Acórdão nº 001358/07.6BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Outubro de 2018
Magistrado Responsável | Luís Migueis Garcia |
Data da Resolução | 18 de Outubro de 2018 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: L. M. V. S. M.
(Rua …), bem como o Estado Português, recorrem do decidido pelo TAF de Viseu, em incidente de liquidação de honorários.
O recurso do autor L. M. conclui: 1. O tribunal deu como provado que o advogado efectuou as diligências enumeradas no artigo 11º da liquidação.
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“O laudo emitido pela Ordem dos Advogados a propósito dos honorários de advogado destina-se a esclarecer com elevado grau, da razoabilidade e adequação o valor a atribuir a título de honorários pelos serviços por aquele prestados e está sujeito à livre apreciação do tribunal.
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Não obstante, sendo elaborados por profissionais do foro, é manifesto que não se lhes pode negar a autoridade de quem tem um conhecimento específico sobre a matéria, susceptível de aferir, com elevado grau, da razoabilidade e adequação do valor constante da nota de honorários.
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E, se é certo que tal parecer não é vinculativo, não só porque não pode ser entendido como coercivo para o tribunal, a verdade é que é do mesmo consta um entendimento que deve merecer a máxima atenção, dada a particular qualificação profissional e experiência dos membros que integram o Conselho Superior da OA que o proferiram e as apertadas regras deontológicas que presidem à sua actividade, para além de que nele foram levados em conta e apreciados os serviços que, de acordo com o que resulta da factualidade provada, foram prestados pelo A. ao R. no âmbito da actividade profissional do primeiro.
“ 5. Este processo arrasta-se por 11 anos por culpa do Estado, que assim causou mais trabalho às partes e advogado. É o Estado que tem de pagar esse trabalho.
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Foram gastas 100/101 horas com o processo principal, que tem 4 volumes e oito apensos.
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O LAUDO DA ORDEM CONSIDERA QUE NO CASO CONCRETO SÃO DEVIDOS HONORÁRIOS A 150 EUROS POR HORA, pelo que o tribunal não os podia fixar a 120€/hora.
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Deve o Estado ser condenado a pagar ao autor os honorários despendidos com o advogado no processo declarativo no montante de 15.087,00 € a que acresce IVA à taxa de 23% no montante de 3.470,00 € no total de 18.557,00 € (dezoito mil quinhentos e cinquenta e sete euros), acrescido tudo dos juros legais desde a citação/notificação.
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Tendo em conta ainda este recurso, o TCAN deve condenar o Estado a pagar os honorários da liquidação em quatro mil e duzentos euros, só na primeira instância, mais 3,000 euros deste recurso, ou seja em sete mil e duzentos euros, mais IVA de 23% no montante de 1.656,00€. Ou seja num total de 8.856,00€.
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O que tudo soma 27.413,00 €.
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Tudo acrescido dos juros legais desde a notificação da liquidação, ou subsidiariamente desde a sentença.
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Além das disposições acima mencionadas, foi violado o artigo 483 do CC e o artigo 100º/105º do Estatuto da Ordem dos Advogados que devem ser interpretados no sentido das conclusões anteriores.
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O TCAN deve seguir os seus acórdãos, sob pena de violação do princípio da segurança e certeza jurídica, e legalidade, e subsequente violação do artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
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Em conformidade, deve ser revogada a sentença e substituída por acórdão conforme as conclusões anteriores, condenando-se nos honorários e IVA como acima.
O réu Estado contra-alegou, dando em conclusões: 1. O ora Recorrente defende a tese de que, a título de honorários devidos na ação administrativa e subsequente incidente de liquidação de honorários, o quantum fixado na douta sentença a quo, quer pela ação administrativa, quer pelo incidente de liquidação de honorários, ficam aquém do devido legalmente 2. Por outro lado, afirma que a sentença a quo ora posta em crise desconsiderou, indevidamente, o laudo apresentado pela OA e junto aos autos.
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Mas, com o devido respeito, não lhe assiste qualquer razão.
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O laudo emitido pela Ordem dos Advogados, enquanto mero “parecer técnico” destinado a esclarecer e auxiliar o julgador, quando tal se mostre necessário, está sujeito à livre apreciação do tribunal.
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Tem este natureza não mais que orientadora, respeitante à adequação dos honorários fixados aos serviços efetivamente prestados, ao qual os Tribunais devem recorrer nos casos em que seja relevante a determinação dessa adequação.
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Estamos perante um laudo, ou parecer técnico, que se pronuncia apenas quanto à complexidade e morosidade de determinado prestação jurídica, a qual, antes de mais, passa pela apreciação e decisão de um juiz, profissional do foro, altamente qualificado 7. O julgador neste caso, a nosso ver, tem plena capacidade para aferir do mérito ou desmérito do trabalho realizado, do valor inerente ao mesmo e do tempo despendido por um advogado, em termos normais, pois, desde logo, possui um conhecimento especializado sobre o direito administrativo versado.
