Acórdão nº 00771/17.5BEAVR-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 12 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelAlexandra Alendouro
Data da Resolução12 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO SGNV, contra-interessada na acção de contencioso pré-contratual proposta no TAF de Aveiro por BA & A, contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P., vem interpor recurso, em separado, da decisão que indeferiu o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático resultante, nos termos do artigo 103.º-A do CPTA, da impugnação de acto de adjudicação proferido no Concurso Público Internacional n.° 2001/17/0000005 de fornecimento de géneros alimentares, no âmbito do Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas Mais Carenciadas (FEAC), relativo ao lote 13 (mistura de vegetais, sem batata para preparação de sopa) e da execução do contrato (se celebrado).

*Nas alegações de recurso, o Recorrente apresenta as seguintes conclusões: I.

Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 19 de Setembro de 2017, que indeferiu o incidente de levantamento do efeito suspensivo da execução do contrato deduzido pela aqui recorrente SGNV, com os seguintes argumentos: - apenas está em causa o fornecimento do lote 13, o que significa que os terceiros carenciados não ficarão sem alimentos, apenas ficarão sem poderem beneficiar de sopa; - De resto, sempre poderia a entidade adjudicante servir-se do procedimento de ajuste directo, nos termos definidos pelo artigo 24º/1, alínea c) do CCP, ou seja, enquanto durar o presente processo judicial, podendo, até, escolher a mesma adjudicatária, evitando, desse modo, o receio de grave prejuízo financeiro da SGNV alegado, até à decisão definitiva dos presentes autos.

II.

Considerando o tribunal a quo que a entidade adjudicante pode servir-se do procedimento de ajuste directo, nos termos definidos pelo artigo 24º/1, alínea c) do CCP é porque entende estarem verificados os pressupostos previstos nesta disposição legal, nomeadamente a existência de motivos de urgência imperiosa.

III.

Ao entender estar verificada a urgência imperiosa do fornecimento e consequentemente a possibilidade da contratação da SGNV por ajuste directo para o efectuar, então o tribunal a quo deveria ter levantado o efeito suspensivo, permitindo a execução do contrato já celebrado entre a SGNV e o Instituto da Segurança Social no âmbito do concurso em apreço.

IV.

Porquanto os danos que resultam da manutenção do efeito suspensivo, com a consequente impossibilidade do fornecimento, o qual se reveste de imperiosa urgência, são manifestamente superiores aos que resultam do levantamento daquele efeito.

V.

Verificando-se, pois, na íntegra, os requisitos previstos no artigo 103°-A n.° 4 do CPTA.

VI.

Em suma, o fundamento invocado pelo tribunal a quo devia ter conduzido a resultado oposto ao expresso na decisão.

VII.

É, pois, a decisão recorrida nula nos termos do disposto no artigo 615° n.° 1 alínea c) do CPC.

VIII.

A decisão sobre a matéria de facto é manifestamente insuficiente, não contemplando todos os factos que são relevantes para a decisão do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático.

IX.

Assim, deviam ter sido considerados provados os seguintes factos: - Na sequência da decisão de adjudicação da proposta da SGNV, foi assinado, no dia 14 de Agosto de 2017, o contrato entre a SGNV e o Instituto da Segurança Social (facto alegado no artigo 10° do pedido da SGNV provado por documento - cf. documento n.° 3 junto com o pedido e contrato constante do processo administrativo).

- Para garantir as entregas nas datas previstas, a SGNV tem naturalmente que assegurar o aprovisionamento dos vegetais em causa (facto alegado no artigo 12° do pedido da SGNV e provado por acordo na medida em que o Autora não o impugnou na resposta ao pedido da SGNV).

- Aprovisionamento que, atenta a quantidade que está em causa - 8.640,72 toneladas - não se assegura de um dia para o outro {facto alegado no artigo 13° do pedido da SGNV e provado por acordo na medida em que a Autora não o impugnou na resposta ao pedido da SGNV); - O aprovisionamento de 8.640,72 toneladas de mistura de vegetais ultracongelados exige a escolha de um fornecedor com dimensão para assegurar o aprovisionamento de tal quantidade de vegetais e a elaboração da respectiva encomenda de molde a habilitar tal fornecedor a proceder à sua produção, dado que se trata de bens perecíveis, com prazos de validade reduzidos e que, como foi, não se encontram em stock (facto alegado no artigo 14° do pedido da SGNV e provado por acordo na medida em que a Autora não o impugnou na resposta ao pedido da SGNV) - Imediatamente após a assinatura do contrato, e para assegurar o cumprimento dos prazos de entrega, a SGNV diligenciou junto do seu fornecedor para dar início ao processo de produção, o qual, por seu turno, diligenciou junto dos seus fornecedores, a produção e o fornecimento dos vegetais frescos e bem assim a produção das embalagens (facto alegado no artigo 15° do pedido da SGNV e provado por acordo na medida em que a Autora não o impugnou na resposta ao pedido da SGNV) - A SGNV, com o capital social de 500.000€ não tem capacidade financeira para absorver o prejuízo de milhões de euros com toneladas de produto não entregues, e/ou com prazo de validade expirado, decorrente da paralisação do contrato (facto alegado no artigo 21º do pedido da SGNV e provado por acordo na medida em que a Autora não o impugnou na resposta ao pedido da SGNV) X.

