Acórdão nº 00609/11.7BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelJoaquim Cruzeiro
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO Junta de Freguesia de Guardizela vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 26 de Janeiro de 2017, e que julgou parcialmente procedente a acção administrativa comum intentada por LPC e LPC Lda. e onde era solicitado que devia ser:

a) Condenada a Ré a pagar ao 1º Autor a quantia de € 14.965,43 (catorze mil novecentos e sessenta e cinco euros e quarenta e três cêntimos), acrescida dos juros legais vencidos, à taxa legal e desde 20.09.2001 até à presente data, no montante de € 14.617,13, bem como dos vincendos, à taxa legal e até efectivo e integral pagamento; e b) Condenada a Ré a pagar à 2ª A. a quantia de € 52.902,10 (cinquenta e dois mil novecentos e dois euros e dez cêntimos), acrescida dos juros legais vencidos, à taxa legal e desde 29.12.2001 e 11.01.2002, respectivamente, até à presente data, no montante global de € 49.769,36 (quarenta e nove mil setecentos e sessenta e nove euros e trinta e seis cêntimos), bem como dos vincendos, à taxa legal e até efectivo e integral pagamento…”.

Em alegações a recorrente concluiu assim: 1. A Rec.te invocou a prescrição presuntiva de cumprimento.

  1. Nas prescrições presuntivas deparamos com um regime específico no qual existe uma presunção iuris tantum em benefício do devedor de ter efectuado a prestação a seu cargo.

  2. As prescrições presuntivas - estabelecidas no art. 312° e ss. do C. C. - fundam-se na presunção de cumprimento e, portanto, o decurso dos prazos aí estabelecidos liberta o devedor do ónus de provar o cumprimento, transferindo-se para o credor o ónus de ilidir tal presunção, provando que o cumprimento não foi efectuado.

  3. Tal prova -a cargo do credor- só pode ser efetuada por confissão do devedor, 5. O que manifestamente não ocorreu.

  4. A sentença a quo deu como provado que os Rec. dos prestaram serviços à Rec.te em 2001, tendo emitido as correspondentes faturas em 20.08.2001; 29.11.2001 e 11.12.2001, 7. Sendo que a aqui Rec.te foi citada para a ação em 28 de Março de 2011.

  5. Nos termos do disposto no artigo 317° do Código Civil, prescrevem no prazo de dois anos os créditos pela execução de trabalhos.

  6. A Rec.da alegou, em sede de contestação, o cumprimento.

  7. Tal alegação impunha-se para fazer uso da prescrição presuntiva.

  8. É indiscutível que à data da entrada da ação em juízo, o prazo de dois anos previsto no artigo 317° do Código Civil, se encontrava decorrido.

  9. Mal andou o Tribunal a quo ao não julgar procedente a invocada prescrição presuntiva.

  10. Mais, o Tribunal a quo nem sequer dela conheceu.

  11. Nos termos do disposto no art.º 95° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) o tribunal deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (...) e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.

  12. As partes submeteram à apreciação do tribunal a questão atinente à prescrição pelo cumprimento.

  13. A sentença é totalmente omissa quanto a esta questão, pelo que 17. enferma da nulidade de omissão de pronúncia prevista o art. 615° CPCiv.

    Sem prescindir, 18. Os Rec.dos intentaram a ação volvidos dez anos sobre a prestação dos trabalhos.

  14. A inação dos Rec.dos, pelo não exercício do direito por um período tão prolongado, gerou na Rec.te uma situação de confiança.

  15. Ora, ao intentar a ação decorridos dez anos, os Rec.dos violaram o princípio da confiança, o que 21. Constitui abuso de direito, de conhecimento oficioso, e cujo efeito, salvo o devido respeito, não poderia deixar de ser o da improcedência da ação.

    Os Recorridos contra-alegaram tendo formulado conclusões, que aqui se vertem: I. O presente Recurso não passa de mais uma manobra dilatória da Ré, porquanto é completa e claramente destituído de qualquer fundamento legal e, consequentemente, de muito fácil apreciação e não provimento.

    1. Desde logo, porque é absolutamente inverídico que a Recorrente tenha, em sede de contestação, invocado excepção do «pagamento» e, muito menos, qualquer prescrição presuntiva, nomeadamente a prevista no artigo 317º do C.Civil, de tal forma que na sua contestação, como bem relembra a Mma Julgadora, na pág. 2 da sentença recorrida, a Ré deduziu, a título de excepções, apenas invocou as da ilegitimidade passiva e a da prescrição dos juros.

