Acórdão nº 00190/18.6BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 26 de Outubro de 2018
Magistrado Responsável | Luís Migueis Garcia |
Data da Resolução | 26 de Outubro de 2018 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e das Pescas, I.P.
(Rua Castilho, nº 45-51, Lisboa) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Coimbra, que, em processo cautelar de suspensão de eficácia instaurado por Quinta CII, Ldª (Campo B…, Adémia de Baixo, 3025-070 Coimbra) julgou “procedente o pedido de providência cautelar formulado pela Requerente e determino a suspensão da execução do acto impugnando”.
Conclui: A. Vem o presente recurso jurisdicional interposto de sentença de 15/4/2016 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou procedente o processo cautelar interposto pela sociedade Quinta CII, Lda, e em consequência determinou suspensão da execução do ato impugnando, no entendimento que: - “…é provável, no meu entender, que a acção principal, de anulação do acto aqui suspendendo, venha a proceder com fundamento na alegação de falta de fundamentação”; - “…o dano não definitivo de não reembolsar, por ora, as quantias que, à partida, a não ter sido praticado o acto suspendendo, teria por definitivamente desembolsadas, sendo certo que a seu tempo, na acção principal, se lhe assistir razão, se poderá fazer justiça”.
-
Salvo melhor opinião, ao contrário do entendimento do Tribunal, não se encontram preenchidos dois dos requisitos cumulativos previstos no Artº 120º do CPTA, nomeadamente a probabilidade de procedência da ação principal e a ponderação entre interesse privado e interesse público.
-
Nos termos da alínea a) do nº 1 do Artº 120º do CPTA, a providência cautelar só deverá ser decretada em situações excecionais, nomeadamente quando fique demonstrado de modo razoavelmente plausível, quer em termos de facto quer de direito, a probabilidade da procedência da sua pretensão principal.
-
Ora, basta uma análise perfunctória ao teor da sentença, para se verificar que o Tribunal a quo desde logo afasta os todos os vícios assacados ao ato pela ora recorrida, nomeadamente, de omissão de data de emissão do ato, de caducidade e de prescrição do procedimento, de erro nos pressupostos de facto e de direito, e de violação do princípio da proporcionalidade.
-
Entende no entanto, o Tribunal a quo, que a ação principal de anulação do ato venha a proceder com fundamento na alegação de falta de fundamentação, no entendimento em que “…impunha-se à Administração rebater ou considerar o porquê da improcedência dessa argumentação, sob pena de o interlocutor não poder — como não pode — reconstituir, sem soluções de continuidade, o iter cognoscitivo e valorativo que resultou na decisão final”.
-
Na situação em apreço, verifica-se que a decisão o ato impugnado nos autos, foi tomada no âmbito de um procedimento instaurado contra a ora recorrida, que foi tendo conhecimento do processo, sendo-lhe dado conhecimento das irregularidades detetadas e facultada a oportunidade de se pronunciar sobre as mesmas (pontos 8, 9, 11, 12 e 13 da matéria de facto dada por provada na sentença), bem com foi colocado todo o processo à sua disposição para consulta.
-
Na decisão final encontram-se expressamente indicadas as irregularidades detetadas: “…não foi possível validar de forma segura as quantidades declaradas pela OP nas retiradas com destino à alimentação animal, uma vez que: - A documentação comprovativa da entrada dos produtos na OP é insuficiente; - As guias de transporte apresentadas não se encontram devidamente suportadas pelos correspondentes talões de pesagem; - As datas das guias de transporte e as datas das retiradas são inconsistentes; - Existem discrepâncias quando efectuada a análise da razoabilidade da coerência das quantidades comunicadas face às quantidades comercializadas em 2010, no período homólogo”.
-
A fundamentação do ato administrativo tem por finalidade dar a conhecer ao destinatário o percurso cognoscitivo e valorativo do seu autor, de modo a permitir uma defesa adequada e consciente dos direitos e interesses legalmente protegidos do particular lesado, sendo entendimento jurisprudencial uniforme que a decisão deve conter os fundamentos de facto e de direito em que assenta sem que a exposição destes tenha de ser prolixa.
-
Uma coisa é não se concordar com o teor do ato, outra é concluir que esta se encontra insuficientemente fundamentada, pois, resulta claro da análise do requerimento inicial, verifica-se que a ora recorrida compreendeu perfeitamente qual o sentido e alcance do ato, como ocorreria com qualquer destinatário normal colocado na sua situação.
-
-
Assim, salvo melhor entendimento, no caso em apreço, pela motivação em que se apoia, o ato impugnado nos presentes autos, mostra-se apto a revelar a um destinatário normal as razões que determinaram a decisão.
