Acórdão nº 00178/17.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Março de 2018

Data16 Março 2018
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_01

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO Recorrente: VA, SA Recorrido: Ministério da Economia Contra-interessados: TQVT, S.A. e outros Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que, em sede de contencioso pré-contratual e no âmbito de concurso público para aquisição de serviços de viagens, transporte, alojamento e serviços complementares (anúncio 7574/2016, DR II, de 22-11-2016), decidiu pela improcedência da acção e absolvição do Réu dos pedidos de declaração de nulidade ou anulação do acto de adjudicação e condenação do mesmo a celebrar contrato com a Autora.

Em causa alegadas ilegalidades quanto à taxa de serviço e ao desconto percentual, ambos como critérios de adjudicação, quanto à prática de condutas que distorcem a concorrência e ainda quanto ao preço anormalmente baixo.

*O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, do seguinte teor: A) “Todos os serviços objecto do Concurso Público implicam uma mera intermediação entre os fornecedores (transportadoras aéreas, empreendimentos turísticos, empresa de receptivos) e a Entidade Adjudicante, ora Ré.

  1. Nestes casos de intermediação, com especial enfoque no caso dos bilhetes de transporte, as agências de viagens recebem as seguintes categorias de remunerações: as taxas de serviço, cobradas directa ou indirectamente dos clientes; a comissão normal de vendas, bem como as comissões variáveis definidas ao abrigo de acordos de incentivos à produção (onde se podem incluir, igualmente, os incentivos de rota), cobradas directamente dos fornecedores; e o incentivo pago pela plataforma informática, na qual está inserido o inventário dos voos e respectivas tarifas aéreas, e onde os bilhetes são emitidos pelas agências de viagens.

  2. As agências têm ainda a capacidade de cobrar outros valores - habitualmente a título de Ticket Service Fee ou mark up - sem que o Cliente se aperceba disso.

  3. Assim, considerando que "taxa de serviço" pode corresponder a diversas realidades, os concorrentes não sabiam os contornos precisos do critério.

  4. Assim, a taxa de serviço, enquanto critério de adjudicação, não permite a comparação das propostas.

  5. E sendo utilizado, como critério de adjudicação, um instituto - taxa de serviço - que pode dizer respeito a quatro realidades distintas - taxa xp, mark up, taxa cobrada ao cliente na factura a este remetida, ou as três combinadas -, sem que as peças do procedimento delimitem esse conceito, é evidente que é impossível comparar as propostas.

  6. Assim, há uma violação clara do princípio da concorrência, na escolha do critério "taxa de serviço".

  7. Com efeito, a Entidade Adjudicante está constituída na obrigação de, na elaboração das peças do procedimento, densificar os critérios de adjudicação que venha a utilizar sob pena de, posteriormente, se ver impossibilitada de comparar as propostas.

  8. Sendo utilizado, como critério de adjudicação, um instituto - taxa de serviço - que pode dizer respeito a quatro realidades distintas - taxa xp, mark up, taxa cobrada ao cliente na factura a este remetida, ou as três combinadas -, sem que as peças do procedimento delimitem esse conceito, é evidente que é impossível comparar as propostas.

  9. Assim, está em causa a ausência de definição, à partida, dos elementos que consubstanciam o critério de adjudicação escolhido e que permitem que a Autora e contra-interessadas elaborem a sua proposta com pressupostos distintos, impedindo, por isso, a sua comparabilidade.

  10. Além do mais, ao contrário daquilo que é sustentado pela Sentença recorrida, a cláusula 4.ª do Caderno de Encargos não protege a Entidade Adjudicante, mas antes reforça a ilegalidade dos critérios de adjudicação por impossibilidade de comparação das propostas.

  11. Nem sequer as imposições de transparência da cláusula 4.ª do Caderno de Encargos prejudicam o argumento da Autora, de que é impossibilidade a comparação entre as propostas.

  12. Em face do exposto, resulta evidente que o critério "taxa de serviço", por poder referir-se a realidades distintas e por não ser individualizado nem pelas peças do procedimento nem pelos concorrentes, não garante a comparabilidade das propostas no caso de aquisição de serviços de emissão de passagens aéreas nacionais e internacionais, sendo consequentemente ilegal por violação do princípio da concorrência, na sua vertente de comparabilidade das propostas com um padrão comum, previsto no artigo 1º, nº 4, do CCP.

