Acórdão nº 00237/18.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Agosto de 2018

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução23 de Agosto de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO TTQ apresentou providência cautelar contra o Ministério da Administração Interna, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, ambos melhor identificados nos autos, requerendo a suspensão da eficácia do acto administrativo mediante o qual foi decretada a decisão de afastamento coercivo do território nacional, e ainda dos actos conexos, consubstanciados na execução da expulsão de território nacional por um período de 3 anos, da execução da sua inscrição no sistema de informação Schengen para efeitos de não admissão, e da decisão de abandono voluntário do território nacional no prazo de 20 dias.

Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi indeferido o pedido de suspensão da eficácia do acto.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, o Requerente formulou as seguintes conclusões: 1) Salvo melhor opinião, o procedimento administrativo de afastamento coercivo do Recorrente do território nacional está CADUCADO.

2) Concludentemente, o Tribunal a quo faz uma incorrecta aplicação dos preceitos legais (artigo 2.º, n.º 1 do CPTA), quando refere “… que não estão reunidos nos autos fortes indícios da probabilidade da procedência da pretensão impugnatória da decisão”, concluindo que “ainda que tenham sido incumpridos os prazos previstos no CPA para a tomada de decisão administrativa em geral, certo é que, no âmbito do procedimento específico que está em causa, não existe norma que aponte para o pretendido efeito preclusivo, isto é, que, decorrido determinado prazo, ocorrerá a caducidade do procedimento”.

3) Por conseguinte, incorre em erro de julgamento na análise do requisito do fumus boni iuris, na vertente da procedência provável da ação principal.

4) Ora, a adopção das providências cautelares depende da verificação do periculum in mora e do fumus boni iuris, uma vez que visam regular provisoriamente a situação sobre litígio até que seja definitivamente decidida na ação principal a contenda que opõe as partes.

5) O requisito do fumus boni iuris releva-se como a avaliação perfunctória da provável procedência da pretensão formulada no processo principal, isto é, na provável existência do direito invocado pelo particular ou da ilegalidade que ele diz existir.

6) In casu, o procedimento administrativo de abandono coercivo, está previsto na Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho é um procedimento especial de iniciativa oficiosa (artigo 148.º e ss).

7) Pelo que, tendo o SEF decidido pela instauração do procedimento administrativo de afastamento coercivo n.º 391/09 a 19 de fevereiro de 2009, vinculou-se ao DEVER DE DECISÃO nos prazos legalmente estabelecidos, isto é, 180 dias (cfr. artigo 13.º e 128.º do CPA, e 52.º, n.º 1 da CRP), bem como notificar o Recorrente dessa decisão nos prazos legalmente estabelecidos (cfr. artigo 114.º, n.º 5 do CPA).

8) No âmbito do referido procedimento administrativo, a decisão de afastamento foi proferida por despacho datado de 13 de agosto de 2014, isto é, MAIS DE CINCO ANOS E SEIS MESES APÓS O INÍCIO DO PROCEDIMENTO.

9) E a notificação do referido despacho teve lugar no dia 13 de Janeiro de 2018, NOVE ANOS APÓS O INICIO DO PROCEDIMENTO.

10) Segundo o disposto no artigo 2.º, n.º 1 do CPA, “as disposições do presente Código (CPA) respeitantes aos princípios gerais, ao procedimento e à atividade administrativa são aplicáveis à conduta de quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, adotada no exercício de poderes públicos ou regulada de modo específico por disposições de direito administrativo”.

11) Por conseguinte, “nos exactos termos do disposto no artº 2º nº 1 CPA, em tudo quanto não esteja especificamente disposto em sede procedimental no domínio da Lei 23/2007 de 4.7 regem as disposições gerais do CPA” (negrito nosso) (cfr. acórdão do TCAS de 27/03/2008, processo n.º 03322/07).

12) Nesse sentido, e em consonância com o disposto no artigo 128.º, n.º 6 do CPA, à data da notificação o procedimento administrativo de afastamento coercivo já há muito se encontrava caducado.

13) Com efeito, “os procedimentos de iniciativa oficiosa, passíveis de conduzir à emissão de uma decisão com efeitos desfavoráveis para os interessados caducam, na ausência de decisão, no prazo de 180 dias” (cfr. n.º 6 do artigo 128.º do CPA).

14) Efectivamente, todo o cidadão é, perante a Administração, um sujeito jurídico pleno, que, numa relação procedimental, tem direito a uma DECISÃO.

15) Pelo que, todo o direito assenta em prazos legais: as partes têm as suas vidas, os seus planos, as suas expetativas, e a Administração Pública quer-se eficiente e cumpridora de prazos legais (cfr. artigos 5.º e 10.º do CPA).

16) E à data da notificação da decisão de afastamento (13.01.2018), o procedimento administrativo já há muito tinha caducado (cfr. n.º 6 do artigo 128.º do CPA, aplicável por força do disposto no artigo 2.º do CPA).

17) Em consequência, encontra-se demonstrada a verificação do requisito do fumus boni iuris.

18) Por conseguinte, a sentença recorrida laborou em erro ao considerar, sem mais, que não é provável a procedência da ação principal quanto à invocada caducidade do procedimento administrativo de afastamento coercivo de cidadão estrangeiro de território nacional.

19) Acresce que, o Tribunal a quo, na sentença proferida não se pronuncia sobre todas as questões apresentadas pelo recorrido no requerimento cautelar.

20) De facto, verifica-se da leitura atenta do requerimento cautelar que, o recorrente pretende suspender a eficácia do acto administrativo em crise, e aponta como vícios, nomeadamente, a violação do direito à família e à reunião familiar, direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias e corolário do princípio da dignidade da pessoa humana, em que se funda o Estado de Direito Democrático, enquanto princípio fundamental do Estado português (cfr. artigo 2.º da CRP), aplicáveis aos cidadãos estrangeiros por força do princípio da equiparação previsto no artigo 15.º da CRP e artigo 8.º da CEDH, sendo nulo, nos termos do disposto no artigo 161.º, n.º 2, alínea d) do CPA.

21) Na verdade, conforme jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direito do Homem, O MOMENTO RELEVANTE PARA SABER SE O REQUERENTE TINHA OU NÃO UMA VIDA PRIVADA OU FAMILIAR, NOS TERMOS DO ARTIGO 8.º DA CEDH, É O MOMENTO EM QUE A DECISÃO FOI EXECUTADA (cfr. Acórdão Bouchelkia, de 29 de janeiro de 1997).

22) Sendo que, o SEF já há muito tinha conhecimento do contacto e residência do recorrente, assim como da alteração da realidade fáctica existente à data da notificação.

23) Neste contexto, dispõe o n.º 1 do artigo 95.º do CPTA que “a sentença deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (...)”.

24) Assim, incumbe ao julgador a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação.

25) O que não sucedeu.

26) Efectivamente, apesar de resultar dos autos que o recorrente tem a sua vida familiar e privada estabelecida em território nacional e, porquanto, ao abrigo do artigo 8.º da CEDH, ao qual Portugal se encontra vinculado (crf. art.º 8.º da CRP), o momento relevante para apreciar se o recorrente tem uma vida familiar e privada é o momento em que a decisão é executada, e não o momento em que foi proferida, a douta sentença não se pronuncia.

27) Na verdade, o Tribunal a quo não tomou posição sobre questão colocada pelo recorrente no requerimento cautelar, não emitiu decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indicou razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.

28) Nesta conformidade, a sentença recorrida padece de NULIDADE nos termos dos artigos 95.º, n.º 1 do CPTA e artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do NCPC, por omissão de pronúncia nos termos expostos.

29) Acresce que, no requerimento cautelar o recorrente ofereceu prova testemunhal a ser produzida.

30) Consta da sentença o Tribunal a quo que “Considerando o posicionamento das partes nos respectivos articulados e o teor da prova documental junta aos autos, não se vislumbra a necessidade de produção de quaisquer outros meios de prova (...)”.

31) Efectivamente, o CPTA admite todos os meios de prova necessários e úteis ao esclarecimento sumário do caso concreto objecto de tutela cautelar, incluindo a prova testemunhal.

32) Contudo, o poder do juiz atribuído por força do n.º 5 do artigo 118.º do CPTA traduz-se num poder-dever, pelo que deve ser “concreta e expressamente fundamentado, ainda que de forma sucinta, no caso de se dispensar ou rejeitar a produção de prova apresentada ou requerida, sobretudo se factos principais potencialmente relevantes, segundo as várias soluções plausíveis, forem controvertidos” (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 26 de maio de 2011, processo n.º 07062/10).

33) O que não ocorre no presente caso.

34) Na verdade, a sentença recorrida não permite perceber as razões pelas quais se verifica a não necessidade da prova requerida, nem incide sobre realidade onde seja evidente a desnecessidade de produção dessa prova.

35) Por conseguinte, verifica-se que a sentença não se mostra devidamente fundamentada, o que constitui uma violação profunda do direito à tutela jurisdicional efectiva constitucionalmente consagrados nos artigos 20°, n.ºs 1 e 4 e 268°, nº 4 da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, com as legais consequências, fazendo-se assim JUSTIÇA!*O Requerido juntou contra-alegações, concluindo: A. A recorrida concorda na íntegra com os termos da Sentença, datada de 8 de Maio de 2018, proferida Tribunal de Círculo, considerando que a mesma não padece de quaisquer dos vícios invocados no presente recurso.

B.

A recorrida mantém tudo quanto verteu na sua resposta à providência cautelar, para a qual remete e considera parte...

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