Acórdão nº 1182/17.8/BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelJoão Beato Oliveira Sousa
Data da Resolução30 de Maio de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:*RELATÓRIO JBM veio interpor recurso da sentença pela qual o TAF de BRAGA julgou improcedente a presente acção administrativa contra o Ministério da Administração Interna – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

*Conclusões do Recorrente: 1. A douta sentença, ora recorrida, decidiu julgar a ação integralmente improcedente e, em consequência, absolver a Entidade demandada do pedido.

  1. Salvo o devido respeito que é muito, não pode colher a fundamentação de facto e de direito, pugnada pela decisão recorrida, senão vejamos: 3. Dissecando a decisão em crise, com o devido respeito, que é muito, é possível concluir que o Tribunal a quo errou no julgamento, mal apreciando a prova carreada nos autos, nomeadamente as declarações do recorrido, na medida em que, do depoimento deste e demais produção de prova, imponha-se decisão diversa.

  2. Formulou o Recorrente pedido de proteção internacional nos termos do art.º 27.º e ss da Lei n.º 27/2008 de 30 de junho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2014 de 5 de Maio.

  3. O recorrente conforme disse é membro da União para a Democracia e Progresso Social, UDPS, o partido mais antigo da oposição na República Democrática do Congo, bem como fazia parte do Movimento Combatant, desde 2006.

  4. O recorrente exercia funções de Secretário Adjunto da Propaganda, no seu Bairro.

  5. O Recorrente em conjunto com outros amigos, organizou os comícios e reuniões, na zona onde morava, nos meses de setembro, outubro e novembro de 2011, antes das eleições Presidenciais de 28 de novembro de 2011.

  6. O partido é que dizia como e quando fazer a propaganda.

  7. Acontece que, durante as eleições ocorreram diversas ilegalidades, sendo que o Presidente JK manteve-se no poder, o que originou diversas manifestações.

  8. Nessa sequência, o aqui Recorrente, após uma das manifestações organizadas, acabou detido ilegalmente, porque conhecido como opositor do regime, durante duas semanas, sem ser presente a julgamento.

  9. Não se tratava de uma prisão normal e não era certamente oficial.

  10. Sofreu agressões físicas/torturas, das quais ainda hoje tem marcas, quer físicas, quer psicológicas.

  11. Passou fome e não pôde contactar com familiares e advogado.

  12. Ao fim de duas semanas foi libertado, com a ajuda de um Guarda, tendo sabido posteriormente que foi a mãe e outros familiares, que pagaram para ser libertado.

  13. O Recorrente correu risco de vida, apenas sobreviveu graças à intervenção de familiares e amigos, acreditando que se se mantivesse me carcere nesta altura estaria morto.

  14. Não sabe nada sobre os amigos que com ele foram detidos, desconhece inclusive se sobreviveram, ou ainda se encontram em cativeiro.

  15. Sabe é que, se voltar ao país de que é nacional corre risco de vida, já que nada mudou desde 2012, altura que se viu obrigado a fugir do país.

  16. Na presente data, o Presidente JK continua a ser o chefe de Governo, situação que ocorre de forma ilegal, o que deixa transparecer a confusão política em que se encontra o país e a instabilidade que os habitantes vivem quotidianamente.

  17. O recorrente viu-se obrigado a fugir do seu país de origem, para sobreviver, porque é pessoa conhecida no seu Bairro, como opositor do regime.

  18. Passou por outros países, no entanto, não permaneceu em nenhum.

  19. O recorrente desde a saída do seu país teve como objetivo, vir para a Europa, mais concretamente para Portugal, um país democrático que respeita todos os seus ideais de vida, por isso é que, apenas aqui em Portugal solicitou proteção.

  20. Mais acresce que, o recorrente era titular de documento comprovativo em como era militante do partido político da oposição UDPS, tendo porém, perdido o mesmo em Angola, motivo pelo qual não o logrou apresentar.

  21. Também não tem como apresentar qualquer documento comprovativo de ter sido - e estar a ser perseguido - e ou até preso, pois não existem documentos oficiais de que foi sujeito a cárcere.

  22. Diga-se ainda que o recorrente encontra-se hoje totalmente inserido no meio social em que reside, tendo recentemente iniciado trabalho como amarrador de ferro, na empresa ZSLC, Lda., com sede no concelho de PL.

  23. É homem útil, que trabalha para fazer face às suas despesas, não vive por conta da ajuda da Segurança Social.

  24. Merce deste circunstancialismo, e porque resulta da experiência comum, o Recorrente continua a correr perigo de vida caso regresse ao seu país, uma vez que por lá se mantém tudo na mesma ou pior.

  25. Pelo que, a decisão, conclui, diga-se de forma errada, salvo o devido respeito, que a situação do Autor não se enquadra nas disposições do art.º 3 da Lei 27/2008, nem nas disposições do art.º 7 e como tal viola os referidos preceitos.

  26. Ora, a mera circunstância de o recorrente caso seja obrigado a regressar à República Democrática do Congo, ser preso, sujeito a torturas e até morrer, por ser um opositor do regime deveriam ao abrigo da experiência comum ser suficiente para com convicção decidir em sentido contrário.

  27. O exercício do direito de asilo (artº. 33.º n.º 8 CRP) depende de um procedimento prévio destinado a provar que a pessoa é estrangeira ou apátrida e que tem razões para temer ser vítima de perseguição caso venha a ser expulsa para o seu país de origem (cfr. Andreia Oliveira, in CJA, nº 70, 2008).

    Acresce ainda que, 30. Com esta decisão ocorreu violação do benefício da dúvida no direito de asilo.

  28. O “benefício da dúvida no direito de asilo” é uma regra apurada internacionalmente que impõe o benefício do requerente de asilo, a ser concedido pelo examinador do pedido de asilo, caso o requerente não consiga, por falta de elementos de prova, fundamentar algumas das suas declarações, mas desde que estas sejam coerentes e plausíveis face à generalidade dos factos conhecidos.

  29. Constitui princípio geral de direito que o ónus da prova compete à pessoa que submete um pedido (art.º 342º CC).

  30. Contudo, é muito frequente acontecer que o requerente de asilo não é justificadamente capaz de apoiar as suas declarações mediante provas documentais ou outras, como é o caso do recorrente.

  31. Na verdade, os casos em que o recorrente pode fornecer elementos de prova para todas as suas declarações serão mais a exceção do que a regra, sendo claro que as possíveis repercussões de uma decisão errónea são muito negativas.

  32. Por isso, considera-se que o ónus de prova tem de ser repartido entre o requerente e o examinador, incumbindo a este o dever de certificar e avaliar todos os factos relevantes invocados para suporte do pedido (cf. art.s 15.º, 18.º e 28.º n.º 1 da Lei 27/2008).

  33. Entre o risco de dar asilo a quem conte uma história consistente e plausível, apesar de não conseguir provar de modo inteiramente convincente os seus receios de voltar ao país de origem, e o risco de o negar, o legislador preferiu prima facie o primeiro.

  34. A responsabilidade probatória do recorrente consiste, portanto, em esforçar-se por apoiar as suas declarações com todos os elementos probatórios disponíveis e dar uma explicação satisfatória em relação a qualquer falta de elementos de prova.

  35. Se necessário, ele deve esforçar-se por obter elementos de prova adicionais. Isto envolve o fornecimento de todas as informações pertinentes e de uma explicação coerente das razões pelas quais se pede o reconhecimento do estatuto, bem como a resposta a quaisquer perguntas colocadas pelo examinador.

  36. O recorrente demonstrou que o seu receio é razoável e plausível, baseado numa avaliação objetiva da situação no país de origem.

  37. Se um requerente de asilo satisfaz estas condições, deve ser considerado refugiado, mesmo que seja incapaz de provar plenamente o seu caso.

  38. As discrepâncias e inconsistências nas declarações, propriamente ditas, entre o depoimento verbal e as provas documentais, ou entre as declarações e as próprias ações do requerente, podem assim suscitar questões de credibilidade.

  39. Mas desde que estas discrepâncias não afetem o mérito do pedido e o caso seja, de outro modo, plausível e coerente, não devem ser consideradas quaisquer contradições e inconsistências relacionadas com detalhes não essenciais ou triviais.

  40. Deve ser-lhe concedido o benefício da dúvida quanto à prova do seu caso, portanto, desde que satisfaça o teste de credibilidade, coerência e plausibilidade.

  41. Ora, aqui, a Entidade Recorrido e o Tribunal a quo consideraram, como vimos, que as declarações do recorrente não pareciam credíveis, eram contraditórias e eram genéricas face à realidade conhecida, pelo que os fundamentos do pedido de asilo não se provaram suficientemente.

  42. O ora recorrente concretiza com as suas declarações, uma medida individual de natureza persecutória violadora da pessoa humana, merecendo pelo menos o benefício da dúvida, dados os elementos pessoais que carreou para os autos administrativos, sendo normal que os relatos do ora recorrente sejam titubeantes à causa da situação em que se encontra.

  43. A entidade impugnada, primeiro, posteriormente o Tribunal a quo deveriam, salvo melhor opinião, ter seguido com a instrução do processo, a fim de averiguar melhor as afirmações do ora recorrente, pelo menos no sentido de averiguar, os pormenores que supostamente dizem faltar, como seja, por exemplo o nome dos amigos com os quais estive detido.

  44. Não existiu ponderação de modo expresso, racional e fundamentado os motivos por que o Recorrente não passou o “teste de credibilidade”, com que não concordamos.

  45. E como tal foi sem dúvidas, portanto violado primeiramente o art.º 3 e posteriormente o art.º 7.º da Lei 27/2008.

  46. Consequentemente, encontram-se preenchidos todos os requisitos legais para que seja concedido ao Requerente o direito a asilo ou caso assim não se entenda a autorização de residência nos termos do art.º 7.º da Lei n.º 27/2008 de 30 de junho.

  47. A decisão que ora se impugna, padece de violação da lei por errónea interpretação da mesma, sendo que não foi tido em conta o Principio do beneficio da dúvida e o Princípio...

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