Acórdão nº 00787/12.8BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução18 de Maio de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório A SMI SA, devidamente identificada nos autos, no âmbito da ação administrativa especial, intentada contra o Município de Aveiro, tendente à anulação do ato de 05/04/2012, que declarou a nulidade do anterior ato de 13/08/2010, que havia deferido o pedido de licenciamento de um projeto de alterações a um licenciamento, inconformada com a Sentença proferida em 21 de agosto de 2017, no TAF de Aveiro, na qual a ação foi julgada “totalmente improcedente”, veio interpor recurso jurisdicional, no qual apresentou as seguintes conclusões (Cfr. fls. 259 a 263 Procº físico): “1) Materialmente - facto que a sentença não sopesa ou irreleva mesmo (quanto mais dá como provado, como devia e se disse e se sustentou), o que está em causa é, na perspetiva da Administração e do Tribunal, mais um piso… em parte do edifício e… em zona onde existem edificações com 3, 4 e 5, 6 e 10 pisos; 2) Estando-se assim face a uma declaração de nulidade de um licenciamento (objeto do processo) que se ancora numa interpretação adversa a uma outra anterior feita pelo mesmo Município de uma determinada disposição legal – precisamente o art. 27.º do PUCA (falamos de Aveiro).

3) Por certo nem lido o convite à reflexão que fizemos - dogmaticamente, nacional e comparadamente, sustentado, ademais com citação da jurisprudência portuguesa - a propósito dos conceitos de direito do urbanismo, temos que é o seguinte o preceito interpretando: 4) “Art. 27.º - Tipologia e uso dominante: Zona onde predomina a habitação unifamiliar de 2 pisos, isolada, geminada ou em banda, sendo admissível a construção de habitação bifamiliar e a instalação de outros usos e atividades, desde que não criem condições de incompatibilidade definidas no ponto 2 do artigo 10.º”.

5) Com o devido respeito, mas português sabemo-lo todos, não existe uma só letra ou palavra que sustente a conclusão de que o número de pisos aludido neste preceito é vinculativo e máximo, como em erro (dizendo, no entanto, que a letra da lei não é clara) conclui, por aplicação do elemento literal da lei, a sentença recorrida.

6) A lei diz que predominam habitações com dois pisos, só isso, não se refere a qualquer limite, ademais máximo… de pisos ou cércea a edificar! 7) A hermenêutica jurídica, como todos sabemos, tem um limite e esse limite é que a interpretação sustentada tenha um mínimo de correspondência na letra da lei – cfr. art. 9.º, n.º 2 do CC.

8) Ora, essa correspondência pura e simplesmente não existe, na medida em que o preceito não se refere a limites relativos à altura (cércea ou pisos) das edificações (como aliás outros preceitos, que regulam a edificação noutras zonas do PUCA, citados por nós e citados mesmo na sentença, expressa, literal e claramente estatuem, como é o caso do art. 28.º, que segue ao art. 27.º).

9) Não refere tal a letra do preceito, nem, ostensivamente, o refere a epígrafe do normativo que fala em uso e tipologia dominantes.

10) Quanto ao argumento a contrario que, extraordinariamente, a sentença tenta construir da letra do preceito, e isso mesmo é igualmente ostensivo, não se lhe vê qualquer valia lógico-cognitiva, porquanto para o suposto desenquadramento do dominante relevar nesse sentido era preciso que o preceito fixasse este desenquadramento como limite e… até, já vimos que não o fixa! 11) Isto é, o raciocínio tecido travestido de coisa a contrario é, isso sim, uma evidente e ostensiva tautologia! Elemento sistemático: 12) Quanto à circunstância de outros preceitos se referiram ao número máximo de pisos, deve liminarmente dizer-se que o que está em causa é a técnica que o legislador pode utilizar e utiliza para estipular as cérceas ou o número de pisos admitidos. Como todos sabemos, o legislador ou estipula um número máximo de pisos ou, entendendo não o dever fazer, remete para o enquadramento ou para a envolvente, existindo mesmo preceitos de diversa origem normativa, mormente no RJUE e RGEU que o fazem.

13) Não se sustentou que não existiam limites, o que se disse era que os mesmos não estavam previstos no art. 27.º do PUCA, mas resultavam antes, por remissão expressa deste, para outros dipositivos normativos, arts. 10.º e 11.º do PUCA, que regulam as condições de edificação em geral no âmbito territorial que constitui o PUCA.

14) Aliás, existem diversíssimos preceitos, que, como se faz nas zonas de equipamento (art. 38.º do PUCA), não estabelecem qualquer limite à cércea ou se referem a pisos máximos, resultando este, no que nos interessa, do estatuído no art. 10.º, n.º 2, ali. b).

15) Quanto ao trecho da sentença que se refere à falta de sentido de o legislador estabelecer limites (relativos aos pisos) à habitação multifamiliar e não o fazer relativamente à habitação unifamiliar, deve dizer-se que este trecho da sentença, lido no seu original, não tem sentido lógico-jurídico.