  13. Ao decidir de forma contrária, a Sentença recorrida interpretou e aplicou incorrectamente a referida norma que deve ser entendida no sentido de impor que os critérios de adjudicação, ainda que na sua definição caibam no âmbito da discricionariedade da administração, permitam a comparabilidade das propostas.

  14. A Sentença recorrida considera, igualmente, que o "desconto percentual sobre o valor da factura", quando erigido como critério de adjudicação, não se encontra viciado de qualquer ilegalidade uma vez que as taxas de serviço que podem ser cobradas pelas agências se encontram suficientemente caracterizadas e, como tal, o valor sobre o qual incide o "desconto percentual sobre o valor da factura" também.

  15. Qualquer critério de selecção das propostas apenas é considerado válido se puder ser avaliado com recurso a um padrão comum, isto é, se permitir a comparabilidade das propostas, o que não sucede no "desconto percentual sobre o valor da factura".

  16. Nada impede que o valor facturado - sob o título único de "bilhete aéreo" - inclua uma Ticket Service Fee (taxa XP) ou uma margem ou mark-up, acrescentadas propositadamente para este Cliente, tendo em vista empolar o preço sem que alguma delas seja descriminada nas facturas. Ou seja, nada impede que a agência de viagens defina, imponha e cobre outros valores que não são do conhecimento do cliente, apesar de formalmente poderem ser incluídos na factura a emitir ao cliente final como parte do preço do bilhete de transporte aéreo.

  17. Em face do exposto, resulta evidente que o critério "desconto percentual sobre o valor da factura", por não vir acrescentado da base sobre a qual esse desconto será aplicado, não garante a comparabilidade das propostas no caso de aquisição de serviços de emissão de passagens aéreas nacionais e internacionais, sendo consequentemente ilegal por violação do princípio da concorrência, na sua vertente de comparabilidade das propostas com um padrão comum, previsto no artigo 1º, nº 4, do CCP. Ao decidir de forma distinta, a Sentença recorrida interpretou e aplicou incorrectamente o referido preceito que deve ser interpretado no sentido de proibir a utilização de critérios de adjudicação que não tenham por base um padrão comum, isto é, não permitam a comparabilidade das propostas (como é o caso nos presentes autos).

  18. A Sentença recorrida sustenta que não ficou provado que existam fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras da concorrência.

  19. No entanto, os elementos constantes do processo permitem concluir pela existência da prática de condutas que distorcem a concorrência.

  20. Ou se assim não se entender— o que se admite, sem conceder— resultam pelo menos os fortes indícios exigidos pelo artigo 70º, n.º 2, al. g), do CCP.

  21. Ora, por regra, a comissão directa em Portugal atribuída por uma transportadora aérea a uma agência de viagens é de até 0,5% sobre as tarifas comissionáveis.

  22. Face à impossibilidade de determinar o valor das comissões recebidas por cada agência de viagens, e tendo em conta a magnitude dos descontos sobre a factura que os concorrentes propõem (de entre 9% a 25%!), então das duas uma: ou o preço final de venda às entidades adquirentes é inferior ao preço de custo; ou existe um empolamento artificial do preço de aquisição da viagem.

  23. Se tivermos em conta que as comissões recebidas pelas agências de viagens (no transporte aéreo) incidem sobre cerca de 75% do valor total do bilhete (os restantes 25% correspondem a taxas aeroportuárias, de segurança e combustível); com o valor das comissões as agências de viagens têm de suportar os custos de estrutura; e as agências de viagens não devem ter a possibilidade de alterar o preço dos serviços que revendem às entidades adquirentes; resulta evidente que a capacidade que as agências têm para procederem a descontos sobre a factura é extremamente limitada, não chegando, em qualquer caso, aos valores propostos pelos concorrentes.

  24. De facto, não é crível que as comissões e taxas de serviço explícitas recebidas pelas agências de viagens sejam de tal forma elevadas que permitam que sejam concedidos descontos na ordem dos 9% a 25% (descontos sobre a facturação global incluindo, portanto, taxas não comissionáveis).

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