Acórdão nº 02320/16.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução30 de Maio de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

SFSC (R. F…, Vila Nova de Gaia), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF do Porto, que julgou improcedente acção administrativa especial intentada contra o Fundo de Garantia Salarial (Avª Manuel da Maia, nº 58, Lisboa).

A recorrente formula as seguintes conclusões: 1.

Insurge-se a ora Apelante contra a decisão de 1.ª Instância que julgou a acção apresentada pela mesmo totalmente improcedente por provada e, em consequência, determinou: Absolver o Réu do pedido.

2.

Decisão com a qual não pode a Apelante deixar de discordar por se verificar que da matéria de facto provada deveriam constar outros factos por não impugnados e, bem assim, porque do Direito aplicável ao caso, devia ter-se verificado resultado diverso, considerando a Apelante que a decisão enferma de erro de julgamento.

3.

Crê a Apelante que deverá constar da matéria de facto dada como provada, por não impugnada, a seguinte matéria: - Em 17/04/2017 a Apelante celebrou aquando da cessação do contrato de trabalho um acordo verbal com a entidade patronal, para pagamentos em prestações dos créditos laborais devidos pela cessação do mesmo, no valor de € 13.382,98 (treze mil, trezentos e oitenta e dois euros e noventa e oito cêntimos).

- A entidade patronal liquidou o valor de € 2.992,28 (dois mil novecentos e noventa e dois euros e vinte e oito cêntimos).

- A entidade patronal entrou em incumprimento com a Apelante em Fevereiro de 2015.

- Os créditos laborais decorrentes da cessação da relação laboral da Apelante com a entidade patronal venceram-se, apenas, em Fevereiro de 2015.

- A Apelante intentou um processo de insolvência contra a entidade patronal em 06/05/2015.

- A Apelante mal rececionou a documentação instrumental necessária para o efeito por parte da Sra. Administradora de Insolvência, apresentou o requerimento junto do fundo de garantia salarial.

4.

Uma vez que os créditos laborais só se venceram em Fevereiro de 2015, os créditos venceram-se durante o período de referência de seis meses.

5.

O Apelado não procedeu à instrução do procedimento nos devidos termos, porquanto nem sequer se pronunciou quanto à alegada existência de um acordo.

6.

E, não o fazendo, proferiu um acto que padece de erro nos seus pressupostos, já que não se pronunciou nem considerou a existência de um acordo de pagamento da indemnização por cessação do contrato de trabalho e que os créditos laborais por força do mesmo só se venceram em Fevereiro de 2015, com o incumprimento do mesmo pela entidade patronal da Apelante, factos que a serem considerados teriam resultado numa diferente fundamentação de direito que culminaria numa decisão judicial totalmente contrária à proferida.

7.

Tendo ficado provado que a Apelante celebrou um acordo de pagamento para pagamento dos créditos laborais devidos pela cessação aquando da mesma, fica claro que os créditos laborais só se venceriam com o incumprimento do mesmo.

8.

O incumprimento só ocorreu em Fevereiro de 2015, pelo que o crédito só se venceu nessa data, não sendo até então exigível.

9.

A exigibilidade decorre do vencimento da obrigação (do momento em que a obrigação deve ser cumprida)

(sublinhado e negrito nosso).

10.

Assim, deveria o tribunal a quo ter considerado que o vencimento dos créditos laborais ocorreu em Fevereiro de 2015 e que os créditos reclamados se encontravam dentro do período de referência de 6 meses, relativo ao qual o Apelado é obrigado a assumir o pagamento.

11.

A protecção dos créditos dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador é uma obrigação do Estado resultante, desde logo da Directiva 2008/94CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Outubro de 2008, relativa à protecção dos trabalhadores assalariados em causa de insolvência do empregador.

12.

Aliás, refere-se no artigo 3.º da Directiva que os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que, em caso de insolvência do empregador, as instituições de garantia assegurem o pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho.

Sendo certo que, 13.

O artigo 11.º n.º 2 da enunciada directiva prevê que o seguinte “A aplicação da presente directiva não pode, de modo algum, constituir motivo para justificar um retrocesso em relação à situação existente nos Estados-Membros no que se refere ao nível geral da protecção dos trabalhadores assalariados no domínio por ela abrangido.” 14.

Pelo que, não se vislumbra pois que a interpretação adotada pelo tribunal a quo, que reitera a posição do Apelado, de indeferimento do peticionado se mostre sequer compatível com o regime jurídico com o qual tem necessariamente de se compatibilizar, sendo certo que a referida Directiva, uma vez transporta, constitui Direito Interno Português.

15.

Já que, sempre com os limites da mencionada parte final do artigo 8.º, n.º4 da CRP, os tribunais nacionais e, bem assim, as administrações nacionais devem interpretar o direito nacional à luz do direito comunitário, sob pena de violaram o artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.

16.

O diploma supra enunciado veio alargar as situações em que os trabalhadores podem recorrer ao fundo de garantia salarial e conferir-lhes, em suma, uma maior protecção, espirito que o legislador interno, certamente, procurou salvaguardar.

17.

E é tendo por as circunstâncias enunciadas que se deve interpretar o pensamento legislativo do legislador aquando da elaboração dos referidos normativos, assim o prevê o artigo 9.º do Código Civil.

18.

Como se sabe o artº 9º nº 1 do Código Civil dispõe que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em quer a lei foi elaborada e as condições do tempo em que é aplicada.” 19.

Logo, se é certo que não se podem fazer interpretações da lei ao arrepio da sua letra, não é menos verdade que se impõe atender ao sentido/espírito da norma, sob pena de se chegar a conclusões absurdas e até desligadas da realidade.

20.

Recorde-se que o diploma anterior previa no seu artigo 319.º (Lei 35/2004, de 29.07, no seu n.º 3) que o Fundo de Garantia Salarial só assegurava o pagamento dos créditos que lhe fossem reclamados até 3 meses da respectiva prescrição, ou seja, o trabalhador tinha...

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