Acórdão nº 01647/17.1BELSB de Tribunal Central Administrativo Norte, 26 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelAlexandra Alendouro
Data da Resolução26 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:*I – RELATÓRIO FMI interpôs recurso da decisão de improcedência proferida pelo TAF de Braga nos autos da acção urgente proposta contra o Ministério da Administração Interna, visando a impugnação da decisão do Secretário de Estado da Administração Interna, de 21.03.2017, que lhe indeferiu pedido de concessão de protecção internacional.

*O Recorrente formula as seguintes conclusões: “A.

Decidiu o Tribunal a quo, quanto ao pedido de protecção subsidiária que: “(...) A Autora assenta a sua pretensão na alínea c) do nº 2 do art. 7º, mais concretamente “a ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de (…) violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.” Cabe à Autora demonstrar que o seu receio é razoável e plausível, baseado numa avaliação objectiva da situação no país de origem. (...) Ora, no contexto factual já explanado, o concluído supra para o artigo 3º da Lei de Asilo vale aqui para o exigido no artigo 7º. Face ao que ficou exposto, e face ao facto de o relato da Autora ser manifestamente insuficiente e, por isso, insusceptível de encontrar enquadramento no regime de protecção previsto na Lei de Asilo, afigura-se não existir uma razoável probabilidade de, em razão dos elementos próprios da sua situação pessoal, a Autora correr risco de ser objecto de violação no que à segurança e direitos humanos diz respeito.

Pelo exposto, não se tendo provado que haverá, no caso, um regresso a um país em que a Autora veja a sua vida ou liberdade ameaçadas, é de concluir que a situação da Autora não cabe na norma do artigo 7.º da referida lei.

Termos em que improcede a alegação da Autora.” B.

Todavia, não pode, a ora Recorrente, concordar jamais com o referido entendimento.

C.

Desde já, pelo facto de tal decisão não se encontrar devidamente fundamentada.

D.

Contrariamente ao argumentado pelo Tribunal a quo, o facto de não estarem reunidos os pressupostos necessários para a concessão do pedido de asilo (artigo 3.º da Lei n.º 27/08 de 30 de Junho), não quer dizer que não estejam, também, reunidos os pressupostos para a concessão do pedido de protecção subsidiária.

E.

Disso mesmo nos dá conta o próprio artigo 7.º da Lei n.º 27/08 de 30 de Junho, quando nos diz “(...) a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º (...)”.

F.

Pelo que não pode o Tribunal a quo fundamentar a sua decisão com a afirmação: “(...) Face ao que ficou exposto, e face ao facto de o relato da Autora ser manifestamente insuficiente e, por isso, insusceptível de encontrar enquadramento no regime de protecção previsto na Lei de Asilo, afigura-se não existir uma razoável probabilidade de, em razão dos elementos próprios da sua situação pessoal, a Autora correr risco de ser objecto de violação no que à segurança e direitos humanos diz respeito.

Pelo exposto, não se tendo provado que haverá, no caso, um regresso a um país em que a Autora veja a sua vida ou liberdade ameaçadas, é de concluir que a situação da Autora não cabe na norma do artigo 7.º da referida lei.

” G.

De facto, ficou devidamente comprovado que a República Democrática do Congo é, neste momento, um país que atravessa uma grave crise humanitária.

H.

Registando um aumento acentuado da violação dos direitos humanos, nomeadamente, por reiteradas ameaças à vida e integridade física.

I.

Esta situação é reconhecida mundialmente, levando mesmo à implementação por parte da ONU – Organização da Nações Unidas, de uma missão pacificadora no país, designada de MONUSCO – Mission de L’Organsation des Nations Unis pour la Stabilisation en Rd Congo.

J.

Todos os relatórios emanados por esta entidade relatam sistemáticas violações aos direitos humanos por parte das autoridades governamentais, tais como o governo, o exército, os órgãos policiais, bem como uma instrumentalização e opressão de todos os órgãos de informação do país.

K.

Isso mesmo deu conta a Autora, ora Recorrente, na sua impugnação judicial, quando juntou esses mesmos relatórios.

L.

Desses relatórios constam as seguintes informações: i.

Várias entidades, incluindo (...) Segurança governamental e militar, continuam a cometer violações dos direitos humanos durante o período relatado.” - Relatório S/2015/173, de 13 de Março de 2015; ii.

“A situação dos direitos humanos permanece uma fonte de preocupação. (...) A situação nas províncias ocidentais, particularmente em Kinshasa, foram mais afetadas pela restrição do espaço político e pela violação dos direitos fundamentais, incluindo liberdade de expressão, associação e manifestações pacíficas. (...) A 15 de Março, em Kinshasa, pelo menos 30 pessoas foram presas por agentes do estado (...).” - Relatório de S/2015/486, 26 de Junho de 2015; iii.

