Acórdão nº 01703/06.1BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 26 de Outubro de 2018
Magistrado Responsável | Luís Migueis Garcia |
Data da Resolução | 26 de Outubro de 2018 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: MGC (R. F…, L...), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Viseu, que, em acção administrativa especial intentada contra o Ministério da Administração Interna, impugnando pena disciplinar de demissão, a julgou improcedente.
*Conclui: 1 - Por despacho de 26 de outubro de 2006 do Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna foi aplicada ao A. a pena de Demissão com os fundamentos constantes da proposta do Diretor Nacional da PSP e do parecer da Auditoria Jurídica do Ministério da administração Interna.
2 - Imputa-se ao A. que, durante os anos de 2002 e 2003 no âmbito do processamento dos autos contraordenacionais, este não fez entrega na Secção de Trânsito dos duplicados e valores cobrados.
3 - O A. requereu a apreciação da matéria relativa à pena disciplinar aplicada, entendendo que, no respeito pelo princípio da proporcionalidade e da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses do cidadão, deveria a mesma ser substituída, pelo menos, pela pena de aposentação compulsiva, por ser a menos gravosa.
4 - Com interesse para a pretensão do A. resultou provado que: - O A. exerce funções como agente principal da PSP desde 18 de maio de 1982, ou seja, há 36 anos (A).
- Foram abertos processos disciplinares aos restantes elementos da secção de trânsito de L..., nomeadamente ao superior hierárquico do aqui A., e os mesmos constituídos arguidos - por peritagem foi detetada a falta de entrega de 315 autos (F, G, H) - De 22 de dezembro de 2003 até fevereiro de 2006, o vencimento do autor foi reduzido de 2733,67€ para 1461,41€ (o que lhe importou um prejuízo mensal de 1272,26€, num total nesse período de 34.351,02€ (N) - A 13 de maio de 2011 recebeu um louvor público por serviços prestados considerados de mérito.
- A 16 de janeiro, por confissão integral e sem reservas, foi condenado por quinze crimes de peculato na pena única de 4 anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução sob condição da reposição da quantia de 1547,72€ referente aos 15 autos da sua responsabilidade. Não foi aplicada sanção acessória da proibição do exercício de funções com o seguinte fundamento" ponderado todo este circunstancialismo anterior e posterior aos factos, o tribunal coletivo entende, em franca consciência, que, passados todos estes anos, se não justifica a proibição do exercício de funções, acreditando-se que o arguido sofreu já profundos reveses na sua vida profissional e interiorizou de forma conscienciosa o grande desvalor da sua conduta".
E este entendimento teve lugar em 16 de janeiro de 2013! (V).
5 -A quantia em causa foi reposta ao estado e a pena aplicada no processo crime já extinta, conforme documentos que se juntam 6 - Sobre os factos decorreram já 15 anos! 7 - O A. tem 59 anos, completando os 60 anos em setembro do corrente ano, 36 dos quais ao serviço da PSP (factos que constam de prova documental nos autos) 8 -Consta da prova, produzida em sede de processo disciplinar, um relatório (fls. 372) referente a irregularidades detetádas na secção de Trânsito, e que são muitas e graves.
9 - O aqui A. não era o único agente a exercer funções na secção de trânsito, nem sequer era o responsável pelos serviços administrativos da mesma, não foi o único a ser confrontado com procedimento disciplinar, mas foi o único a quem foi aplicada a pena de demissão, num completo atropelo do princípio da igualdade, numa clara violação de princípios basilares do direito administrativo, sancionatório e constitucional.
10 - Não houve qualquer outro elemento com suspensão preventiva ou com aplicação de medida sancionatória grave, ou com prejuízo financeiro, nem mesmo o responsável máximo da secção de trânsito.
11 - Esta conduta da administração consubstancia uma violação grave do princípio da igualdade e da proporcionalidade consagrados no art. 5º do CPA.
12 - Exemplo disso é a situação do auto 329959948 referente ao cidadão francês AP, que descreve um agente com características completamente diferentes das do A. ao que a administração foi completamente "cega", formulando acusação contra o A. incluindo esta situação, e, só após várias diligências posteriores, se reformulou a acusação, quando perentoriamente este cidadão identificou o agente F…, que não foi suspenso, não foi demitido, não sofreu prejuízo financeiro.
13 - Tudo numa clara violação do princípio da justiça e imparcialidade consagrado no art. 6° do CPA e do princípio da presunção de inocência com acolhimento constitucional e plena consagração no direito sancionatório nomeadamente disciplinar.
14 - E, por tudo quanto vertido nos autos não é claro que o A. tenha violado o princípio de acatar leis e cumprir pontual e integralmente determinações que lhe tenham sido dadas em serviço, bem como não é claro que tenha violado deveres de isenção, zelo e aprumo de forma a justificar a pena máxima: a pena de demissão aplicada.
