Acórdão nº 00319/11.5BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório MELMH, devidamente identificada nos autos, no âmbito da ação administrativa especial, intentada contra o Município de Cantanhede, tendente à anulação da Deliberação da respetiva Assembleia Municipal de 30 de abril de 2004 que alterou o traçado de caminho identificado, inconformada com a decisão proferida em 2 de junho de 2017, no TAF de Coimbra, no qual a Ação foi julgada “totalmente improcedente”, veio interpor recurso jurisdicional.

Formula a aqui Recorrente nas suas alegações do Recurso Jurisdicional, apresentado em 6 de julho de 2017, as seguintes conclusões (Cfr. fls. 265 a 267 Procº físico).

  1. O Réu permitiu a alteração de um caminho sito no V…, em Cantanhede, tendo-o qualificado como público.

  2. Como resulta dos factos provados como 1., 2. e 3., na ação de divisão de coisa comum n.º 53/1976, que correu termos no Tribunal Judicial de Cantanhede, estabeleceu-se "uma serventia (estrada) a partir da Estrada Nacional, ao norte, com uma largura de seis metros, que se estende para sul, nos termos consignados na referida planta ou levantamento topográfico” e que "esta serventia ou estrada ficará comum a todos os quinhões para acesso livre e franco a todos eles, em igualdade de circunstâncias, sendo a sua abertura e conservação da responsabilidade de todos os interessados na respetiva proporção", com a configuração apresentada a fls 7 da sentença C) No dia 09/12/2002, deu entrada um pedido de aprovação de um projeto de loteamento assinado por quatro requerentes (MESHC, CAMH, PJMH, e, LCRS) que deu origem ao processo n.º 133/02, tendo o mesmo deferido em 08/07/2003.

  3. Não foi requerida a emissão do alvará no prazo legal, tendo caducado por despacho datado de 02/12/2008.

  4. A caducidade do alvará e consequente licença de loteamento implica a extinção dos direitos atribuídos pelo ato de licenciamento, donde resulta que os lotes de terreno, resultantes da operação de loteamento perdem autonomia, deixando de ter existência jurídica, e, consequentemente, o regresso da área que havia sido objeto de tal alvará à composição fundiária inicial.

  5. Do alvará de loteamento não consta que se alteraria qualquer caminho público.

  6. No dia 18/12/2003, LCRS, um dos Requerentes do projeto de licenciamento n.º 133102, e mulher, declararam que "o prédio ... é atravessado por um caminho público". Os outros Requerentes não subscreveram idêntica declaração.

  7. Em 2004, como resulta do facto 7 dado como provado, a contrainteressada MESH requereu a mudança de caminho público, desacompanhada de todos os comproprietários.

  8. A IGAL procedeu a uma inspeção à CM de Cantanhede, tendo elaborado relatório donde consta que "da análise do processo, e antecedentes do mesmo, tal característica de caminho público nunca foi assumida pela Câmara Municipal de Cantanhede" (docs de fls 646, 647, 516 e 517 do relatório da inspeção).

  9. A Câmara Municipal tendo por base o requerimento de um particular (assinado pela contrainteressada) e de uma declaração de duas pessoas atribuiu carácter público ao caminho, quando até essa data caminho nunca tinha sido assumido a natureza pública do pela Câmara Municipal de Cantanhede, K) Em 28/05/1987, e 03/07/1991, como resulta dos documentos 2 e 3 juntos com a resposta à contestação, o MUNICIPIO DE CANTANHEDE enviou duas notificações à firma proprietária da fábrica - JH, Filhos & ca Lda., afirmando que "a via de acesso em causa é ... um arruamento de inquilinos ... ". e em que reconhecia que se tratava da "beneficiação de um acesso privado e para terrenos privados” L) No âmbito do procedimento cautelar n.º 804/09.9TBCNT que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede, a Meritíssima Juiz de Direito, reconheceu que o caminho integra o domínio privado da Autora e demais comproprietários (cf. doc. nº 4, que se juntou com a resposta).

  10. Ao assumir o carácter público do caminho, o Réu usurpou poderes da competência dos Tribunais N) Caminhos públicos são todos aqueles que desde tempos imemoriais estão no uso direto e imediato do público.

  11. O caminho em apreço nunca esteve no uso direto e imediato do público.

    Deve ser considerado público um caminho que existe desde tempo que excede a memoria dos vivos e pelo qual sempre, até há cerca de 50 anos, transitaram pessoas, animais e veículos. Para caracterizar um caminho público, basta o uso direto e imediato do público em geral, quando imemorial, devendo ainda esse uso refletir a afetação do caminho à utilidade pública, ou seja, à satisfação de interesse coletivo de certo grau ou relevância.

  12. A afetação de uma coisa à utilidade pública tem como um dos seus pressupostos à satisfação de relevantes interesses coletivos.

