Acórdão nº 01185/17.2BEBRG-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 26 de Janeiro de 2018
Magistrado Responsável | Hélder Vieira |
Data da Resolução | 26 de Janeiro de 2018 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO Recorrente: FMSC Recorrido: Município de Braga Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente a supra identificada acção cautelar, com a consequente recusa da adopção das providências cautelares requeridas, entre as quais a suspensão da eficácia do acto praticado pelo Requerido ora Recorrido, em 07-03-2017, que indeferiu projecto de legalização das alterações e alteração do uso de armazém para indústria.
O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação: “1. O Tribunal a quo deveria ter incluído na matéria de facto dada como provada um facto essencial, centrado na ilegalidade do desvio da linha de água, que a colocou perto da propriedade do Requerente, quando sempre passou, desde tempos imemoriais, a mais de 25mt do pavilhão por si construído. Estamos em concreto a falar dos factos nº 26, 27, 28, 29 e 30 alegados no requerimento inicial.
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A prova desse(s) facto(s) emerge em especial do requerimento dirigido ao processo pela contrainteressada Agência Portuguesa do Ambiente, datado de 08.09.2017, e notificado ao Requerente em 26.09.2017; resulta da informação da DPRRU de 20.01.2017, constante do Doc. nº 8 junto com o requerimento inicial; do Doc. nº 10 junto à mesma peça; e culmina com a própria admissão pelo Julgador quando, em sede de fundamentação, afirma: "...
ainda que tenha, tal como alegado pelo Requerente, ocorrido um desvio clandestino da linha de água.
" - veja-se pág. 23, 2º parágrafo, da douta sentença.
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Não podemos concordar com o entendimento do Tribunal a quo, de que, in casu, não ficou demonstrado um dos requisitos inerentes ao decretamento da providência cautelar requerida, o chamado fumus boni iuris.
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O desvio da linha de água foi e é ilegal por não ter sido precedido de estudos nem de licença a emitir pela antecessora da Agência Portuguesa do Ambiente, à partida a Direção Regional do Ambiente e Recursos Naturais (DRARN), ao abrigo do DL nº 46/94 de 22.02, seu específico art. 41º, nem ao abrigo do diploma que o sucedeu, a Lei nº 58/2005 de 29.12, seu art. 60º nº 1 ali. g), e o DL nº 226-A/2007 de 31.05, seu art. 65º, daí que não deva ser vista como uma condicionante.
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O entendimento do Tribunal a quo acaba por violar em toda a linha o disposto nos art. 65º e 84º do DL nº 226-A/2007 de 31.05; o art. 60º nº 1 ali. g) da Lei nº 58/2005 de 29.12; e de uma forma mais genérica o principio da legalidade plasmado no art. 3º do CPA.
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Por outro lado, na vigência do anterior PDM, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 9/2001 de 30.01, o Recorrente pediu e obteve da Recorrida a licença de construção para edificar um armazém no lugar de Penelas, Fraião, Braga, tendo sido emitido em 23.04.2014 o Alvará de Obras de Construção nº 180.
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Essa licença foi bem emitida, no pressuposto de que aquele terreno estava classificado no anterior PDM, aprovado pela RCM nº 9/2001 de 30.01, como "Espaço de indústria e/ou armazém existente", atenta a inexistência de condicionantes, nomeadamente a linha de água.
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Todavia, pelo Regulamento da 2ª Revisão do PDM (doravante denominado novo PDM), Aviso nº 11741/2015, publicado em 14.10.2015, o referido solo surge classificado como "Espaço florestal de proteção" com a existência de condicionantes - linha de água -.
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O novo PDM está em flagrante contradição com a realidade quando omite o direito de construção do Recorrente ao abrigo da classificação anterior, de espaço de indústria e/ou armazém, e quando admite a existência de uma condicionante - linha de água - que não pode ser valorada, por ser ilegal.
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O novo PDM acaba por consagrar um erro material e substancial, ostensivo e manifesto, subsumível no art. 122º nº 1 ali. b) do DL nº 80/2015 de 14.05, que urge corrigir, trazendo a anterior classificação de volta, como espaço de indústria e/ou armazém, por corresponder à verdade de facto e de direito.
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Ainda que possa admitir-se que o pedido de mudança do uso de armazém para indústria, deva ser analisado à luz do novo PDM, terá forçosamente que ter em consideração o direito adquirido e a inexistência da condicionante linha de água, e o pressuposto que devendo tratar-se de espaço destinado a atividades económicas, sempre será possível a pretendida alteração de uso, bem como a legalização das obras efetuadas na preexistência, cuja informação da Ré de 23.01.2017, seu ponto 8 (facto provado nº 12) até admite essa possibilidade.
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O aglomerado de empresas onde o edifício do Recorrente se insere, está devidamente consolidado, destinado maioritariamente a uso industrial, não se vislumbrando do uso pretendido qualquer agravamento do contexto urbanístico existente.
