Acórdão nº 02224/10.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Maio de 2018
Magistrado Responsável | Rogério Paulo da Costa Martins |
Data da Resolução | 30 de Maio de 2018 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: MMSO veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 14.07.2014, pela qual foi julgada totalmente improcedente a acção administrativa especial intentada pela Recorrente contra o Município do Porto, e absolvido o Réu do pedido de que fosse anulada a deliberação da Câmara Municipal de 4 de Maio de 2010, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão e do pedido de condenação do Réu a pagar-lhe os vencimentos não pagos referentes ao período de demissão executado, acrescidos dos juros legais desde a data da execução da pena até integral pagamento e a reconstituir a situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado a concretizar em execução de sentença.
Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida incorreu em vício de erro nos pressupostos de facto e de Direito, que aquela julgou inexistentes, com erro de julgamento e vício de violação de lei e do princípio in dubio pro reo.
*O Recorrido contra-alegou, defendendo a manutenção integral do decidido.
*O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
*Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
*I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1- O Recorrido aplicou a pena disciplinar de demissão à Recorrente, com patentes vícios de erro nos pressupostos de facto e de direito, que a decisão recorrida decidiu serem inexistentes, com erro de julgamento e vício de violação de lei e ainda do princípio in dubio pro reo. De facto, 2- Desde logo, o relatório final considerou provados os factos imputados à Recorrente que serviram de pressuposto de aplicação da pena de demissão, sem a mínima indicação em que documentos e depoimentos se fundamentou para chegar a tal conclusão.
3- Os únicos documentos a que a acusação e o relatório final se reportam são os que instruíram o processo-crime, tendo sido proferido acórdão no processo comum colectivo 1993/05.7 PRT, que correu termos na 2ª Vara Criminal do Porto, transitado em julgado em 29.09.2013, por Despacho de 07.10.2013, que rectificou a acusação para crime de burla simples e falsificação de documentos e que absolveu a recorrente dos crimes que lhe eram imputados com base nos factos – nos mesmos factos – pelos quais foi punida com a pena de demissão. É assim que, 4- Inexistindo prova nos autos de processo disciplinar, o recorrido dá como provado ter havido “ combinação entre a arguida e os sócios da Clínica” para a obtenção dos recibos e estes “ lhe terem entregue os recibos (…..)”, com patente erro nos pressupostos de facto para aplicação da pena disciplinar, e com violação quer do artigo 3º do Estatuto Disciplinar.
5- No referido processo-crime aqueles mesmos factos foram dados como não provados (fls. 169, 243 e 267 da certidão junta) e, como se disse, é inexistente prova no processo disciplinar de tais factos. Desta forma, 6- A decisão padece de erro de julgamento ao decidir a inexistência de tal vício e daquele erro grosseiro, considerando que a prova foi efectuada pela análise dos recibos emitidos e toda a documentação apreendida pela Polícia Judiciária e em sede de inquérito criminal, bem como do depoimento dos médicos e assistentes da clínica, porquanto esses mesmos elementos conduziram a que no processo-crime fosse dado como não provado: quer a combinação entre os sócios da clínica e da Recorrente, quer que os recibos lhe tivessem sido entregues. Sempre acrescendo que, 7- A Recorrente foi punida pelo Recorrido com base no facto “não ter recebido qualquer tratamento, nem o seu filho”, e em sequência ter ficado indevidamente com a verba de 3.548,56 euros, com erro grosseiro na apreciação da prova, porquanto das fichas médicas que a decisão considera fidedignas (porque foram elaboradas pelos médicos), consta de facto que a Recorrente e o filho receberam tratamentos e tinham fichas clínicas que deram origem ao Anexo 3 junto com a acusação, e à quantia de 3.548,56 euros tendo sido em processo-crime apurado quais os tratamentos que não tinham sido feitos pelo filho, no que resultava um prejuízo de 652,00 euros, não obstante o Recorrido “sem qualquer prova” considera provado, bem como a douta decisão que a recorrente “não prestou qualquer tratamento”, não valorando o facto de a verba ser também conexa com tratamentos e recibos emitidos do filho. Ora, 8- Como é do conhecimento deste Tribunal (pelos múltiplos processos já julgados) em verbas do montante de 600 euros o Recorrido puniu os trabalhadores com penas de suspensão e não de demissão como é o caso da Recorrente.
9- Face às contradições existentes e na míngua de outros elementos não poderia deixar de funcionar o princípio in dubio pro Reo, atendendo a que como é bem explícito no Acórdão 03188/11.1 PRT “No processo sancionador a prova da prática da infracção que é exigida deve ser conclusiva e inequívoca no sentido de que o sancionado é o autor subjectivo”, como sucedeu na presente situação, pelo que o acto deveria ter sido anulado, 10- Ainda como causa de pedir da anulação do acto punitivo foi invocado o erro grosseiro na apreciação da prova quer em relação ao empréstimo do cartão, quer em relação à devolução do dinheiro recebido porquanto a recorrente em parte demonstrou e provou que um dos cheques tinha sido depositado pela referida C…, e também que lhe tinha entregado dinheiro (depoimento de HMC do processo disciplinar) e a sentença ao assim não decidir errou de direito com erro de julgamento. Acresce que, 11- A Recorrente foi punida pela deliberação impugnada tendo como pressuposto factual que a verba correspondente aos recibos pertencia aos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento, porque constavam da acusação e do relatório final, como pressuposto da aplicação da pena, os seguintes factos: “ com este comportamento recebeu dos SMAS”, “Ficando os serviços, consequentemente desembolsados”, “ de facto, a arguida quis e conseguiu receber aquele montante à custa daquela entidade”, “com o consequentemente empobrecimento dos SMAS”, “ conseguiu a arguida ter vantagens patrimoniais a que não tinha direito, enganando conscientemente os SMAS, a sua entidade empregadora, que sempre cumprira as suas obrigações no contexto do vínculo público que a ligava àquela” (artigos 26, 27, 28,31, 32 do Relatório Final), quando tais verbas pertenciam à Assistência na Doença aos Servidores do Estado, não tendo havido qualquer empobrecimento daqueles serviços, ou qualquer lesão patrimonial daqueles. Contudo, 12- A decisão, com erro de Direito, decidiu a inexistência do erro nos pressupostos de facto, decidindo que a Recorrente compreendeu que o desvalor que encerra a factualidade prende-se com o facto da mesma se ter apropriado de dinheiro público, independentemente dos termos em que cada pessoa colectiva em causa foi concretamente, prejudicada. Ora, 13- Não foi tal a acusação que recebeu para se defender, nem a Recorrente apresentou defesa nesse sentido, nem o recorrido puniu a Recorrente com base em “serem dinheiros públicos”, mas sim com o pressuposto factual concreto dos valores serem do SMAS – entidade a que estava subordinada – e de ter existido empobrecimento daquele serviço e tanto assim é, que o recorrido expressamente refere que no Relatório Final é referido: “32) conseguiu a arguida ter vantagens patrimoniais, enganando conscientemente o SMAS, sua entidade patronal que sempre cumprira as sua obrigações que sobre si impendiam no contexto do vínculo público que a ligava àquele sendo até referido pelo recorrido na análise da personalidade da recorrente refere: “A conduta infractora praticada pela arguida contribuiu para o empobrecimento indevido do SMAS”.
14- A decisão punitiva imputou à Recorrente os factos descritos nos pontos 33) a 43) do Relatório Final como preponderantes para a decisão final de aplicação da pena de demissão, com erro nos pressupostos de facto porque como é evidente e se demonstra pelo documento junto com a petição inicial toda a publicitação da situação ocorrida pelos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento foi levada a cabo pelo Município do Porto através do seu site, sendo a Recorrente completamente alheia a tal divulgação, por outro lado, não pode ser havido como consequência directa ou indirecta de quaisquer seus comportamentos, as infracções cometidas pelos outros 30 trabalhadores, até porque a Recorrente com eles não agiu em associação, nem de tal foi acusada, ora em sede disciplinar a Recorrente não pode ser punida por consequências dos actos de outros, a sentença ao decidir a inexistência de tal vício, errou de direito. Acresce que, 15- O Recorrido puniu a recorrente sem ponderação e valoração dos elementos constantes do artigo 20º do Estatuto Disciplinar, com vício de violação de lei tendo sido decidido pela douta decisão que : “não corresponde à verdade tal afirmação porque dos artigos 47º a 50º do relatório consta um conjunto de circunstâncias que apenas à situação pessoal da A. respeitam: antiguidade, classificações de serviço e o facto de ser uma funcionária zelosa, assídua e pontual ”, sucede que, tais elementos estão elencados mas não foram nem ponderados, nem valorados, quando aquele normativo exige que sejam atendidos a favor ou contra o arguido, a douta sentença ao decidir que a mera elencação de tais factores cumpre o exigido no normativo, erra de Direito com violação do citado dispositivo legal. Acresce que, 16- Ao invés de tal ponderação, da inexistência de qualquer infracção disciplinar sem mácula de 29 anos de serviço com zelo e assiduidade ser favorável à recorrida serviu de ponderação negativa porque o recorrido considerou tais factores como agravantes da sua responsabilidade, porque deveria servir de exemplo aos outros trabalhadores, o que acarreta vício de violação de lei, a douta decisão ao assim não decidir errou de direito, com erro de...
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