Acórdão nº 00879/17.7BEAVR-S1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelAlexandra Alendouro
Data da Resolução16 de Março de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:*I – RELATÓRIO MUNICÍPIO DA (...), entidade demandada na acção de contencioso pré-contratual proposta no TAF de Aveiro por A., S.A.

em que são contra-interessadas D., SA e D., vem interpor recurso, em separado, da decisão que indeferiu o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático resultante, nos termos do artigo 103.º-A do CPTA, da impugnação de acto de adjudicação do Concurso Público da empreitada denominada “Ampliação e beneficiação da ETAR da (...)” à Contra-interessada D., SA.

*Nas alegações de recurso, o Recorrente apresenta as seguintes conclusões: 1. “A insuficiente matéria de facto dada como assente deve ser ampliada, nos termos do estatuído no art. 662.º n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA, posto que os factos constantes das alíneas A) a L) supra, ostensivamente e objectivamente relevantes para a boa decisão da causa, não tendo sido objecto de contestação, constam de indisputada documentação junta aos autos, mormente no requerimento de extinção da instância e de levantamento do efeito suspensivo. Assim: A) A ETAR abrange 90% da população do Concelho - n.º 7 do requerimento de extinção da instância e docs. 2, 3 e 4; B) Não há possibilidade de melhorar o rendimento dessa ETAR, uma vez que só existe uma linha de tratamento - n.º 8 do requerimento de extinção da instância e docs. 2, 3 e 4; C) Considerando a dimensão e a população servida, não é possível dispor de uma solução alternativa à ETAR existente - n.º 9 do requerimento de extinção da instância e doc. 2; D) O período de vida útil do equipamento mecânico foi ultrapassado - n.º 12 do requerimento de extinção da instância e docs. 2, 3 e 4; E) As obras duplicarão a capacidade de tratamento, de 90 litros por segundo para 180 litros por segundo, existindo duas linhas de tratamento - n.º 13 do requerimento de extinção da instância e doc. 4; F) Devido ao estado obsoleto da ETAR, a APA não concedeu licença sequer provisória para rejeição de águas residuais - n.º 16 do requerimento de extinção da instância e docs. 6 e 7; G) Por isso, o Município vê-se na necessidade de efectuar descargas em violação da lei - n.º 17 e n.º 18 do requerimento de extinção da instância, docs. 6, 7 e 8; H) As descargas efectuadas, nos parâmetros CBO5, CQO e Azoto total, violam os parâmetros máximos admitidos, consoante estão previamente fixados em lei - n.ºs 21, 22 e 23 do requerimento de extinção da instância, docs. 9 a 16; I) No que concerne ao ponto 13) dos factos provados deve fazer-se referência ao facto do Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos (POSEUR) se destinar a contribuir para a resolução das situações de incumprimento dos requisitos da Directiva de Águas Residuais Urbanas (DARU)” - n.º 28 do requerimento de extinção da instância e doc. 18; J) Bem como se deve dar como assente que no Aviso - Convite para apresentação de candidaturas, lançado pelo referido POSEUR, a Câmara Municipal da (...) é entidade responsável pela resolução das situações de incumprimento e de contencioso comunitário identificadas pela APA, I.P. - n.º 29, doc. 18; K) E ainda que o não cumprimento dos prazos de execução da obra pode dar contratualmente origem a uma redução ou revogação do apoio, nos termos da clausula 4.ª do contrato de financiamento assinado - n.º 35, doc. 17; L) Finalmente, deve ter-se como assente que está em causa uma comparticipação de 85% do valor elegível da empreitada e de outros custos associados, o que representa pouco menos de dois milhões e meio de euros - n.º 36, docs. 17 e 23.

2. O Meritíssimo Juiz erra ao, no seu raciocínio de teste da urgência e premência na realização da obra pública da deficiente ETAR da cidade da (...), não considerar apenas o hiato temporal entre a data do financiamento (ou da sua aceitação) e a data do lançamento do concurso, posto que, como é notório, só após o financiamento da ETAR, em mais de dois milhões de euros, foi e é possível ao MUNICÍPIO DA (...), com público orçamento de cerca de 15 milhões de euros, executar obra de tal dimensão – aliás, cremos ser público que todas ou quase todas as ETAR´S do País foram financiadas pela Comunidade Europeia.

3. Por outro lado, temos que não é possível ler a informação n.º 76SASU/2014 da forma simples pela qual o Meritíssimo Juiz a fez, concluindo, em erro de julgamento, que o projecto estava “praticamente concluído” em 2014, esquecendo que: a) o essencial dessa informação refere, basta mesmo lê-la objectivamente, que na mesma se fala em diversas obras, trabalhos, correcções e alterações a levar a efeito; b) depois, olvida que, para se poder lançar e executar um projecto desta natureza não é só necessário ter o “projecto praticamente concluído” mas são ainda necessárias diversas aprovações de terceiras entidades, as quais não se encontravam aliás colhidas - CCDR-C, APA, EDP, DGE – aprovações essas que redundam a maioria das vezes, como sucedeu, em aprovações condicionadas que por si determinam outras alterações ao projecto.