“(...) A MONUSCO vem documentando um aumento de tais violações, incluindo prisões arbitrárias e assédio a ativistas civis, profissionais dos meios de comunicação e líderes dos partidos da oposição, assim como a interrupção de algumas reuniões da oposição e demonstrações ou recusa por parte dos Oficiais Governamentais em permitir tais atividades. A maioria destas violações foram cometidas sem qualquer investigação ou quaisquer outras medidas corretivas foram tomadas pelas autoridades nacionais. (...) De 1 de Janeiro a 30 de Novembro, a MONUSCO documentou 263 violações dos direitos humanos relacionadas com o processo eleitoral (...). A maioria destas violações foram cometidas em Kinshasa (54) (...). A maioria destas violações foram perpetradas por elementos da polícia e da Agência Nacional de Informações.” - Relatório S/2015/1031, de 24 de Dezembro 2015 iv.

“Em Outubro e Novembro, a MONUSCO documentou 1.011 alegações de violações dos direitos humanos (...). Agentes governamentais são, alegadamente, responsáveis por 612 destes incidentes, dos quais resultou a morte de 174 civis. (...) De 1 de Janeiro a 30 de Novembro, a MONUSCO documentou 4.588 violações dos direitos humanos, incluindo 2.915 perpetradas por Agentes governamentais, das quais resultaram a morte de 398 civis (...).

A missão tem observado uma contínua diminuição do espaço político, com um aumento das restrições nos direitos civis e políticos, além das mortes, assédios e intimidações dirigidas, maioritariamente, aos defensores dos direitos humanos, membros de partidos da oposição e jornalistas. (...) O Secretário-Geral da UDPS foi preso a 9 de Outubro e solto a 29 de Novembro devido às acusações de conspiração relacionadas com as manifestações violentas de 19 e 20 de Setembro.” - Relatório S/2016/1130, de 29 de Dezembro de 2016 v.

“Em 2016, MONUSCO documentou 5.190 violações dos direitos humanos por todo o país, representando um aumento de 30 por cento comparado com 2015.

Em 2016, os Agentes governamentais foram responsáveis por 64 por cento do número total das violações documentadas, incluindo as mortes extrajudiciais de 480 civis. A polícia nacional permanece como o principal perpetrador das violações dos direitos humanos, totalizando 1.553 abusos, representando 30 por cento do número total de casos documentados em 2016. Isto representa um aumento de 65 por cento comparado com 2015. (...) Entre 15 e 31 de Dezembro, a Missão documentou a morte, por Agentes governamentais, de pelo menos, 40 civis, incluindo 5 mulheres e 2 crianças e o ferimento de 147 indivíduos, incluindo 14 mulheres e 18 crianças. Durante o mesmo período, pelo menos 917 indivíduos, incluindo 30 mulheres e 95 crianças, foram presas por Agentes governamentais por todo o país.” - Relatório S/2017/206, de 10 de Março de 2017.

M.

Resulta, de forma clara e inequívoca, que a República Democrática do Congo não é um país seguro, designadamente na região de Kinshasa, de onde a Recorrente é natural e residente.

N.

Registando-se, só no ano de 2016, “5.190 violações dos direitos humanos por todo o país”.

O.

Por outro lado, a aplicação do artigo 7.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, aqui em análise, não pressupõe uma comprovação subjectiva para o preenchimento dos seus requisitos.

P.

De facto, o artigo em questão protege todos os estrangeiros “(...) a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.”.

Q.

Esta proteção dá-se pelo facto de se registarem violações sistemáticas dos direitos humanos, quer pelo facto de o risco de sofrer ofensas graves ser maior e evidente.

R.

Quer dos depoimentos feitos pela Recorrente, quer pelas atrocidades relatadas pela MONUSCO, se verifica um efectivo e sistemático abuso dos direitos humanos na República Democrática do Congo, bem como um risco elevado de se sofrer ofensas graves.

S.

Sobre a aplicabilidade deste instituto (artigo 7.º da Lei 27/2008 de 30 de Junho) já se pronunciou o Tribunal Central Administrativo do Sul, dizendo: “Só se está perante uma situação justificadora de proteção internacional, subsidiária, prevista no artigo 7º nº 2 alínea c) da Lei nº 27/2008, (...) quando a situação de ameaça à vida ou integridade física resulte de violência indiscriminada em situações de conflito armado, internacional ou interno, ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.” - Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 02-06-2016, processo n.º 13275/16, disponível na íntegra em http://www.dgsi.pt.

T.

O mesmo Tribunal, numa decisão sobre a aplicação da protecção subsidiária, expôs, ainda, o seguinte:“(...) a autorização de residência por razões humanitárias, prevista no artigo 8º da Lei nº 15/98, de 26/3 [hoje, artigo 7º da Lei nº 27/2008, de 30/6, sob a epígrafe “protecção subsidiária”], só pode ser concedida se, no país de origem do interessado, existir «grave insegurança devida a conflitos armados ou à sistemática violação dos direitos humanos» que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT