Acórdão nº 00439/18.5BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 07 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução07 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO WPT, residente na Rua C…, 3000-121 Coimbra, propôs intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias contra a Conservatória do Registo Civil de Coimbra, com sede na Av. Fernão de Magalhães, nº 521, 3004-508, formulando os seguintes pedidos: a) que seja revogado “o ato da CRC de Coimbra de 21/04/2016 que indefere o pedido de aquisição de Nacionalidade Portuguesa por Naturalização formulado pelo aqui Requerente em 29/10/2015, a que se reporta o Doc. D em anexo”; b) que seja condenada “a entidade requerida a facultar ou a assegurar de imediato ao requerente o seu Cartão de Cidadão de que se encontrava e encontra carecido desde 29/10/2015 em cumprimento e respeito pela sentença de 21/10/2014, prolatada no Processo n.º 604/14.4BECBR, a que se reporta o Doc. B, em anexo”; c) que seja condenada “a entidade requerida a entregar ao interessado o documento/cartão de cidadão físico”; d) que seja condenada “a entidade requerida a reconhecer ao interessado o direito a beneficiar da isenção total do pagamento das taxas e/ou emolumentos julgados devidos pela emissão do necessário cartão de cidadão, nos termos facultados pelo disposto no artigo 15.º do CPA”; e) que seja ordenado à “entidade requerida que solicite nova informação ao SEF (V. Doc. A em anexo), na parte em que considera que o interessado não possui «6 anos de residência legal», bem assim que «apresenta neste momento o seu título caducado, pelo que se encontra em situação irregular em TN», por desconsiderar e ignorar o decidido na sentença de 21/10/2014, prolatada no Processo n.º 604/14.4BECBR, solicitando nova informação ao SEF”; f) que seja especificado “qual/quais o(s) responsável(eis) da CRC de Coimbra pelo indeferimento e pela não revogação do indeferimento em flagrante desrespeito respetivamente pela sentença de 22/10/2014 prolatada no Processo n.º 604/14.4BECBR e pela sentença de 12/07/2017 prolatada no Processo n.º 20/17.6ZRCBR (V. Docs. B e H, em anexo) devidamente transitadas em julgado”; g) que o tribunal determine o/os responsáveis pelo comportamento concreto a adotar quanto ao cumprimento da decisão que se requer, ou seja, o SEF e a CRC; h) que “o SEF preste nova informação à CRC, mediante solicitação desta, quanto à parte em que considera que o interessado não possui «6 anos de residência legal», devendo corrigir essa informação, bem como a que se refere que o Autor «apresenta neste momento o seu título caducado, pelo que se encontra em situação irregular em TN», devendo informar a CRC que o Autor se encontra em situação regular e legal em território nacional desde 2008 e sem interrupções”; i) que “a CRC revogue o ato de indeferimento do pedido de nacionalidade por naturalização e conceda a nacionalidade e emita o cartão de cidadão ao Autor”; j) que “seja dado prazo quer ao SEF, quer à CRC para dar cumprimento à decisão”; k) que seja fixada “adequada sanção pecuniária compulsória caso subsista o flagrante desrespeito ‘incumprimento’ pelas sentenças de 22/10/2014 e 12/07/2014 aí respetivamente proferidas, nos termos e para os efeitos prescritos, designadamente, nos artigos 111.º n.º 4, 159.º e 169.º nºs 1 e 2 do CPTA e 205.º nºs 2 e 3 da CRP”.

*Por sentença proferida pelo TAF de Coimbra foi julgada procedente a arguida excepção dilatória inominada de inadequação do meio processual e absolvida da instância a Entidade Demandada.

Desta vem interposto recurso.

Alegando o Requerente concluiu:

  1. A sentença sob recurso padece de nulidade por erro manifesto quanto aos respectivos pressupostos de facto e de direito em que se estriba, designadamente por violação do princípio pro actione.

  2. A situação em que se encontra o ora recorrente carece de uma decisão de mérito urgente e definitiva que ponha termo à situação de injustiça em que se encontra.

  3. O processo de intimação para proteção DLG é o meio processual adequado para proteger os seus direitos fundamentais.

  4. A decisão sob recurso violou as normas legais contidas nos artigos 109º e ss. do CPTA, 15º, 161º nºs 1 e 2 alíneas d) e i) e 162º nºs 1 e 2 do CPA e 2º, 3º nº 3, 205º nº 2 e 266º da CRP.

    Nestes termos, nos melhores de direito e com o suprimento, requer se dignem dar provimento ao presente recurso, revogando a sentença sob recurso, considerando verificados todos os pressupostos legais da presente intimação, com todas as legais consequências, como é de JUSTIÇA.

