Acórdão nº 00765/18.3BEBRG-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 31 de Agosto de 2018

Magistrado ResponsávelJoão Beato Oliveira Sousa
Data da Resolução31 de Agosto de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:*RELATÓRIO AMS veio interpor recurso da decisão pela qual o TAF de Braga julgou improcedente o presente processo cautelar de suspensão de eficácia do acto administrativo que lhe foi notificado por ofício de 1 de Junho de 2017 do Centro Nacional de Pensões.

*Conclusões do Recorrente: 1.ª O Recorrente viu-se confrontado com a decisão do Douto Tribunal de improcedência total da providência cautelar apresentada, decisão essa que se baseia no não preenchimento dos requisitos fumus boni iuris e periculum in mora.

  1. Relativamente ao fumus boni iuris disse o Douto Tribunal o seguinte: “Ao juiz cabe agora, o poder e o dever de, ainda que de forma sumária, avaliar a existência da ilegalidade do acto ou do direito invocado pelo requerente da providência.

    Segundo Vieira de Andrade (ob. citada, pág. 300) quando seja manifesta a falta de fundamento da pretensão principal, deverá ser recusada qualquer providência, ou seja, a evidência da ilegalidade da pretensão, isto é o fumus malus, funciona como fundamento determinante da recusa da concessão da providência.” 3.ª Por sua vez, o n.º 1 do artigo 3.º obriga a que a parte demandada seja devidamente chamada.

  2. Nessa análise da ilegalidade do acto ou do direito invocado pelo Recorrente decidiu o Douto Tribunal pela caducidade da acção principal: (…) Assim sendo, serão nulos apenas os actos que a lei expressamente fulminar com tal sanção.

    Refere o actual artigo 161º, nº 2, alínea d), do CPA (…) que são nulos os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.

    Uma questão que se coloca, desde logo, e que está em causa nos presentes autos, é a de saber quais os direitos fundamentais abrangidos no âmbito da presente norma, e cuja violação do seu conteúdo essencial leva a que o acto seja considerado nulo.

    (…) “é extensível à violação dos direitos, liberdades e garantias, havendo, no entanto dúvidas quanto à inclusão da previsão em causa quanto aos direitos económicos, sociais e culturais”. Quanto a estes, referem estes AA. Que a entender-se que se subsumem nesta alínea, “deve o juiz mostrar-se especialmente rigoroso e exigente na verificação de uma violação que afecte o “conteúdo essencial” do direito em causa”.

    Quanto a esta questão, e dada a dificuldade de interpretação no que se deve entender por direito fundamental, tem-se debruçado, quer a doutrina quer a jurisprudência, muitas vezes em sentido não unânime.

    (…) Refere, na obra citada, que: “Cabe à jurisprudência e à doutrina delimitar o sentido e alcance da norma legal: por nós, contudo, entendemos que a expressão direito fundamental só abrange, neste artigo, os direitos, liberdades e garantias, e os direitos de natureza análoga, excluindo os direitos económicos, sociais e culturais que não tenham tal natureza. (…) Desta forma, o acto suspendendo não afecta o conteúdo essencial do direito do Autor e é apenas susceptível de anulação, se para tal o Requerente tivesse observado o prazo previsto no CPTA, o que não nos parece.

    Para além de erro sobre os pressupostos de facto os restantes vícios invocados pelo Autor também apenas implicam a anulabilidade do acto suspendendo.

    (….) Desta forma, constata-se que a pretensão do Requerente formulada no processo principal, mesmo que, eventualmente, se verificasse fundamento de procedência da mesma, não poderá ser conhecida, uma vez que, quando o Requerente/Autor intentou aquela acção, já se encontrava ultrapassado o prazo que lhe permitia exercer tal direito.

    Por tudo o explanado consideramos também não preenchido o requisito positivo do “”. (nosso sublinhado) 5.ª Não podia o Recorrente estar mais em desacordo com o Douto Tribunal.

  3. Pois, ao ser tomada tal decisão, ignora-se que o Recorrente foi confrontado com um corte total e abrupto da pensão de invalidez decidido pela Recorrida.

  4. Em resumo, encontrando-se numa situação de necessidade e verdadeiro alarme social, a Recorrida decidiu deixar o Recorrente ao completo abandono, não lhe concedendo o mínimo de apoio social.

    “A questão a decidir, da procedência ou não da caducidade do direito de acção depende apenas de saber se o direito à segurança social consubstancia um verdadeiro direito fundamental ou se, ao invés, se trata de um direito “menor”.” Ac. do Tribunal Central Administrativo Norte, 09/11/2012, 00893/08.3BECBR, Rogério Paulo da Costa Martins 8.ª É precisamente esta questão que se encontra em discussão e, salvo melhor opinião, a Recorrente não tem qualquer dúvida que estaremos perante um acto administrativo nulo, na medida em que é ofendido o conteúdo essencial de um direito social, equiparável, neste caso, a um direito fundamental, não estando a respectiva impugnação sujeita a prazo – art.º 161 n.º 2 al.ª d) e 162, ambos do Código de Procedimento Administrativo.

  5. Assim têm decidido os nosso Tribunais, não ignorando que estamos perante casos concretos e que cujas decisões têm influência na vida das pessoas.

  6. O Douto Tribunal, decidindo como decidiu demonstrou uma total insensibilidade social relativamente à vida do Recorrente.

  7. Examinemos o que dizem os nossos tribunais: “O direito à segurança social está consagrado nos artigos XXII e XXV, nº 1, parte final, da Declaração Universal dos Direitos Humanos (Adoptada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1948: “Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos económicos, sociais e culturais indispensáveis, graças o esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos de cada país.” (…) A Constituição não só consagra, assim, o direito à segurança social como também impõe ao Estado a organização, coordenação e subsidiação de um sistema de segurança social unificado e descentralizado, definindo em parte o modelo de satisfação do direito fundamental em causa, mas não os seus precisos termos.

    (…) Assim se, por um lado, se deve ter em conta os constrangimentos financeiros do Estado e a margem de escolha dos governos eleitos, em função do seu projecto político, por outro lado também há que proteger a confiança dos cidadãos criada pelo sistema de protecção social estabelecido que deve ser assegurado no seu conteúdo mínimo.

    No dizer de Rui Medeiros, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, tomo I, p. 634, «os direitos sociais contêm também - ou podem conter – um conteúdo mínimo, nuclear ou, porventura essencial directamente aplicável».

    O que significa que o legislador ordinário está confinado, na concretização do direito à segurança social (e de outros direitos derivados a prestações), entre, por um lado, a “reserva do possível” e, por outro, o mínimo de dignidade humana vigente em cada época. Como sustentou o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 3/2010, processo n.º 176/09: “Na verdade, naquelas circunstâncias típicas previstas no n.º 3, do artigo 63.º, quando esteja em causa a própria subsistência mínima e, portanto, a existência socialmente condigna, o direito à segurança social adquire uma urgência e uma força vinculante que o tornam directamente aplicável e o subtraem, em ampla medida, ao poder de legislar extrai-se do princípio da dignidade humana (artigo 1º da Constituição da República Portuguesa) um direito fundamental a um mínimo de existência condigna.” Resulta em suma deste acórdão – que traduz o mais recente entendimento deste Tribunal – que se extrai do princípio da dignidade humana (artigo 1º da Constituição da República Portuguesa) um direito fundamental a um mínimo de existência condigna.

    Esta jurisprudência que se aplica à avaliação da conformidade da lei ordinária com a lei fundamental, deve, por uma questão de...

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