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Assim, pode e deve o julgador fazer um juízo crítico do laudo, e concluir em sentido diverso deste, atenta a sua natureza meramente orientadora, de mero parecer sujeito à livre apreciação do julgador.
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Pois que, em matéria de fixação de honorários a advogado, deve sempre existir um espaço, um momento, de inevitável, ineliminável, discricionaridade, que muito tem a ver com a boa fé que impregna toda a relação contratual e com os inevitáveis poderes do juiz no procedimento das normas contendo conceitos indeterminados 10. Destarte, contrariamente ao que parece entender o recorrente Autor, não só pode, mas deve o julgador fazer o juízo crítico das provas, com a necessária apreciação e valoração do laudo da Ordem dos Advogados, designadamente para efeitos de quantificação do nº de horas despendidas com a ação e do valor adequado a cobrar por cada hora de trabalho pelo ilustre causídico 11. Logo, ao efetuar tal juízo crítico e não considerando todos os valores exarados no laudo como atendíveis para efeitos de indemnização ao A no âmbito da presente ação, muito bem andou a Mmº Juiz, em estrita obediência, aliás, à jurisprudência dos nossos tribunais superiores.
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É certo que a jurisprudência das instâncias superiores da jurisdição comum tem enfatizado que, não tendo o laudo um valor vinculativo, mas o de um parecer a atender livremente pelo tribunal, com a força própria de parecer técnico que é, elaborado por profissionais experientes, com idoneidade e especial qualificação para o efeito, só deverá ser afastado perante fortes motivos que nesse sentido apontem – cfr. entre outros Ac STJ de 20.01.2010, proc. 2173/06.0TVPRT.
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Não obstante, tal entendimento é preconizado, no essencial, em Acórdãos proferidos no âmbito de ações interpostas no âmbito do contrato de mandato e não em ações de responsabilidade civil por facto ilícito, em que são tidos como danos ressarcíveis os honorários de mandatário, como in casu, pelo que o enquadramento jurídico das duas situações é completamente distinto e merece uma apreciação diferenciada.
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Acresce que a jurisprudência da jurisdição comum tem perfilhado a tese de que as despesas com honorários do mandatário judicial apenas serão devidas ou ressarcíveis, nesta sede, no contexto da procuradoria, ou das custas de parte.
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Contrariamente à jurisdição administrativa que, em sede de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, tem vindo a aceitar como dano indemnizável as despesas judiciais, extrajudiciais e com honorários do advogado, em relação a processos judiciais em que o mandato seja obrigatório, desde que adequadas e necessárias para eliminar da ordem jurídica a atuação ilícita da Administração, geradora do dever de indemnizar.
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Considerando ainda que a indemnização atribuível pelas despesas feitas com o pagamento de honorários não há-de ser limitada pelos valores fixados nas tabelas de honorários para apoio judiciário, podendo, pois, ser livremente fixada pelo julgador e apurado pelo em incidente autónomo - cfr. Ac. STA. de 14.04.16, Proc. n.º 1635/15.
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No entanto, no âmbito do cômputo de tal indemnização, é também consabidamente assumido pela nossa jurisprudência superior que não existe qualquer obrigação de satisfação integral dos honorários forenses.
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Pois que, pese embora os honorários de advogado sejam tidos como dano indemnizável, desde logo por imposição do artigo 22º da CRP, terá o valor desses honorários de expressar apenas o que seja o dano adequado e necessário a debelar o ilícito.
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Com efeito “não existe qualquer obrigação de satisfação integral dos honorários forenses, e a tabela de honorários para apoio judiciário deve funcionar como um valor indiciário do que seja um serviço minimamente adequado para alcançar a defesa pretendida” … cabendo “ao juiz da causa adaptar todos estes tópicos orientadores ao caso concreto dos autos (às suas peculiaridades), e, de acordo com um juízo equitativo, arbitrar o montante que deve ser ressarcido a título de indemnização por despesas com honorários forenses.” Ac. STA de 19/05/2016, processo nº nº 314/13.
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Pois que perante “a circunstância de o legislador ter elaborado uma tabela (a tabela relativa ao apoio judiciário) em que fixou determinados valores que tem como adequados a uma procuradoria condigna, pode concluir-se, sem se incorrer em qualquer injustiça, que as despesas acrescidas que resultam da contratação de um mandatário judicial que cobra honorários elevados não podem ser tidas, em bom rigor, e pelos motivos expostos, como despesas absolutamente necessárias.” (ibidem).
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Pelo que, em estrita consonância com tal jurisprudência, claramente se infere que não existe, obviamente, qualquer obrigação legal de ressarcimento integral das despesas eventualmente convencionadas entre o A. e o seu mandatário, e que o laudo da OA considerou adequadas à prestação dos serviços jurídicos em causa, pelo que bem andou a Mmº Juiz ao decidir em consonância com tal.
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E que o valor da indemnização a atribuir terá, sempre, que ser aferido em concreto, pelo julgador, tendo por valor indiciário o fixado na tabela de custas judiciais, ainda que dissonante do considerado em...
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