15 - Tendo em consideração toda a prova carreada para os autos, se analisada globalmente e de harmonia com os princípios já enunciados da justiça, da igualdade e da imparcialidade, não permite concluir com a necessária segurança e certeza a impossibilidade de aplicação nomeadamente da aposentação compulsiva nem a verificação da fundamentação necessária ao ato punitivo de demissão.
16 - Não foram tidas em conta todas as circunstâncias atenuantes que militam a favor do arguido na determinação da pena disciplinar, nomeadamente a prestação de serviços relevantes à sociedade, o bom comportamento anterior, o tempo de serviço; a confissão espontânea e integral da falta, a reparação do dano; a existência de registo anterior de louvor ou outras recompensas e a boa informação de serviço do superior de quem depende.
17 - Acresce que, após 15 anos de manutenção ao serviço desde a infração cometida, xercendo com zelo, profissionalismo e excelente desempenho as funções que lhe foram confiadas, não faz sentido aplicar ao A. pena de tamanha gravidade.
18 - De facto, com 59 anos não tem o A. qualquer possibilidade de refazer a sua vida.
19 - A situação do A. constitui uma violação clara de princípios constitucionais "Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável"— art° 20º da CRP 20 - Não pode assim extrair-se sem margem para dúvidas que o A. tenha violado deveres profissionais de forma a inviabilizar a manutenção da relação funcional.
21 - De facto, o Conselho superior de deontologia e Disciplina no seu Relatório final emitiu parecer no sentido de ser aplicada a pena de demissão por considerar “que a pena disciplinar de aposentação compulsiva não se afigura suficientemente penalizadora da conduta do arguido, uma vez que lhe permitia manter a qualidade de agente da autoridade na situação de aposentado, com os direitos inerentes a essa condição e com evidente desprestígio para a Instituição, justificando-se por isso a rotura total do vinculo á PSP”.
22 - Esta posição mereceu a concordância da Auditoria Jurídica do MAl e posteriormente do Ex.mo Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da administração Interna e, agora, da sentença ora recorrida.
23 - Sucede que a própria administração durante os últimos 15 anos modificou a sua atitude e reconheceu que não existe inviabilização da relação funcional, tendo, por ordem de serviço de 30 de abril de 2008 retirado o A. dos serviços administrativos e o recolocado nas suas funções normais e que sempre exercera na PSP.
24 - Voltou a integrar a escala geral por turnos de Patrulha, tudo conforme documentos juntos aos autos 25 - Atualmente exerce funções no trânsito e desde 2008 que passou a dispor novamente da possibilidade de autuar.
26 - Ora, esta decisão da administração de recolocar o agente nas funções que exercia anteriormente ao procedimento disciplinar significa que manifesta a sua confiança neste elemento das forças policiais e que a relação funcional do A. com a Administração não se encontra de forma alguma comprometida.
27 -Mais demonstrou a administração ao voltar a colocar o A. em serviço externo á secção policial, nomeadamente no trânsito, que voltou a depositar confiança no autor e que não prejudica a presença deste a Corporação ou a Instituição PSP, caindo por terra a justificação que havia dado para a rotura total do vínculo entre A. e PSP.
28 - O A. exerce funções na PSP há 36 anos, sempre demonstrou ótimas qualidades profissionais, dedicação, dinamismo e excelente relacionamento com colegas, superiores e comunidade e obteve louvores por mérito profissional.
29 - E a PSP acabou por reconhecer novamente estas qualidades, apesar de o não ter feito aquando da aplicação da medida sancionatória, e tanto assim é que voltou a distribuir tarefas ao A. de acordo com as suas funções anteriores ao procedimento disciplinar.
30 - O A. sofreu danos morais e materiais demasiado onerosos com esta situação e só, após vários anos conseguiu começar a retomar uma vida minimamente normal.
31 - A relação funcional não está dé todo inviabilizada e a manutenção do A. ao serviço não beliscou o interesse público nem a imagem da Instituição, sendo respeitado pela Comunidade e mantém a confiança dos cidadãos.
32 - É imperativa a necessidade de adequar as medidas administrativas aos objetivos a serem prosseguidos, ter em conta a necessidade de equilíbrio entre os interesses públicos e privados, não podendo ser infligidos sacrifícios desnecessários aos destinatários das decisões administrativas. A pena deve ser a idónea aos fins a atingir, mas também a menos gravosa para o A.
33 - E não colhe o argumento de que está vedado ao Tribunal por vicio de usurpação de funções atender ao largo tempo decorrido desde a prática das infrações, apreciando 15 anos de vida do A., pois que, para situações como esta, existem garantias do cidadão, consagradas constitucionalmente, como o direito a justiça tempestiva, previsto no artº 20º da CRP e aqui...
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