-
Salienta-se por outro lado, que o Tribunal a quo, quando, relativamente ao erro nos pressupostos de facto e de direito, no ponto 5 da sentença recorrida (págs. 28 a 30) faz uma análise das irregularidades praticadas pela recorrida, conclui que “tão pouco por esta via nos parece que haja fumus boni juris na pretensão preconizada para a acção principal.” L. Razão pela qual, salvo melhor entendimento, relativamente ao vício de insuficiente fundamentação da decisão final é provável que a pretensão formulada ou a formular pela ora recorrida na ação principal venha a ser julgada improcedente M. Por outro lado, entende o Tribunal a quo que “…o dano não definitivo de não reembolsar, por ora, as quantias que, à partida, a não ter sido praticado o acto suspendendo, teria por definitivamente desembolsadas, sendo certo que a seu tempo, na acção principal, se lhe assistir razão, se poderá fazer justiça”, pelo que pende a favor da ora recorrida a ponderação entre interesses públicos e privados.
-
No caso em apreço nos autos, estão em causa dinheiros públicos, atribuídos por subsídios concedidos por Fundos da Comunidade Europeia, pelo que o crivo do que pode justificar o incumprimento pelos Beneficiários, não pode deixar de ser rigoroso.
-
A este respeito, cita-se acórdão proferido em 14/7/2016, pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, no âmbito do Proc. nº 13412/16, onde consta que “No caso sub judice, em que estão em causa dinheiros públicos atribuídos por subsídios concedidos por fundos comunitários, impõe-se às autoridades que façam prevalecer o direito comunitário sobre o direito nacional, qualquer que seja a natureza da norma comunitária em apreço e a do direito nacional em questão, cabendo assim ao juiz o cumprimento na ordem interna das normas e princípios de direito comunitário — cfr. neste sentido o Acórdão Van Gend en Loos, o Acórdão Costa/End e o Acórdão Simmenthal, e a nível nacional, Acórdãos do Pleno do STA, de 6/10/2005, 6/12/2005, 29/3/2007, proferidos no âmbito dos Proc. nº 2037/02, 328/02 e 61/05, respectivamente. Assim, na ponderação entre o interesse privado e o interesse público, estando em causa ajudas comunitárias é de prevalecer o interesse público, nomeadamente através da recuperação de quantias antecipadamente pagas, tanto mais que subsiste o risco de perda da quantia cuja devolução foi exigida”.
-
Verifica-se desta forma que, na situação em apreço, na ponderação entre interesse privado e interesse público, estando em causa ajudas comunitárias, salvo melhor opinião, deverá prevalecer o interesse público, nomeadamente através da recuperação de montantes indevidamente pagos, uma vez que, há sempre o risco de perda da quantia cuja devolução foi exigida.
-
Face ao exposto, verifica-se não estarem preenchidos dois dos requisitos cumulativos previstos no Artº 120º do CPTA, pelo que o entendimento do Tribunal a quo ao julgar procedente o processo cautelar interposto pela sociedade Quinta CII, Lda, e em consequência determinar a suspensão da decisão final não parece ter sido correta, razão pela qual, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser proferido acórdão levantando a suspensão da decisão final proferida pelo IFAP, I.P.
*A recorrida contra-alegou, espraiando sob conclusões:
-
O Recorrente IFAP interpôs recurso de apelação da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo em 20.07.2018, que julgou totalmente procedente a providência cautelar sub judice – preliminar da ação administrativa intentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra e assim suspendeu a eficácia do ato proferido pelo Vogal do Conselho Diretivo do Instituto do Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. (IFAP), Sr. Dr. Rui Martinho, sem data, notificado em 26.02.2018, praticado no âmbito do processo de restituição n.º 340/2014/PVR/DEV.
-
Sucede que, o sentido da decisão recorrida proferida pelo Tribunal a quo não merece censura, devendo esta manter-se na íntegra e ser confirmado pelo Tribunal ad quem.
DA INEXISTÊNCIA DE ERRO DE JULGAMENTO RELATIVAMENTE À APRECIAÇÃO E APLICAÇÃO DO N.OS 1 E 2 DO ARTIGO 120º DO CPTA (i) Da verificação do requisito do fumus boni iuris C) O IFAP entendeu erroneamente que o requisito do fumus boni iuris não se encontrava preenchido, por considerar que “a fundamentação do ato administrativo tem por finalidade dar a conhecer ao destinatário o percurso cognoscitivo e valorativo do seu autor, de modo a permitir uma defesa adequada e consciente dos direitos e interesses legalmente protegidos do particular lesado” e que, no caso concreto, a decisão impugnada foi tomada no âmbito de um procedimento instaurado contra a Recorrida, tendo-lhe sido dado conhecimento de todas as irregularidades detetadas e facultada a oportunidade de se pronunciar sobre as mesmas, tendo inclusivamente sido colocado à sua disposição todo o processo para consulta.
-
Porém, tal argumentação não colhe, pela circunstância de não ter sido esse o fundamento utilizado pelo Tribunal a quo para decidir como decidiu.
-
Aliás, do exposto só se poderá concluir que, de facto, o ora Recorrente não apreendeu (e, consequentemente, não contestou) minimamente as consequências que o Tribunal a quo...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO