Acórdão nº 00942/18.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 12 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução12 de Outubro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: CSACVS (com domicílio profissional na R. C..., 4000-151 Porto), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF do Porto que, em processo cautelar de suspensão de eficácia - de pena disciplinar de suspensão de 4 (quatro) anos - instaurado contra Ordem dos Advogados (Largo de S. Domingos, n.º 14, 1º, 1169-060 Lisboa), julgou a providência totalmente improcedente.

*Conclui: I.

A decisão a quo está errada e, por isso, deve ser revogada.

II.

Considerou o Tribunal a quo não se mostrar preenchido o pressuposto do fumus boni iuris, isto é, da “aparência do bom direito” no que se refere à acção principal.

III.

Para que se considere preenchido tal pressuposto, mostra-se necessário que, atendendo aos factos alegados e aos fundamentos subjacentes ao pedido formulado, seja provável que a pretensão formulada ou a formular na acção principal venha a ser julgada procedente.

IV.

Conforme se refere em Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.11.2017, proferido no Processo n.º 01197/17, “o fumus boni iuris, apreciado num juízo esquemático e provisório inerente à índole dos autos cautelares, exige para o seu preenchimento a existência, in casu, de probabilidade de sucesso da acção administrativa principal.

V.

A apreciação da sua verificação ou não, no caso concreto, implica, por conseguinte, a formulação de um juízo - necessariamente perfunctório, atenta a natureza do processo cautelar - sobre a probabilidade do êxito da pretensão principal.

VI.

Relativamente à avaliação do grau de probabilidade, e pese embora o carácter casuístico que lhe está, forçosamente, associado, tem defendido a jurisprudência que será de considerar provável “o que tem uma possibilidade forte de acontecer, sendo surpreendente ou inesperado que não aconteça”, o que exige, no domínio jurídico, “que algum dos vícios atribuídos pela requerente ao acto suspendendo se apresente já – na análise perfunctória típica deste género de processos – com a solidez bastante para que conjecturemos a existência de uma ilegalidade e a consequente supressão judicial do acto” - cfr. neste sentido os acórdãos do STA de 15.09.2016, proferido no Processo n.º 79/16 e de 08.03.2017, proferido no Processo n.º 651/16.

VII.

Finalmente, para que seja concedida uma providência cautelar exige-se, ainda que se proceda a uma ponderação de todos os interesses públicos e privados em presença, como resulta do disposto artigo 120.º, n.º 2 do CPTA.

VIII.

Descendo ao caso concreto da recorrente a execução do acto suspendendo, A execução da decisão de suspensão da requerente com a consequente situação de desemprego em que ficará colocada, causará sério prejuízo a esta cuja reparação se afigura difícil.

IX.

O agregado familiar da requerente, composto por si e por duas filhas menores em idade escolar, depende exclusivamente dos rendimentos obtidos com o exercício da advocacia por parte da requerente.

X.

Tão pouco dispõe a requerente e agregado familiar desta de outra fonte de rendimentos neste momento pelo que a execução da decisão colocará esta família em situação deveras precária e de mui difícil reparação.

XI.

Aliás, a execução do ato coloca em causa o direito ao Trabalho constitucionalmente consagrado no artigo 58.º da C.R.P..

XII.

Outrossim, não parece resultar prejuízo sério ou grave lesão para o interesse público com a suspensão da eficácia do ato até decisão da ação principal.

XIII.

No fundo, estamos perante vários inocentes que serão irremediavelmente prejudicados por um acto administrativo com eficácia externa e lesivo de um dos direitos mais basilares.

XIV.

Existe, pois, por parte da Ordem dos Advogados uma falta de sentido de proporcionalidade e uma ponderação indevida na análise da situação vertente que coloca em causa o direito ao trabalho constitucionalmente consagrado no artigo 65º da C.R.P., que garante a subsistência de duas menores filhas da requerente que nada têm a ver com a presente situação.

XV.

Pelo que a situação da recorrente impõe a busca de equilíbrio e harmonia, na ponderação de direitos e interesses à luz do caso concreto, na prossecução da melhor forma de aplicação e efectivação dos direitos fundamentais.

XVI.

Por isso mesmo, estabelece o artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa que “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”.

XVII.

O ato da Ordem dos Advogados é, em nosso entender, nulo por ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental nos termos abrigados do artigo 161º nº 2 d) do C.P.T.A. em conjugação com o disposto no artigo 32º nº2 da C.R.P..

XVIII.

Nulidade essa, cujo decretamento foi requerido na ação administrativa especial nos termos do disposto no artigo 37º nº 1 alínea a) e 50º nº 1 e seguintes do C.P.T.A. de que a presente providência é preliminar.

XIX.

Há igualmente, violação do princípio da legalidade, do princípio da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, do princípio da proporcionalidade, dos princípios da justiça e da razoabilidade, do princípio da imparcialidade e do princípio da boa-fé previstos nos artigos 3º, 4º, 7º, 8º, 9º e 10º do C.P.T.A. e C.P.A.

