Acórdão nº 00217/11.2BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 26 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelJoão Beato Oliveira Sousa
Data da Resolução26 de Outubro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:*RELATÓRIO VMCFC e outros contra-interessados vieram interpor recurso do acórdão pelo qual, na acção ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL proposta por TSCC, S.A.

contra o MUNICÍPIO C....., o TAF de COIMBRA decidiu: «Pelo exposto decide este tribunal colectivo julgar a acção procedente e anular a deliberação da Câmara Municipal C..... de 2 de Novembro de 2010, relativa ao Alvará de loteamento nº 355 de 18/1/94, alterado pelo Alvará nº 387 de 25/3/96, na parte em que determinou notificar-se a loteadora para concluir as obras de urbanização conexas com a operação de loteamento (incluindo a edificação do lote 32, pela função a que está destinada) no prazo de 120 dias, sob pena de não poder haver recepção definitiva das mesmas.»*Conclusões dos Recorrentes: 1) Tendo o Tribunal a quo concluído em sentido diverso do que a autarquia, o Ministério Publico e nós próprios sustentámos, com fundamento em perplexidades interpretativas, diremos que estas por si nada dizem ou não nos forçam a se a adoptar um determinado sentido da norma, sendo ademais que, como é evidente, estas perplexidades, como tais, não são mais do que uma manifestação de incompreensão do que sucedeu.

2) Depois, em tese geral, esta metodologia interpretativa deve ser vista de um modo abrangente e não como sucedeu, apenas ver as perplexidades de um dos lado ou de acordo com uma das teses sustentadas – seria, pois, necessário que a interpretação oposta também não gerasse perplexidades, para que, no mínimo, pudéssemos de tais aporias retirar alguma linha epistemológica séria e frutuosa.

3) O prius da primeira perplexidade é constituído pelo facto de ser necessário apresentar previamente projecto para a obra de que se trata, ora – quer, como vimos especificamente em termos de direito comparado (França e Itália), quer historicamente entre nós (DL. 400/84), quer no domínio do DL. 448/91 (cfr. art. 22.º do DL. 448/91) e respigando Osvaldo Gomes – este facto não pode gerar qualquer espanto.

4) Perplexidade, isso sim, até do ponto de vista racional, é admitir-se que um edifício (até infantários e universidades podem ser obras de urbanização de um loteamento, aqui como em todo o mundo civilizado) possa ser construído sem projecto, mormente no que se refere aos elementos resistentes do mesmo… 5) As deliberações de licenciamento da operação urbanística (cfr. pontos 1 e 2 dos factos provados) entenderam, aparentemente contra o estatuído no art. 22.º do DL. 448/91 já citado, que os projectos de algumas infra-estruturas deveriam ser apresentados posteriormente, mas o facto de não ter sido antes apresentado e aprovado o projecto aquando da deliberação de aprovação do loteamento ( o que poderá constituir uma ilicitude já estabilizada) não descaracteriza (ou altera a sua natureza ou qualificação) a obra como sendo uma obra de urbanização sujeita ao regime jurídico das obras de urbanização.

6) Aliás, se pensarmos na forma como esta ilegalidade seria suprida, chegaremos à mesma conclusão, i.e., ter-se-ia que anular o acto de licenciamento ou obrigar a autarquia a só proferir o acto de licenciamento depois da apresentação e aprovação do projecto.

7) Pelo que, ao contrário do que em erro de julgamento foi decidido, a perplexidade não traz qualquer contributo à discussão ou, noutra perspectiva, não pode servir de indício interpretativo no sentido de descaracterizar a obra como sendo uma obra relativa a um equipamento a edificar pelo loteador.

8) Depois, no que toca à suposta falta de concretização da obra de urbanização, temos que de tal não se pode falar, na medida em que temos um “Edifício social de apoio a todo o conjunto da urbanização”, com as seguintes vinculações: a. Tem de ser uma edificação; b. Tem de ter uma área edificada de 246 m2; c. Tem de ser um edifício com uma função social d. e de apoio a todo o conjunto da urbanização.

9) Ressalvado o devido respeito, o que resulta verdadeiramente desta perplexidade que agora censuramos é uma incompreensão profunda da natureza e função das obras de urbanização.

10) Cá, como em termos de direito comprado, está fora de dúvida, qualquer que ela seja, que existe um conteúdo mínimo das obras de urbanização e que não existe um conteúdo ou extensão máxima das obras de urbanização – cfr. Nicola Centofanti, ob. cit., p. 566 com ampla citação de jurisprudência.

11) Ou seja, tudo (conteúdo e extensão das obras de urbanização) depende da convenção de loteamento (Itália), do programa de loteamento (França), das obras de urbanização que são previstas e propostas pelo loteador, sendo que estas resultam assim (vinculações à parte) também de uma medida de liberdade e da iniciativa do particular que, depois, o acto autorizador absorve e torna vinculativas (como sucede expressamente em Itália).