  13. A Inspeção Geral da Administração Local no seu parecer e após estudo de todo o processado concluiu pela nulidade do processado, uma vez que o caminho era privado. Se os licenciamentos de loteamento caducaram não produziram quaisquer efeitos relativamente aos lotes objeto de deferimento do pedido de licenciamento das construções neles projetadas. Logo, a alteração do traçado do caminho não era possível.

  14. A contrainteressada alegou que a Assembleia Municipal de Cantanhede limitou-se a partir do pressuposto que o caminho era público, por via de ter sido essa a qualificação que a Câmara lhe atribuiu, ou seja, a Câmara substituiu-se aos tribunais conferindo carácter público ao caminho, que anteriormente considerava privado.

  15. Não sendo o caminho público não pode a entidade administrativa considerá-lo e qualifica-lo como público. Tal ilegalidade constitui usurpação de poder, em que a consequência de tal vício é a nulidade T) A usurpação de poderes define-se ou consiste na prática por um órgão da Administração de ato que decide uma questão que é da competência dos outros poderes do Estado (legislativo, moderador e/ou judicial) traduzindo-se, por conseguinte, numa forma de incompetência agravada por falta de atribuições.

  16. Temos, por outro lado, que no quadro de análise da ilegalidade em questão a jurisprudência daquele Supremo Tribunal vem acolhendo e seguindo um critério de diferenciação de ordem teleológico-objetiva entre função jurisdicional e função administrativa.

  17. No ato jurisdicional é essencial que os agentes estaduais tenham que resolver "questões jurídicas" enquanto entendidos como conflitos de pretensões entre duas ou mais pessoas, ou controvérsias sobre a verificação ou não verificação em concreto de uma ofensa ou violação da ordem jurídica de molde a lograr obter a "paz jurídica".

  18. No exercício da função administrativa através da emissão dum ato não se trata de resolver objetivamente uma "questão de direito" mas apenas de assegurar a realização de certos resultados práticos ou a consecução de certas finalidades públicas (diversos da "paz jurídica"), ainda que com base no direito.

  19. Assim, a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao não considerar que o ato administrativo da mudança de caminho é nulo por se verificar o vício de usurpação de poder.

    Princípios violados: princípio da legalidade, da prossecução do interesse público e dos direitos e interesses dos cidadãos, da justiça, da razoabilidade, da imparcialidade e da participação.

    Normas jurídicas violadas: art. 3°, 4°, 8°, 9°, 12° do CPA, 94° n.º 2 do CPTA, 362° ss do CC Termos em que, Deve a sentença recorrida ser revogada, considerando a ação procedente e consequentemente declarar o ato de alteração nulo por vício de usurpação de poder, com todas as consequências legais.” O Município de Cantanhede veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 3 de outubro de 2017, concluindo (Cfr. Fls. 283 a 287 Procº físico): “

  20. A questão que vem trazida agora em recurso e que já foi analisada pelo tribunal a quo é uma questão que tem de ser analisada em duas perspetivas, ou seja, por um lado, a deliberação da Assembleia Municipal de Cantanhede de 30/04/2004, cuja declaração de nulidade é pedida por vício de usurpação de poder, o que constitui o objeto da ação e, por outro lado, a qualificação ou não como caminho público do novo trajeto do caminho que é questão subsequente e que não está pedida, nem podia sê-lo, nos presentes autos.

  21. Relativamente à primeira questão, a Câmara Municipal de Cantanhede, na sua reunião de 16 de Março de 2004, promoveu o procedimento da mudança do caminho, no seu entender, público que atravessa o lote da contrainteressada e co requerente daquele processo de loteamento e submeteu o assunto à discussão e deliberação da respetiva Assembleia Municipal.

  22. Na sequência da deliberação da Câmara Municipal de 16/3/2004 e dado que a competência para declarar a desafetação do caminho público existente e a sua mudança competia à Assembleia Municipal, como deriva expressamente do artº, 53°., n°. 4, al. b) da Lei n". 169/99, de 18 de Setembro, alterada e republicada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, a Câmara Municipal propôs à Assembleia Municipal a referida afetação e desafetação do caminho público, mediante a troca do troço mais a sul da parte em curva, por uma parte reta, como se alcança do documento que ora sé junta, a Assembleia Municipal aprovou por unanimidade essa alteração, na sua sessão de 30 de Abril.de 2004, como se alcança da parte ideal da ata respetiva que consta do processo instrutor.

  23. A A., apesar de conhecer a realização desse ato, não impugnou o mesmo ao tempo (2007), revelando ter conhecimento da deliberação da Assembleia Municipal, pelo menos, desde 17 de Novembro de 2009, data em que recebeu a comunicação da IGAL.

  24. Resulta dos autos que o caminho mudado era considerado um caminho público, independentemente de qualquer ato de apreensão do mesmo por um ente público, sendo como tal a petição inicial eram comproprietários do prédio objeto da ação de divisão de coisa comum 53/1976, que correu termos pela 2ª Secção do Tribunal Judicial de Cantanhede, F) Por isso, a Câmara Municipal de Cantanhede o considerou...

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