório A LEC, SA., devidamente identificada nos autos, no âmbito da Ação Administrativa Comum intentada pelo Município de Mortágua, tendente à condenação daquela no pagamento de 64.326,17€, no âmbito do concurso público para a execução da empreitada de “construção do Centro Educativo de Mortágua e Creche”, inconformada com a Sentença proferida em 19 de dezembro de 2017, no TAF de Viseu, que julgou a Ação procedente, veio interpor Recurso para esta instância em 30 de janeiro de 2018, no qual concluiu (Cf. fls. 317 a 319 Procº físico): “A) Incide o presente recurso sobre a douta sentença que condenou a Recorrente a pagar à Recorrida 64.326,17€, acrescido de IVA, quantia decorrente do cálculo da revisão de preços da empreitada denominada “Construção do Centro Educativo de Mortágua e Creche”; B) O citado contrato de empreitada foi outorgado entre Entidade Recorrida e Recorrente em 17/02/2009; C) A Entidade Recorrida alegou nos presentes autos que a fórmula de revisão de preços que constava no caderno de encargos da empreitada in casu apresentava um lapso de escrita, um mero erro material porquanto as somas dos coeficientes da fórmula não eram iguais à unidade; D) Em consonância com este entendimento, após a outorga do contrato, em 18-03-2009, a Entidade Recorrida deliberou unilateralmente efetuar a retificação de tal erro de modo que passasse a estar escrito “0,02M10/Mo10” onde estava escrito “0,05 M10/Mo10”, tendo escolhido corrigir uma das parcelas da fórmula – a parcela que lhe foi mais conveniente - de modo a que as somas dos coeficientes totalizassem uma unidade; E) A retificação assim preconizada (e os respetivos cálculos de revisão de preços), e que foi integralmente acolhida pela douta sentença recorrida, atribui à Entidade Recorrida o direito de receber da Recorrente 64.326,17€ a título de revisão de preços e respetivos juros; F) Na fundamentação de Direito, o tribunal ad quo entendeu que “na fórmula, onde constava 0,05 M10 deveria constar 0,02 M10/Mo10” e decidiu que “(…) tratava-se de um erro material que, nos termos do artigo 148º do CPA, quando manifesto, como era o caso, uma vez que facilmente se concluía que a soma dos coeficientes dos índices não eram iguais à unidade, poderia ser retificado, a todo o tempo, pelos órgãos competentes para a revogação do ato.” G) Assim, o meritíssimo juiz a quo decidiu que, nos termos do artigo 148º do CPA a Entidade Recorrida podia, de forma unilateral, retificar um erro material na fórmula da revisão após a outorga do contrato de empreitada datado de 17/02/2009.

  1. Porém, a retificação dos atos administrativos prevista no artigo 148º do CPA conforme decidido pela sentença recorrida não ser aplicado à factualidade dos presentes autos.

  2. Desde logo porque a retificação efetuada pela Entidade Recorrida através de deliberação incide sobre o conteúdo de um contrato de empreitada; J) Com efeito, após a outorga do contrato de empreitada, o Caderno de Encargos que o integra assume natureza contratual, vinculando as partes; K) Quer isto dizer que a entidade recorrida retificou, não um acto administrativo, conforme, em teoria é permitido pelo artigo 148º do CPA, mas um contrato, que pressupõe um acordo bilateral de vontades e que, como tal está excluído da regulamentação daquele normativo legal do CPA; L) Após a outorga do contrato a relação contratual é uma relação paritária que se compõe de direitos e de deveres e que se desenrola segundo o esquema do consenso ou do pactum.

  3. Ora, o artigo 148º do CPA - sob a epígrafe “Retificação dos atos administrativos”, dispõe sobre a correção de eventuais erros materiais no âmbito da prática de acto administrativo e não em matéria contratual; N) Não versando o caso sub iudice a um acto administrativo, a correção de erro não pode ocorrer por vontade unilateral da entidade Recorrida, mas qualquer modificação contratual deverá ter a aquiescência da contraparte, a aqui Recorrente, no âmbito do contrato de empreitada.

  4. Destarte, no âmbito contratual a retificação deliberada pela Recorrida e que sustenta a condenação da Recorrente é de todo inadmissível e não tem sustento legal, P) Acresce ainda que, a pugnar-se pela aplicabilidade do artigo 148º do CPA in casu - o que aqui se faz por mera hipótese académica – o certo é que a retificação desse erro efetuada pela Entidade Recorrida não cumpre os critérios deste normativo legal.