    *O Instituto dos Registos e do Notariado IP juntou contra-alegações, concluindo: I – Deve o recurso apresentado ser declarado improcedente e manter-se na ordem jurídica a sentença recorrida, porque é válida e não provada a nulidade da mesma, quanto a alguma das causas estatuídas, no artigo 615º, do CPC, e nomeadamente, pelo invocado “erro manifesto nos pressupostos de facto e de direito”, e violação do princípio “pro actione”, estatuído no artigo 7º do CPTA - não provados; II – Deve a Requerida Conservatória do Registo Civil de Coimbra, ser absolvida da instância por procedente a exceção invocada - artigos 89º, nº 1, 2 e 4, “entre outras exceções” do CPTA e artigos 576º e 577º do Código do Processo Civil “ex vi” artigos 1º e 35º do CPTA; ou, assim não se entendendo, III – Deve o Ato Administrativo de 21 de abril de 2016, que, indeferiu a Nacionalidade Portuguesa ao Requerente manter-se na ordem Jurídica, porque válido, tendo havido uma correta interpretação das normas de direito em vigor naquela data - artigo 6º, nº 1, alínea b) da LN - sendo competência própria do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, qualificar o conceito de Residência Legal, como tal definido conforme artigos 74º e 85º da Lei nº 23/2007 de 04/07, e sua alterações, que rege a Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do Território Nacional; Só assim se fazendo Justiça!*O Ministério Público emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

    A este respondeu o Requerente, concluindo como no recurso.

    *Cumpre apreciar e decidir.

    FUNDAMENTOS É este o discurso fundamentador da decisão recorrida, na parte que ora releva: Da falta dos pressupostos de admissibilidade da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias: Alega a entidade demandada que a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não é o meio processual administrativo adequado para questionar a legalidade da decisão de indeferimento do pedido do A. de aquisição da nacionalidade, uma vez que é necessário que esteja em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia e que a adoção da conduta pretendida seja apta a assegurar esse exercício, o que não se verifica em relação à decisão que indeferiu o pedido do A. de aquisição da nacionalidade. Mais refere que o recurso à intimação deve ter subjacente uma situação de urgência, que reclama uma decisão de mérito urgente e que se configura em função do tempo, ou seja, deve tratar-se de situações sujeitas a um período de tempo curto ou que digam respeito a direitos que devam ser exercitados num prazo ou data fixos, sendo certo que o A. não provou a indispensabilidade do recurso a este meio processual, nem se vislumbra a urgência do pedido para obter a concessão da nacionalidade portuguesa.

    Contrapõe o A., em suma, que a presente intimação é o meio adequado à sua pretensão, pois que se visa assegurar, em tempo útil, a concessão do seu direito à nacionalidade portuguesa e a sua permanência em território nacional, assim garantindo o direito ao ensino e ao reingresso no ensino superior, o direito a uma subsistência condigna, o direito a que lhe seja emitido o título académico, o qual lhe permitirá ingressar no mundo do trabalho e, assim, exercer o seu direito ao trabalho em igualdade de oportunidades.

    Vejamos.

    Dispõe o art.º 109.º, n.º 1, do CPTA que “a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º” (sublinhado e negrito nosso).

    O legislador estabelece, portanto, dois pressupostos específicos (cumulativos) para a utilização deste meio processual, a saber: (i) que a emissão urgente de uma decisão de fundo seja apta e indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia; (ii) que não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, no âmbito de uma ação administrativa.

    Assim, tratando-se de um meio processual urgente e principal, a lei delimitou-o em função de um elenco de situações mais ou menos restrito. Ou seja, estão em causa situações que exigem um especial amparo jurisdicional, por não se mostrar adequada, por impossibilidade ou insuficiência, a proteção jurídica que os demais meios urgentes conferem. Como refere abundantemente a doutrina, “o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é, assim, instituído como um meio subsidiário de tutela, vocacionado para intervir como uma válvula de segurança do sistema de garantias contenciosas, nas situações – e apenas nessas – em que as outras formas de processo do contencioso administrativo não se revelem aptas a assegurar a proteção efetiva de direitos, liberdades e garantias” (cfr. M. Aroso de Almeida e C. A. Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª ed., Almedina, 2017, p. 888).

    Nessa medida, a intimação veio concretizar o comando normativo previsto no n.º 5 do art.º 20.º da CRP, destinando-se, em primeira linha, a assegurar a defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais. Por outro lado, como o regime dos direitos, liberdades e garantias se aplica aos...

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