*O Exmº Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer, no sentido do não provimento do recurso.

*Dispensando vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.

*Os factos, dados como provados na decisão recorrida: A) - A Requerente foi alvo de um processo disciplinar, cujo Relatório Final contém o seguinte teor: (vide fls. 129 a 142 do PA – processo administrativo) 1 - Relatório Em 11/09/2013 deu entrada no Conselho de Deontologia ofício remetido pela 4a Secção do DIAP do Porto contendo cópia da instauração e posterior despacho de acusação proferido no processo de inquérito n.º 9782/13.9TDPRT sendo visada a Sra. Dr.ª CV, Advogada, titular da cédula profissional n. ° 6… e com domicílio profissional na Rua C…, no Porto.

Em sessão do Conselho de Deontologia realizada em 06/09/2013 foi deliberado instaurar o presente processo disciplinar à Sra. Dr.ª CV, Advogada.

Por notificação expedida em 10/09/2013 foi a Sra. Dr. a CV, Advogada, notificada da instauração do presente procedimento disciplinar e para, querendo, se pronunciar e requerer diligências de prova.

Esta notificação apesar de recepcionada no domicílio profissional da Sra. Advogada arguida não obteve qualquer resposta.

Por ofício do J7 da Secção Criminal da Instância Local da Comarca do Porto entrado nos autos em 05/11/2014 relativamente ao processo n.º 15158/12.8TDPRT foi recebida certidão contendo despacho judicial de recebimento da acusação, autuação como processo comum com intervenção do tribunal e designação de data para a realização da audiência de julgamento da Sra. Advogada arguida.

Por ofício do J7 da Secção Criminal da Instância Local da Comarca do Porto entrado nos autos em 27/04/2015 relativamente ao processo nº 15158/12.8TDPRT foi recebida certidão da sentença proferida em 26/02/2015 e que condenou a Sra. Advogada arguida pela prática de um crime de falsificação de documento, uma sentença judicial, na pena de um ano de prisão, substituída por 360 dias de multa á taxa diária de € 12,00.

Foi elaborado relatório de instrução e, seguidamente, foi deduzida acusação, por violação do disposto nos arts. 83° e 85° n.º 2 al. a)-, ambos do EOA, que impõem aos Advogados os deveres de terem um comportamento profissional adequado à dignidade e responsabilidade da função que exercem e de não advogarem contra o direito, não usarem meios ou expedientes ilegais, nem promover diligências reconhecidamente dilatórias, inúteis ou prejudiciais para a correcta aplicação da lei ou a descoberta da verdade.

A acusação foi notificada à Sra. Advogada arguida por carta registada com aviso de recepção expedida para o seu domicilio profissional em 25/05/2015, mostrando-se aí recepcionada em 27/05/2015, não tendo a Sra. Advogada arguida não apresentado qualquer defesa por escrito nem indicou testemunhas.

Por ofício do J7 da Secção Criminal da Instância Local da Comarca do Porto entrado nos autos em 01/06/2015 relativamente ao processo n.º 15158/12.8TDPRT foi recebida a informação que havia sido apresentado recurso da sentença proferida e que os autos iriam subir ao Tribunal da Relação do Porto e, em 08/04/2016, a informação que o processo ainda se encontrava no referido tribunal.

Por despacho de instrução foi determinado oficiar-se o Tribunal da Relação do Porto para que relativamente ao processo n.º 15158/12.8TDPRT se dignasse disponibilizar certidão integral dos mesmos, bem como cópia integral do registo áudio das sessões de julgamento.

Por ofício do Tribunal da Relação do Porto entrado nos autos em 15/07/2016 foi recebida notificação do teor do despacho proferido em sequência da solicitação da certidão integral e do registo áudio, o qual, dada a extensão do processo e o seu número de volumes, disponibilizou a confiança dos mesmos a este Conselho. Tendo os serviços procedido á recolha do mesmo junto do Tribunal da Relação do Porto, bem como dois CD's relativos ao registo de áudio integral das sessões de julgamento, foram os mesmos apensados aos autos que, juntamente com as pertinentes fotocópias que se extraíram do processo judicial, constituem um só apenso.

O processo mostra-se regularmente instruído e contém todos os elementos para decisão.

Assim, 2 - Factos Provados 1) a Sra. Advogada arguida é Advogada na situação de activo, inscrita pela comarca do Porto, com a data de inscrição de 21/02/1997; 2) a Sra. Advogada arguida patrocinou judicialmente MMMF no processo n.º 819-N1997 da 2ª Secção do 1° Juízo do Tribunal de Família e Menores do Porto; 3) entre o dia 30/06/201 1 e 19/10/2011 a Sra. Advogada arguida, no interior do seu escritório na...

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