    2. Ora, a da ilegitimidade passiva foi apreciada em sede de Despacho Saneador, proferido na Audiência Prévia, cfr. Acta de fls. …, realizada em 09.07.2014, e ali julgada improcedente, decisão da qual a Ré não recorreu.

    3. E, relativamente à invocada excepção da prescrição dos juros, na Audiência Prévia foi, de seguida, proferido o despacho previsto no artigo 596º e na al. f), do nº1, do artigo 591º, ambos do C.P.C., que fixou como objecto da acção apenas a questão de saber se o 1º Autor e a 2ª Autora têm ou não o direito de exigir da Ré o pagamento das quantias peticionadas; a alegada prescrição de juros; bem como a de saber se a Ré litiga de má-fé.

    4. Enquanto que, no que concerne à enunciação dos Temas da Prova, no mesmo despacho foram fixados os diversos temas da prova (julgados por provados, na sentença recorrida, na sua quase totalidade), entre as quais o seguinte, e cujo ónus probatório cabia, em exclusivo e sem qualquer margem para dúvidas, à Ré, e que não resultou provado: «10. Pagamento pela Ré da totalidade das obras efetuadas pelos Autores».

    5. O que significa que a Ré não invocou, na sua contestação, qualquer prescrição presuntiva do pagamento, na medida em que a Mma Julgadora assim o considerou – e muito bem –, não enquadrando tal alegada questão no douto despacho saneador, nem no despacho de fixação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova, do qual, aliás, a Ré/recorrente não reclamou.

    6. Por outro lado, tendo em conta o alegado pela Recorrente nos artigos 12 a 15, e 19 a 23, e que no art. 21º a Ré se limitou a invocar que se presumia que as obras efectuadas se encontrariam pagas, sem, contudo, referir, nem fundamentar, porquê, e mesmo que a Ré tivesse pretendido alegar qualquer prescrição presuntiva do cumprimento – que não alegou –, ela própria teria ilidido tal presunção, nos termos previstos na parte final do artigo 314º do C. Civil, por confissão, na medida em que alegou, ali, factos incompatíveis com tal hipotética presunção do cumprimento, porquanto acabou por alegar, expressamente, e admitir, que o (eventual) pagamento das faturas dos AA. não era, afinal, uma certeza, ou garantia, mas tão só uma mera convicção sua («Por isso está a Ré convicta de que as obras que efectuadas foram se encontram pagas…»).

    7. Inexiste, por outro lado, qualquer omissão de pronúncia por parte da douta sentença recorrida, na medida em que não estava obrigada a – nem sequer podia – conhecer de qualquer alegada prescrição presuntiva de cumprimento que as partes, efectivamente, não submeteram à apreciação do tribunal, e que, por isso, o Tribunal a quo – e bem – nem sequer definiu como objecto do litigio, nem integrou nos temas da prova, em despacho, proferido em Audiência Prévia, do qual não apresentou a Recorrente qualquer reclamação, pelo que se tornou o mesmo definitivo, e insusceptível de recurso.

    8. Termos em que terá de improceder a nulidade da douta sentença recorrida, invocada pela Recorrente.

    9. A invocação do alegado Abuso de Direito, por clara e manifestamente destituída de qualquer fundamento, é, por si só, demonstrativa de que a Ré procura “disparar em todas as frentes”, numa tentativa desesperada, e lamentável, de se furtar e protelar o cumprimento das suas responsabilidades e obrigações para com os Recorridos.

      XI.

      Na verdade, como reconhece – e bem - a Recorrente, só se verifica violação do princípio da confiança quando se verifica um «comportamento com o qual razoavelmente não se contava face à conduta anteriormente assumida e às legítimas expectativas que gerou».

    10. Contudo, nunca nenhuma conduta dos AA foi alegada pela Ré que, porventura e razoavelmente, lhe pudesse ter criado expectativas legitimas de que os AA jamais viessem a instaurar-lhe a presente Acção, de modo a que aos AA fosse possível exercer o respectivo contraditório, invocando, por exemplo, que antes desta lhe foi instaurada uma outra Ação no Tribunal Cível, que se declarou incompetente em razão da matéria, ou as inúmeras, mas vãs, promessas e propostas de pagamento efectuadas pela Recorrente antes da instauração da presente ação.

    11. Aliás, como poderia a Recorrente ter criado qualquer alegada legitima expectativa nesse sentido, face a tudo o por si alegado em 11 a 15 e em 19 a 23, da sua contestação, que aqui se dá, por economia processual, por integralmente reproduzido? Obviamente, não podia! XIV. Termos em que, também nesta parte, deverá improceder o Recurso interposto, mantendo-se a douta Sentença recorrida.

      O Ministério Público notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, não se pronunciou nos autos.

      As...

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