4. O Meritíssimo Juiz errou ainda ao julgar não existirem razões válidas para o hiato temporal que surpreendeu entre a data da aprovação ou aceitação do financiamento da obra até ser lançado o concurso em causa (9 meses), quando o mesmo se explica pela necessidade de cumprir a lei, art. 43.º n.º 2 do CCP, ou seja, pela necessidade de proceder a uma revisão do projecto de execução.

5. Entendeu finalmente o Meritíssimo Juiz que, como iria proferir a sua decisão a muito curto prazo, não se justificava outro tipo de decisão, senão a de indeferimento, sopesando tudo quanto se criticou já. Porém em erro de julgamento, posto que a decisão a curto ou médio prazo é relativamente irrelevante para o que se discute, considerando as hipóteses de recurso da decisão jurisdicional final, o efeito automático da paralisação do concurso, bem como os efeitos suspensivos do recurso daquela decisão final.

6. Sopesando os interesses em causa, parece, isso sim, a todos os títulos evidente, que o risco sério e dado formal e oficialmente a conhecer ao Município de perder o financiamento, que o risco sério de não poder executar uma obra fundamental para o ambiente e saúde pública como é a modernização e aumento da capacidade da obsoleta e insuficiente ETAR da (...) (que sistematicamente apresenta valores desconformes com os parâmetros legais), deve prevalecer sobre o interesse da Contrainteressada que é puramente financeiro e, ademais, quando esse interesse financeiro está assegurado pela lei e, assim, pela possibilidade de em todas as situações ser indemnizada.

7. Reduzindo a questão à sua máxima objectividade (quantificação), esquecendo até por um momento que se trata aqui, isso sim, da qualidade de vida e saúde presente e futura de cidadãos, é perfeitamente evidente que cerca de dois milhões e meio de euros valem mais do que 250.000 Euros, sendo, por outro lado, manifesto e inquestionável que os interesses de milhares de pessoas valem substancialmente mais do que um hipotético lucro de uma empresa, que aliás está assegurado pela regras legais da indemnização.”.

*A A/Recorrida contra-alegou, sustentando a manutenção da decisão recorrida, apresentando as seguintes conclusões: “I – O legislador comunitário havia ido mais longe ao impor um prolongamento automático do efeito suspensivo decorrente do prazo “stanD., SAill”, sempre que fosse deduzida uma pretensão contenciosa por algum dos interessados. No entanto, como é sabido, até à entrada em vigor do NCPTA, o Estado Português encontrava-se numa situação de incumprimento do Direito da União Europeia, por transposição meramente parcial da “Diretiva Recursos”. Com a entrada em vigor do NCPTA, como é referido no preâmbulo do DL n.º 214-G/2015, procedeu-se, finalmente, à transposição integral da “Diretiva Recursos”, no que ao efeito suspensivo automático diz respeito, passando a ser possível, por mera impugnação do ato de adjudicação, um efeito suspensivo automático que perdura até à decisão da ação principal.

II – Ou seja, consagrou-se uma continuidade do efeito suspensivo, iniciando-se este com o prazo “stanD., SAill” e permanecendo com a interposição de uma ação de contencioso pré-contratual, até ser proferida decisão. Assim, a Diretiva 2007/66/CE, introduziu um conjunto de inovações destinadas a reforçar a efetividade dos mecanismos de recurso pré-contratuais, de modo a garantir que estes estejam efetivamente disponíveis num momento prévio à celebração do contrato e que, as entidades adjudicantes não possam restringir a sua eficácia através da celebração/execução antecipada do contrato, de modo a evitar o pleno alcance da tutela jurisdicional. Resulta da referida Diretiva que, o efeito suspensivo só pode terminar após a pronúncia do Tribunal sobre pretensão deduzida contra o ato de adjudicação. Este foi o pensamento do legislador comunitário.

III – No entanto, o legislador nacional, no uso da discricionariedade de que dispõe para definir qual o momento processual até onde perdura esse efeito suspensivo, permitiu a possibilidade de levantamento do efeito suspensivo por iniciativa da entidade administrativa. Ou seja, o legislador nacional por força de um juízo abstrato entendeu permitir a possibilidade de levantamento do efeito suspensivo determinado pelo legislador comunitário.

IV – Porém, é necessário aplicar tal instrumento em termos adequados. Salvo o devido respeito, parece claro que, na ótica das entidades administrativas, que praticam os atos impugnados, sempre será de afastar o efeito suspensivo, o que contraria cabalmente o espírito e objetivos visados pelo legislador Comunitário.

V – Presume-se que qualquer obra pública é destinada a satisfazer interesses públicos. Assim, naturalmente, não repugna admitir que a obra em causa nos autos visa satisfazer interesses públicos e que, enquanto a mesma não for concluída, há interesses públicos que ela visa satisfazer...

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