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A planta de ordenamento do novo PDM reforçou a classificação de espaço de indústria, abandonando a referência a armazém, na área de implantação das empresas vizinhas/confinantes ao Recorrente, tendo-a expressamente classificado como "AE1 - INDUSTRIA DE GRANDE OU MÉDIA DIMENSÃO".
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Diferente entendimento acaba por violar o princípio da igualdade - art. 13º da CRP - pois permite-se que unidades industriais vizinhas/confinantes estejam licenciadas e sejam suscetíveis de licenciamento porque se mantém a classificação do solo em espaço de indústria, mas não se concede idêntico direito ao Recorrente, por força de uma classificação errada do solo, que não teve em conta a licença de construção emitida e a condicionante ferida, na sua génese, de ilegalidade.
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No mais, considera-se que estão preenchidos os requisitos para o decretamento da providência cautelar requerida.
NESTES TERMOS, Deve o presente recurso ser considerado procedente e, em conformidade, ser a Douta Sentença proferida substituída por Douto Acórdão que decrete a providência cautelar requerida.”.
*O Recorrido não contra-alegou.
O Ministério Público foi notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, e pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso, em termos que se dão por reproduzidos.
*De harmonia com as conclusões da alegação de recurso, que balizam o objecto do recurso (artigos 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi artigo 140º do CPTA), impõe-se determinar, se a tal nada obstar, se a decisão recorrida padece do imputado erro de julgamento, quanto à não inclusão do referido facto e quanto à não verificação do pressuposto do fumus boni iuris.
Cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – OS FACTOS ASSENTES NA DECISÃO RECORRIDA A matéria de facto fixada pela instância a quo é a seguinte: Com interesse para a boa decisão da causa, mostra-se indiciariamente provada a seguinte factualidade: 1- Por requerimento, datado de Junho de 2010, dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de Braga, FMSC solicitou a aprovação do projecto relativo à construção de um armazém no lugar de Penelas, freguesia de Nogueira, concelho de Braga – cf. documento a fls. 1 da pasta 1 do processo administrativo (PA).
2- Em 05/08/2011, foi emitido o parecer “1006/B/DGU/2011”, com o teor que, em suma, se transcreve: “(…) Sob o ponto de vista construtivo não há nada a opor.
Propõe-se o deferimento da pretensão.
No prazo máximo de seis meses, deve o requerente completar o processo com os projectos das especialidades, incluindo os projectos das infra-estruturas viárias das áreas a ceder ao domínio público e adenda ao projecto de segurança contra incêndio, aprovado pela ANPC através do ofício com a ref.ª n.º 035311/2010 de 05.01.2011, em conformidade com o projecto de arquitectura.
(…) Alerta-se que o pavilhão será licenciado exclusivamente como armazém de apoio à actividade industrial que o requerente exerce noutro local. Caso no futuro pretenda alterar a sua utilização para estabelecimento industrial, deve solicitar a respectiva alteração de utilização nos termos do RJUE e proceder ao licenciamento industrial em conformidade com o Regime de Exercício da Actividade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 209/2008, de 29 de Outubro (…)” – cf. documento a fls. 141 da pasta 1 do PA.
3- Por despacho datado de 09/08/2011, foi emitida decisão favorável, pelo Presidente da Câmara Municipal de Braga, nas condições da informação referida no ponto anterior – cf. documento a fls. 142 da pasta 1 do PA.
4- Em 23/04/2014, foi emitido o Alvará de Obras de Construção n.º 180, em nome de FMSC, a titular a aprovação das obras que incidem sobre o prédio sito no lugar de Penelas, freguesia de Nogueira, com as seguintes características: “área de const 1216, volume const 5400,00, Armazém” – cf. documento n.º 7, junto com o requerimento inicial, a fls. 12 dos autos e documento a fls. 713 da pasta 3 do PA.
5- Até 13/10/2015 vigorou, no concelho de Braga, o Plano Director Municipal, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 9/2001, de 30 de Janeiro, no qual o solo onde se encontra o prédio referido no ponto anterior estava inserido em perímetro urbano - “espaço de actividades económicas” - e sem indicação da existência de condicionantes.
6- Em 14/10/2015, foi publicado no Diário da República, n.º 201, 2ª série, o Aviso n.º 11741/2015, que contém a 2ª revisão do Plano Director Municipal do concelho de Braga, no qual o solo onde se encontra o prédio referido em 4.
foi classificado como “espaço florestal de protecção”, por nele se ter detectado a existência de uma linha de água.
7- Em 15/10/2015, foi emitida, pela Direcção Municipal de Urbanismo, Ordenamento e Planeamento, informação, sob o assunto “Aplicação do Regulamento da 2ª Revisão do PDM publicado em 14/10/2015 e em vigor desde 15/10/2015 aos procedimentos pendentes”, com o seguinte teor: “(…) A entrada em vigor do Regulamento da 2ª Revisão do PDM publicada no DR 2ª série, n.º 201, de 14 de Outubro de 2015 suscita a necessidade de se clarificar o procedimento a adotar relativamente aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor – 15 de Outubro de 2015, ou seja aqueles cujo pedido...
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