Acórdão nº 00452/17.0BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelJoaquim Cruzeiro
Data da Resolução16 de Março de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO JJLS vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 7 de Dezembro de 2017, e que julgou improcedente a providência cautelar intentada contra a UC e onde era solicitado que se devia intimar a entidade requerida: “… a) a admitir o Requerente ao concurso especial para maiores de 23 anos (regime laboral) destinado ao ingresso na Licenciatura (1º ciclo) em Ciências do Desporto da FCDEF-UC, no ano lectivo 2017/2018 e a proceder à sua seriação no mesmo (admitindo-se, face à existência de Contrainteressados, a criação de vaga adicional, como é jurisprudência corrente); B) Subsidiariamente (caso não proceda nenhuma das ilegalidades dos artigos 47º, 56º, 96 /ou 100.º supra) a repetir o procedimento sem incorrer nas ilegalidades julgadas procedentes pelo Tribunal; para todos os efeitos e com todas as legais consequências.

”.

*Em alegações o recorrente concluiu assim: 1.

Salvo o merecido respeito, uma sentença deste jaez produz efeitos devastadores na ordem jurídica e na confiança dos cidadãos no Estado de Direito, emitindo um sinal de claro retrocesso junto da própria Administração, como que desonerando-a do cumprimento estrito da legalidade, da transparência e da isenção avaliativa, colocando em crise, entre o mais, o direito fundamental de acesso ao ensino que o recorrente titula (cfr. arts. 2.º, 18.º, 74.º e 76.º da CRP), sendo que este – sem tutela cautelar – ficará sem poder dar rumo seguro à sua vida académica e profissional.

  1. No que concerne ao factor CVA – Habilitações Académicas, temos, em primeiro lugar, que nem dos actos impugnados nem de qualquer documento constante do PA. resulta que os respectivos subcritérios não sejam passíveis de atribuição cumulativa, não resultando também que os 8 valores (correspondente ao ensino secundário completo) seja a pontuação máxima do critério CVA.

  2. Note-se bem, e isto até à luz das regras de vida e de experiência comum, o facto de um candidato ter já frequentado o ensino superior e de ter obtido aprovação em unidades curriculares de um curso superior integra inequivocamente o “currículo escolar e profissional do candidato” e, como é evidente, não pode jamais ser negligenciado na avaliação curricular (isso mesmo resulta do disposto no art. 5.º, n.º 1, al. a) do DL n.º 64/2006, dos arts. 11.º, n.º 1, al. a) e 12.º do Regulamento n.º 43/2007 e dos “Princípios e Normas” aos quais se auto-vinculou a Recorrida) – o júri pode ter-se esquecido e ou negligenciado esta realidade, é certo, mas tal configura ilegalidade, que, em erro de julgamento, a sentença não declarou.

  3. Aliás, no caso concreto, a situação é ainda mais ostensiva, porque, tratando-se de disciplinas que integram o plano de estudos do próprio curso em que o candidato pretende ingressar, é ostensivo e evidente que as mesmas têm que ser relevadas para a avaliação da própria capacidade do candidato para a frequência do curso, que, nos termos da lei, é o objetivo destas provas – esse predicado revela mérito e um currículo mais abonado e mais sólido em comparação com outros candidatos.

  4. Ao contrário do que, em erro de julgamento, decidiu a sentença, não resulta dos actos, nem da leitura conjugada dos subfactores que os critérios do parâmetro CVA não sejam passíveis de atribuição cumulativa, sendo que o que resulta é o inverso, pois este predicado do “currículo escolar e profissional do candidato” tem de ser obrigatoriamente valorado em sede de ponderação das suas habilitações académicas e não se vislumbra outra possibilidade que não seja no parâmetro “outra formação”, que tem, assim, de acrescer ao subfactor “ensino secundário completo” (e isto ainda que a Administração assim não tenha, em flagrante erro, equacionado).

  5. Se assim não for, então, a própria alegação salvífica da Requerida nos autos e em que a sentença se alcandorou (que, aliás, consubstancia fundamentação a posteriori e, por isso mesmo, ilegal e que não pode ser ponderada) não tem qualquer sentido ou lógica, pois, a ser assim, o critério CVA não contemplaria esta necessária realidade curricular (já ter frequentado unidades curriculares de curso superior), não se vislumbrando, por outro lado, que “outra formação académica relevante mas que não corresponda à obtenção do nível de ensino secundário” seriam aqui englobadas e consideradas, tanto mais que não existem outros “ensinos” entre a fase do ensino secundário e a fase do ensino básico, e mesmo os ensinos profissionais conferem sempre equivalência àqueles primeiros (pelo que o subcritério restaria sem sentido útil).

  6. Aqui chegados, temos que das duas uma: ou se decidia que os actos impugnados deviam ter valorado o recorrente com 12 valores (“outra formação” 4 + “ensino secundário completo” 8) e, assim não tendo feito, incorreram em erro nos pressupostos e ou em erro manifesto de apreciação, padecendo, por conseguinte, a sentença de erro de julgamento; ou, então, sempre se teria de decidir que os actos impugnados aplicaram fórmulas limitativas do mérito dos candidatos, tratando de forma igual méritos diferenciados e nivelando os candidatos pela mediocridade e não pela excelência e pelo mérito, como deve suceder – cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I., 4.ª ed. revista, pág. 661 e Paulo Veiga e Moura, A Privatização da Função Pública, Coimbra Editora, 2004, p. 147.

  7. A regra constitucional do concurso consubstancia um verdadeiro direito a um procedimento justo de recrutamento, vinculado aos princípios constitucionais e legais (…), sendo que o concurso assente num procedimento justo é também uma forma de recrutamento baseado no mérito, pois o concurso serve para comprovar competências e capacidades (cfr. arts. 2.º, 74.º e 76.º da CRP), sendo que o direito de acesso ao ensino em condições de igualdade e liberdade consiste principalmente em (…) não ser preterido por outrem com condições inferiores e não haver escolha discricionária por parte da Administração – cfr. Ac. TC n.º 53/88, apud Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I., 4.ª ed. revista, pág. 660.

  8. Nesta segunda hipótese que equacionamos, os critérios de avaliação curricular e a respectiva ponderação definidos pelo Júri para ordenar os candidatos são manifestamente violadores das regras constitucionais da igualdade e da justiça e, sobretudo, do princípio fundamental do mérito, pelo que não são adequados a permitir escolher os candidatos que se revelam mais capazes e competentes para aceder ao ensino superior e, por isso, não são adequados para prosseguir e alcançar a satisfação desse relevante interesse público – cfr. art. 2.º, 13.º e 266.º, n.º 1 e 2 da CRP e arts. 4.º, 6.º e 8.º do NCPA.

  9. Por conseguinte, deveria a sentença ter declarado que os actos impugnados violam os arts. 5.º, n.º 1, al. a) do DL n.º 64/2006, e 11.º, n.º 1, al. a) e 12.º do Regulamento n.º 43/2007, bem como os “Princípios e Normas” aprovados pelo Júri, aos quais este se vinculou, razão pela qual resultam também postergados o princípio da autovinculação administrativa, o princípio da boa-fé subjacente àquele (art. 10.º do CPA e art. 2.º e 266.º da CRP), ou então que sempre violam o referido princípio do mérito (que é o princípio fundamental e estruturante do acesso ao ensino superior – cfr. arts. 74.º e 76.º, n.º 1 da CRP), da igualdade, da transparência, da concorrência, da justiça e da prossecução do interesse público (cfr. arts. 2.º, 13.º, 18.º e 266.º da CRP), pelo que a sentença padece de erro de julgamento, por afronta aos normativos e princípios que vimos de referir.

  10. Relativamente à experiência profissional (CVB), temos que a frequência (e aprovação) de unidades curriculares do Curso de Ciências do Desporto, que constituem verdadeiros estudos práticos dessas mesmas modalidades desportivas, com elevada componente de aulas práticas, consubstancia um facto a ter necessariamente em consideração na avaliação da “CVB – experiência profissional” dos candidatos, ao contrário do que decidiu a sentença recorrida, fazendo apelo ao “contexto profissionalizante”.

  11. Contexto "profissionalizante" é (como resulta da consulta de qualquer dicionário) o contexto que profissionaliza, id est, que confere formação ou habilitação profissional para determinada actividade ou para um indivíduo se tornar profissional, estando fora de qualquer dúvida que estas disciplinas foram frequentadas pelo recorrente em contexto profissionalizante e não meramente académico – isso resulta do disposto no art. 11.º, n.º 3 da Lei de Bases do Sistema Educativo, bem como do facto de o curso ao qual respeitam as unidades curriculares visar conferir aptidão para diversas profissões, o que é ainda decisivamente comprovado pelos próprios "Objectivos Gerais do Curso" que, segundo a Recorrida, consistem em “Formação de profissionais” com uma forte componente prática (cfr. doc. 5 junto com o ri., a fls… dos autos; v.g.

    , ainda o número 48.º da oposição, a fls… dos autos).

  12. Naturalmente que a frequência (e aprovação) destas unidades curriculares do Curso de Ciências do Desporto (que constituem estudos práticos de Aeróbica, Patinagem, Râguebi, Futebol e Voleibol, id est, constituem inequívoca prática desportiva) é realizada no âmbito de um indesmentível contexto profissionalizante, dado que se trata de um curso superior, e não num contexto puramente académico (aliás, trata-se de um curso com um fortíssima e amplíssima dimensão prática, como todos sabemos e que é até publicitada pela própria Universidade Recorrida).

  13. Além disso, nem se alcança como se pode valorar experiências de treino e experiências como praticante (cfr. subfactores CVB4-T, CVB5-T, CVB8-T e CVB9-T) e não se valorizar, pura e simplesmente, estas experiências de treino e de prática desportiva do recorrente ao frequentar estas disciplinas práticas, experiências que...

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