  5. Com efeito, só há lugar a retificação no âmbito do artigo 148º do CPA caso o erro seja manifesto e indiscutível; R) No caso dos autos – embora o erro em si seja manifesto porquanto a soma das parcelas da fórmula não é igual á unidade, o certo é que a sua correção está longe de ser indiscutível; S) Ao invés, a retificação em causa poderá ser efetuada alterando qualquer uma das parcelas da fórmula de modo a que a sua soma totalize uma unidade; T) A Entidade Recorrida pugna pela substituição do coeficiente 0,05M10/M10 pelo coeficiente 0,02M/M10 – cujo cálculo corre a seu favor - mas o certo é que a Recorrente na sua contestação avançou com outro método corretivo, porquanto sendo a fórmula constituída por várias parcelas qualquer uma destas parcelas poderá ser corrigida de forma a totalizar uma unidade; U) Daqui se conclui que a retificação ocorrida não é indiscutível - atentas as múltiplas possibilidades de retificação existentes e, ao invés representa uma correção substancial ao conteúdo do contrato de empreitada e não uma mera correção formal, como decorre do disposto do artigo 148º do CPA; V) De tudo o exposto resulta a inadmissibilidade da retificação do erro material contido na fórmula do caderno de encargos deliberada pela Entidade Recorrida conforme foi decidido na douta sentença por falta de fundamento legal.

  6. Nestes termos a douta sentença padece de erro de julgamento ao decidir pela aplicação do artigo 148º do CPA e em consequência ao ter admitido a correção do erro na fórmula de revisão de preços conforme pugnado pela Entidade Recorrida. Acresce ainda que, X) A admitir-se que uma das cláusulas do contrato de empreitada sub iudice poderia ser alvo de retificação unilateral por parte da Entidade Recorrida, como se de um acto administrativo se tratasse, como o fez a douta sentença, certo é que soçobra ainda outra questão cuja decisão, salvo o devido respeito, também enferma de erro de julgamento.

  7. A douta sentença deu como provado que “o autor emitiu o oficio n.º 1593 de 19-03-2009, mediante correio não registado, comunicando à autora [Ré] que a retificação da fórmula foi deliberada na reunião da Câmara Municipal de Mortágua de 18/03/2009 (…)”, (cfr. Ponto 7 dos factos) Z) Ora, olvidou a sentença que a alegada retificação de erro não pode ser efetuada mediante “correio não registado” e sem que tenha sido feita qualquer prova em como o seu conteúdo tenha sido real e efetivamente dado a conhecer à Recorrente.

AA) De acordo do artigo 51º do decreto-lei 59/99 de 2 de Março que rege a empreitada in casu “as notificações no processo do concurso serão feitas pelo correio sob registo (…)” BB) Caso se entenda que, no âmbito das notificações, se devem aplicar as normas da execução da própria empreitada – uma vez que a retificação foi comunicada à Recorrente pela Entidade Recorrida após a outorga do contrato e já em sede de execução do mesmo – deverá atender-se ao disposto no artigo 140º do citado diploma legal, que prevê que “as notificações das resoluções do dono de obra ou do seu fiscal serão obrigatoriamente feitas ao empreiteiro ou seu representante por escrito”, e (número 2), o empreiteiro devolverá “um dos exemplares com recibo”.

CC) Em qualquer dos casos – seja em fase de formação de contrato, seja em fase de execução da empreitada, o legislador determinou que a notificação seja efetuada por escrito e estabeleceu formas de notificação que asseguram que o conteúdo dos atos praticados pela entidade administrativa chegue efetivamente ao seu destinatário.

DD) Ora, nos termos do artigo 393º do Código Civil, “Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal”.

EE) Assim, mal andou a sentença em crise ao dar como provado o alegado envio pela entidade Recorrida do ofício n.º 1593 de 18-03-2009 através de prova testemunhal, conforme decorre do descrito no ponto 7 do Factos.

FF) Ademais, decorre da prova testemunhal (cfr. Testemunho de CMLC) que a deliberação de retificação da disposição contratual relativa a revisão de preços não foi recebida pela Recorrente; GG) Ou seja, in casu não resulta da prova produzida que o acto de retificação tenha chegado ao conhecimento da Recorrente.

HH) Não tendo sido feita tal prova ou inexistindo dúvidas acerca da notificação desse acto, essa dúvida sempre terá de ser valorizada a favor da Recorrente e não da Entidade Recorrida II) A obrigação legal de notificação dos atos que afetem os direitos e interesses legítimos dos particulares traduz-se na sua ineficácia até que os mesmos sejam notificados, o que no caso sub iudice nunca...

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