12) Neste enquadramento, o que temos é que o loteador tem a liberdade de, dentro das vinculações concretas já supra mencionadas, fixar as características e o uso do edificado de que cuidamos e isto mesmo não pode, ao contrário do que em erro foi decidido, causar qualquer perplexidade, se pensarmos na margem de liberdade da iniciativa privada no que concerne à definição das obras de urbanização, sendo assim que esta liberdade de que tratamos agora (a definição do concreto uso do edificado) é perfeitamente congruente com a liberdade inicial de definir as obras de urbanização que, passando o mínimo imposto (aqui e além fronteiras), o loteador inexoravelmente tem! 13) Aliás, o que congruentemente o Município fez foi exigir o que consta do alvará (a construção de acordo com as especificações já por nós elencadas) não predeterminando outras características do edifício ou o uso do espaço edificado em causa, deixando isso mesmo na livre disponibilidade do loteador.

14) O que vimos de concluir, seguindo o discurso de espanto contido na sentença, desconstrói e evidencia o errado discurso de perplexidades (insustentáveis poderes discricionários de definir o tipo de obras por parte da administração e insustentáveis liberdades privadas de também o fazer) que levaram o Tribunal a, em erro de julgamento, concluir no sentido que concluiu.

15) Estando a questão da boa-fé e do abuso de direito também em equação no caso sub judice, é prova provada que o Tribunal apenas perspectivou uma das teses sustentadas a circunstância de não ter ponderado, pelo menos como indício de que a obra do lote 32 se integra no conceito de obras de urbanização, o facto do acto de licenciamento ter assumido vinculativamente (para o Município e para o loteador, como já vimos) que a mesma seria feita e que tinha um inegável conteúdo social ou comunitário de apoio a todo o conjunto.

16) Quanto à segunda perplexidade (a da factologia não se enquadrar no art. 46.º do DL. 448/91), temos que a lei é, ao contrário do que se diz, clara, fala efectivamente em desobediência aos projectos é certo, mas, como é óbvio, este segmento parte do pressuposto do art. 22.º do DL. 448/91, ou seja, que foram apresentados e aprovados os projectos dos, no que releva, equipamentos.

17) Se os mesmos não foram apresentados sequer, então, como é óbvio, tem de se começar por aqui, exigindo a apresentação do projecto! 18) Mas, salvo o devido respeito, o mais incompreensível é não se atender ao facto de o mesmo normativo falar no cumprimento das condições e, também, não se perceber o que é fundamental na norma – efectivamente, o que esta norma visa garantir é o cumprimento das condições, das obrigações (à italiana), das vinculações do acto de licenciamento autorizador da operação urbanística (ou do regulamento em França) e, assim, das obras de urbanização.

19) Ora, isso é que é fundamental, não os projectos que, como vimos até podem nem ser necessários apresentar quando as obras sejam simples, sendo a referência ao projecto uma mera concretização ou consequência já do que é essencial, que é a necessidade de fazer a obra de urbanização.

20) Pelo que, como vimos dizendo, não se verifica qualquer perplexidade, nem a perplexidade descaracteriza a obra como obra de urbanização, sendo que a mesma só existe para quem não perceba ou tenha uma visão errada do que são obras de urbanização e do regime, mormente previsto no art. 46.º e 47.º do DL. 448/91, deste tipo de obras.

21) No que toca à pretensa aporia (de obras de urbanização serem relegadas para tempo indeterminado), temos que, como aliás já concluímos, a circunstância de existir uma ilegalidade não tem como consequência a descaracterização da obra como obra de urbanização, nem muito menos tem como consequência que a falta de prazo para a realizar a torne não vinculativa, mas sim a adopção de um procedimento que cumpra a lei, como aliás foi feito pela autarquia.

22) Ou seja, não existia prazo, pois bem, a tempo ainda, porque não havia decorrido o tempo da recepção definitiva, e em cumprimento do acto de licenciamento e do alvará (como não pode deixar de ser), a administração fixou-lhe um prazo razoável… é assim que, não olvidando a autotutela que a administração tem, se faz quando, em direito civil, temos uma obrigação, mas não lhe sabemos o prazo.

23) Aliás, falámos na contestação a este respeito, atento o tempo decorrido, 16 ou 18 anos, na aplicação do instituto da atrofia do poder discricionário ou da redução da discricionariedade a zero, sendo assim que o prazo fixado resulta de actuação perfeitamente vinculada – i.e., atenta a obrigação, a autarquia tinha vinculativamente de agir como agiu.

24) Pelo que, ao contrário do que em erro de julgamento foi decidido, a perplexidade não traz qualquer contributo à discussão ou, noutra perspectiva, pode servir de indício interpretativo no sentido de descaracterizar a obra como sendo uma obra relativa a um equipamento a edificar pelo loteador.

25) Se o jogo das perplexidades tivesse algum sentido e pertinência então diríamos, singelamente e assim sem extirpar normas, em contra-perplexidade genética e inultrapassável, para afrontar a tese que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT