Acórdão nº 00279/17.9BEMDL-S1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO CID, Ré na acção administrativa de contencioso pré-contratual em que é Autora SSLTC, Lda., ambas melhor identificadas nos autos, vem recorrer do Despacho proferido pelo TAF de Mirandela na parte em que conheceu do pedido incidental de levantamento do efeito suspensivo automático, em conformidade com o disposto no artigo 103º-A, nº s 2 e 4 do CPTA, indeferindo-o.

Alegando, concluiu: Quanto à falta de concretização ou densificação do pedido: 1. Apesar de fundar a decisão na afirmação repetida de que a Ré e as contra-interessadas não alegaram nem densificaram de forma suficiente os factos necessários a que o tribunal pudesse conhecer do pedido incidental formulado e que pudesse ser proferida decisão diferente da que foi prolatada, o tribunal não proferiu despacho em conformidade com o disposto no artigo 590º, nº 4 do CPC.

  1. Estabelece o artigo 7º do CPTA que para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.

  2. Tal princípio processual, ali designado como de promoção do acesso à justiça, sublinha com veemência e reforça a ideia de que se o tribunal entende que as pretensões de tutela jurisdicional que lhe são apresentadas revelam insuficiente exposição, concretização ou densificação da matéria de facto que se reconduz à respectiva causa de pedir, em termos tais que o impedem de conhecer do mérito da pretensão, não pode deixar de agir no sentido de determinar que tal insuficiência seja suprida pelas partes.

  3. A decisão recorrida violou, portanto, por erro de interpretação e de (não) aplicação o disposto no artigo 7º do CPTA e no artigo 590º, nº 4 do CPC, razão pela qual deve ser revogada e substituída por outra que com fundamento nessas normas adjectivas, e face ao entendimento expresso na decisão quanto à insuficiente exposição, concretização ou densificação da matéria de facto subjacente à causa de pedir incidental, determine à Recorrente e às contra-interessadas que supram a acusada insuficiência.

    Quanto à inadmissibilidade de outra prova que a documental 5. O processo nos tribunais administrativos rege-se pela presente lei, pelo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e, supletivamente, pelo disposto na lei de processo civil (art.º 1º do CPTA).Em princípio, e para atingir a verdade material, todas as provas são admissíveis.

  4. O direito à prova surge no nosso ordenamento jurídico com assento constitucional, consagrado no art.º 20º da Lei Fundamental, como componente do direito geral à protecção jurídica e de acesso aos tribunais.

  5. Considerado o disposto no art.º 292º do CPC a admissibilidade das provas em quaisquer incidentes inseridos na tramitação de uma causa apenas conhece os limites expressamente estabelecidos no art.º 294º do mesmo Código.

  6. A decisão recorrida determinou que a única prova admissível dos factos alegados é de natureza documental, sem que contudo tenha indicado nenhuma norma ou princípio jurídico que o justificasse.

  7. As decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido têm que ser fundamentadas (art.º 154º, nº 1 do CPC) e tal fundamentação reveste-se da dupla dimensão de ter de o ser de facto e de direito, desde logo porque é ao princípio da legalidade que estão subordinadas todas as decisões judiciais.

  8. A falta de especificação dos fundamentos de direito da decisão determina sua nulidade (art.º 615º, nº 1, al. b) do CPC), invalidade processual que expressamente se invoca.

  9. Independentemente de tal nulidade, a decisão recorrida violou por erro de interpretação e (não) aplicação o disposto nos artigos 292º e 294º a contrario do CPC, aplicáveis ex vi art.º 1º do CPTA, bem como o direito à prova, consagrado constitucionalmente princípio constitucional enquanto componente do direito geral à protecção jurídica e de acesso aos tribunais a que se refere o artigo 20º da CRP, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que determine a produção da demais prova indicada pela aqui Recorrente isto é, a inquirição da testemunha por si arrolada.

    Sem prescindir: Quanto à escassa e insuficiente alegação e prova apresentada: ■ Primeira questão: nulidade da sentença 12. A decisão recorrida conheceu do mérito da questão incidental suscitada; tal decisão configura uma verdadeira sentença, por ter por objecto, um incidente que, embora processado nos autos, apresenta a estrutura de uma causa (cfr. art.º 152º, nº 2 do CPC).

  10. As sentenças têm necessariamente que ser fundamentadas e, na exposição dos fundamentos, deve discriminar os factos que julga provados e não provados analisando criticamente as provas, e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (art.º 94º, nº 3 do CPTA).

  11. A sentença que conheceu do mérito da pretensão incidental deduzida pela aqui Recorrente e a julgou improcedente, não contém a discriminação de quaisquer factos provados e não provados, não contendo portanto a especificação dos fundamentos de facto que a justificam.

  12. Tal sentença é nula (art.º 615º, nº 1, al. b) do CPC), invalidade processual que expressamente se invoca.

    ■ Segunda questão: ainda a nulidade da sentença 16. A sentença recorrida, na sua fundamentação, afirma ao mesmo tempo o seguinte, de forma contraditória, “Pelo que, não cumprindo a R. (nem as Contra-interessadas) com o seu ónus de alegação e prova da factualidade que invoca(m) em esteio da sua pretensão de levantamento do efeito suspensivo automático, encontra-se o Tribunal impedido de efectuar uma análise concreta e objectiva sobre os prejuízos que alega(m) decorrerem daquele levantamento para o interesse público e demais interesses envolvidos (nomeadamente das Contra-interessadas, adjudicatárias, cada uma, de dois dos quatro lotes concursados).” E: Ora, nada disto vem demonstrado ou sequer invocado nos presentes autos. O que tem por consequência a impossibilidade de o Tribunal concluir se a delonga decorrente da tramitação do presente processo e o atraso que dela decorre para a execução do contrato concursado terá as invocadas consequências ao nível do financiamento comunitário que a R. alega.

    E: Com efeito, atendendo ao alegado pela R. e pelas Contra-interessadas, conclui o Tribunal que as invocadas consequências para o interesse público não são imperiosas nem gravemente prejudiciais.

  13. Ou seja, o tribunal a quo conclui que não pode concluir e conclui que afinal pode mesmo concluir, dizendo que dizer que os factos alegados não lhe permitem conhecer do mérito e contraditoriamente dizendo o contrário e decidindo mesmo do mérito da pretensão eivando-a de ambiguidade e obscuridade; 18. A sentença é também por isso nula (art.º 615º, nº 1, al. c) do CPC), porque viciada por contradição entre os fundamentos e a decisão e por contradição intrínseca à própria fundamentação, que lhe confere ambiguidade e obscuridade que a tronam, nessa medida, ininteligível.

    ■ Terceira questão: a suficiência dos factos alegados e da prova produzida 19. A Autora, aqui recorrida, na Petição Inicial, não alegou que para si adviesse algum prejuízo caso fosse proferida decisão de levantamento do efeito suspensivo automático, em conformidade com o disposto no artigo 103º-A, nºs 2 e 4 do CPTA.

  14. Pelo seu lado, a aqui Recorrente alegou com constitutivos da sua causa de pedir, os factos acima transcritos, constantes dos artigos 50º a 81º da sua Contestação.

  15. Se o concurso visa a concretização das operações de cadastro de infraestruturas existentes nos sistemas em baixa de Abastecimento de Água e de Saneamento de Águas Residuais dos concelhos de Alijó, Armamar, Freixo de Espada à Cinta, Mesão Frio, Moimenta da Beira, Murça, Penedono, Peso da Régua, Sabrosa, Santa Marta de Penaguião, São João da Pesqueira, Sernancelhe, Tabuaço, Tarouca e Torre de Moncorvo ao abrigo da operação POSEUR-03-2012-FC-000106 [Elaboração do cadastro das infra-estruturas de água e saneamento em baixa no Douro] do Programa Operacional da Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos, a fim de permitir que tais Municípios atinjam o "Índice de conhecimento infraestrutural e gestão patrimonial" igual ou superior a 40, que é condição necessária para que qualquer dos 15 municípios que fazem parte desta operação possa apresentar candidaturas ao POSEUR para operações relacionadas com o ciclo urbano da água (abastecimento de água e/ou drenagem de águas residuais), dado o requisito de elegibilidade imposto pela alínea b) do nº 1 do artigo 98.º do Regulamento Específico do POSEUR, os factos alegados, supra transcritos, que na sua essência decorrem do próprio concurso e da regulamentação publicada em Portaria, constitui concretização suficiente dos factos necessários para se poder avaliar da natureza ou dimensão do risco de prejuízo e do prejuízo que a não colocação em marcha do procedimento pré-contratual determina de forma necessária.

  16. E o facto de este concurso interessar quinze municípios e de ter o valor total de 3.284 874,35€, permite, em si mesmo, ponderar o prejuízo relativo dos interesses em jogo, especialmente quando a Autora, aqui Recorrida, não invocou que para si decorresse algum prejuízo.

  17. Os factos alegados pela Recorrente que se devem ter por provados são suficientes, mesmo sem a produção da prova testemunhal arrolada, para que se julguem verificados todos os pressupostos de que depende a possibilidade de levantamento do efeito suspensivo dado que conduzem a que, ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultarão da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.

  18. A decisão recorrida violou, pois, por ostensivo erro de interpretação e aplicação, o disposto no artigo 103º-A, nº 4 e 120º, nº 2 do CPTA, devendo ser revogada e substituída por outra que determine tal levantamento.

    JUSTIÇA A Autora contra-alegou, sem conclusões, finalizando...

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