Todos os factos ora elencados e omitidos na decisão sobre a matéria de facto são fundamentais para o juízo de ponderação de interesses a que alude o Art.° 103° - A n.° 4 do CPTA, pelo que deverão os mesmos ser aditados à matéria de facto dada como provada.

XI.

A decisão recorrida de indeferimento do levantamento do efeito suspensivo baseia-se na afirmação feita pelo tribunal a quo de que apesar de se encontrarem em situação de pobreza absoluta, colhe, todavia o argumento de que apenas está em causa o fornecimento do lote 13, o que significa que os terceiros carenciados não ficarão sem alimentos, apenas ficarão sem poderem beneficiar de sopa.

XII.

O entendimento do tribunal a quo viola o direito a um mínimo de existência condigna postulado pelo princípio constitucional da dignidade humana (cf. artigos 1°, 2º e 63º n.ºs 1 e 3 da CRP) XIII.

O Concurso Público n.º 2001/17/0000005 tem por objecto o fornecimento de géneros alimentares no âmbito do Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas Mais Carenciadas (FEAC).

XIV.

A estrutura operacional do FEAC concretiza-se no Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas (POAPMC) (cf. artigo 2° da Portaria n.° 190- B/2015, de 26 de Junho, que aprovou o regulamento geral do FEAC e a regulamentação específica do POAPMC, para o período compreendido entre 1 de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2020).

XV.

O concurso destina-se à aquisição e distribuição de géneros alimentares, visando a implementação da medida 1 do POAPMC (cf. artigo 40° da Portaria n.° 190-B/2015).

XVI.

Tais géneros alimentares irão compor os cabazes a distribuir às pessoas mais carenciadas, cabazes que foram definidos em função das necessidades energéticas e nutricionais da população alvo.

XVII.

Obviamente que a falta de um dos géneros alimentares nesses cabazes, como a sopa, determina a não satisfação das necessidades energéticas e nutricionais da população alvo; XVIII.

Relevante é também o facto de, como alegado pelo Instituto de Segurança Social, tais cabazes cobrirem apenas 50% dessas necessidades.

XIX.

Pelo que a falta de um dos géneros alimentares tem, obviamente, graves consequências para a população alvo.

XX.

Pondo em causa o mínimo de existência condigna a que essa população tem direito.

XXI.

Ao decidir como decidiu, violou a decisão recorrida o princípio constitucional da dignidade humana.

XXII.

E violou também o artigo 103°-A n.° 4 do CPTA.

XXIII.

Do exposto resulta que os danos para o interesse público decorrentes da manutenção do efeito suspensivo e, consequentemente, da não distribuição da sopa às pessoas mais carenciadas são manifestamente superiores aos danos alegados pela Autora como decorrentes do levantamento de tal efeito, os quais se reconduzem à não obtenção de lucro.

Acresce que, XXIV.

A manutenção da suspensão da execução do contrato celebrado com o Instituto da Segurança Social, I.P. cria uma situação de impasse: - Ou a SGNV dá instruções ao seu fornecedor para parar com a produção dos vegetais, o que determinará a impossibilidade de cumprimento pela SGNV das entregas no momento em que o contrato possa ser executado, pois, nessa situação, o fornecedor não produziu e a SGNV não aprovisionou, com a antecedência necessária, as quantidades necessárias para proceder às entregas mensais programadas; - Ou a produção continuará a processar-se como até aqui, correndo a SGNV o risco de não poder entregar os vegetais, caso a suspensão do contrato se mantenha e, mesmo quando o contrato puder ser finalmente executado, os vegetais já não poderão ser entregues porque já decorreu o respectivo prazo de validade (cf. 11.8 alínea a) do Caderno de Encargos).

XXV.

Ora, a SGNV, uma sociedade de capital social de 500.000€ não tem capacidade financeira para absorver o prejuízo de milhões de euros com toneladas de produto não entregues, e/ou com prazo de validade expirado, decorrente da paralisação do contrato.

XXVI.

Assim, os danos para a SGNV decorrentes da manutenção do efeito suspensivo são igualmente superiores aos danos que a Autora alegadamente sofrerá com o seu levantamento.

XXVII...

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