16) Sucede que o art. 27.º do PUCA admite outros usos e são estes que estão aqui em causa! 17) Mas… o aproveitamento que do raciocínio se poderia fazer sempre se evidenciaria profundamente errado. Com efeito, dissemo-lo e repetimo-nos, não defendemos que nesta zona não existem limites!! O que sustentamos é que esses limites são definidos, por remissão para o art. 10.º do PUCA, pelo menos no que toca a outro tipo de usos que não o habitacional que é que o nos interessa, à predominância, à envolvência e ao enquadramento da pretensão urbanística – o que a sentença insiste em não querer ver ou, pura e simplesmente, não concebe é que o limite de pisos ou cércea pode simplesmente resultar disto mesmo! Elemento teleológico: 18) No que se refere ao elemento teleológico, diz a sentença que a prescrição “(…) lida em conjugação com as demais prescrições para as várias tipologias, visa precisamente estabelecer limites claros à altura e características das construções de determinadas zonas, em função da sua tipologia dominante.” 19) Ora, no que de pertinente este trecho da sentença encerra no que se refere a este elemento interpretativo, temos que é notório o erro contido no aresto decorrente do facto de a tipologia nada ter a ver, ostensivamente, com o número de pisos, conceito este que até vem definido, nos precisos termos aplicados no art. 27.º do PUCA, na ficha 32 do Decreto Regulamentar n.º 9/2009, de 29 de maio.

20) Seria, aliás, inadmissível admitir que o legislador do PUCA, que usa corretamente os conceitos de cércea e de pisos em distintos normativos, viesse… aqui… neste normativo confundir a tipologia com o número de pisos… o que releva, para além do radical racional, na medida em que, como todos sabemos, não devemos presumir que o legislador, mormente da urbanística que é o que tratamos e que usa uma linguagem técnica própria, comete erros (ademais deste jaez e proporção).

21) Temos, pois e assim, quanto aos elementos interpretativos de que a sentença se serve para interpretar o art. 27.º do PUCA, que esta interpretou erradamente este normativo, não seguindo acertadamente as regras da interpretação dos normativos jurídicos plasmadas, entre o mais, no art. 9.º do CC, violando aquele art. 27.º do PUCA e este art. 9.º do CC e impondo-se por isso a sua revogação.

22) No que concerne ao trecho da sentença relativo ao que se alegou nos arts. 47.º e 48.º da pi., temos que é possível ler o art. 27.º do PUCA não como vendo nele escritas as palavras limite ou máximo de dois pisos que o legislador neste especifico preceito, ao contrário de outros, não utiliza, com o seguinte conteúdo: o parâmetro legal é só a dominante, que é de dois pisos, atendendo-se assim a que a vinculação é aquela e não esta, não sendo, pois, desta forma ilegal optar-se ou decidir-se pelos 1 ou 3 pisos, consoante a ponderação que se faça, em aplicação à situação concreta, do estatuído no art. 10.º do PUCA.

23) Ora, o que se sustentou neste enquadramento foi que o ato secundário, para decretar em legalidade a nulidade de um ato deste jaez, teria de se referir às condições de compatibilidade do art. 10.º. Só isto.

24) O que a sentença refere é, assim, completamente desfasado e errado, pois, naturalmente, a legalidade ou ilegalidade do ato que possibilitaria a declaração de nulidade estaria na aplicação dos distintos parâmetros a que se refere o art. 10.º do PUCA e não noutra consideração.

25) Isto é, a declaração de nulidade, ao não ter aplicado e sopesado na situação concreta o estatuído no art. 10.º do PUCA, sofre do vício de violação de lei por erro de facto nos seus pressupostos, ou sofreria do vício de falta de fundamentação, na medida em que nada justificou a este respeito, como devia.

26) Nesta conformidade, sobretudo e à mingua de qualquer elemento racional ou sistemático que inculque, como sustentámos, o oposto, não existindo uma só palavra na letra da lei que se refira a limites máximos de edificação, como sucede com outros preceitos do PUCA, não é possível arvorar a expressão predominam habitações de dois pisos como querendo dizer que existe um limite de edificação máximo de dois pisos, tendo-se assim, no limite, em utilização da norma e da vinculação à predominância (não aos pisos), que fazer uso dos parâmetros gerais de edificação (a esta predominância atinentes) constantes do art. 10.º e seguintes daquele instrumento normativo.

27) A sentença recorrida incorre, assim e também, em violação do art. 10.º do PUCA, devendo por isso ser revogada.

28) Não é admissível, num Estado de Direito, ler-se de uma lei o que ela não diz, introduzindo-se uma perfeita e racionalmente injustificada (mais um suposto piso em parte do edifício numa zona em que se diz ser predominante a habitação de dois pisos) insegurança na ordem jurídica, em afronta evidente à separação de poderes exigida pelos arts. 2.º e 111.º da Constituição da República (e, inclusive, ínsita ao art. 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem), assim afrontados pela sentença recorrida e que, também por força deste erro de...

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