Acórdão nº 00310/16.5BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 07 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução07 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

JMBAP (R. de C....., nº 63, P…..

) e GJFCMS (R. de C....., nº 45, P…..

), interpõem recurso jurisdicional de decisão do TAF do Porto, que julgou improcedente acção intentada contra o Município P.....

(Praça G…), na sequência de ordem para desocupação de parcelas de terreno.

*Os recorrentes concluem: 1.

Nos termos do art. 83º, nº 4, do CPTA, embora a não impugnação circunstanciada do alegado na petição não implique confissão dos factos, deverá essa não impugnação ser valorada livremente pelo Tribunal para efeitos probatórios.

  1. No caso, tendo considerado o Meritíssimo Juiz a quo no Despacho Saneador que não havia matéria controvertida relevante, por ter a respectiva matéria sido alegada sem impugnação do R., por não estar em contradição com a defesa no seu conjunto nem com o p. a., e por ser facto relevante para a boa decisão da causa, deve aditar-se ao elenco factual constante da sentença recorrida um ponto 5. a), em que se diga: Quando os AA. se constituíram proprietários dos prédios identificados nos pontos 1. e 2., os terrenos identificados no ponto 3., encontravam-se incultos, nunca tendo sido concretizado pelo R. qualquer fim específico sobre os mesmos e nunca aos mesmos tendo sido conferido qualquer fim ou utilidade por nenhuma entidade pública.

  2. Como deve aditar-se-lhe um ponto 5. b), em que se diga: desde aquela aquisição, verificada em 1985 e em 1992, os AA. trataram esses terrenos como seus, os cuidaram, os integraram de forma indissociável nos seus prédios, os vedaram, os ajardinaram e cultivaram, a expensas próprias.

  3. Também um ponto 5. c), em que se diga: O que foi feito à vista de toda a gente, e, designadamente, do R., e sem qualquer oposição, até à notificação do acto impugnado.

  4. E, ainda, um ponto 9. a), em que se diga: Os terrenos em causa encontram-se em grande proximidade com o Parque da Cidade P…...

  5. O que pode e deve esse Venerando Tribunal fazer, nos termos do art. 662º, nº 1, do CPC, aplicável por remissão do art. 1º do CPTA.

  6. É verdade que a atribuição do carácter público dominial a um bem pode resultar de um mero facto ou de uma prática consentida pela Administração em termos de manifestar a intenção de consagração ao uso público.

  7. No caso, os terrenos em causa destinavam-se, pela “Planta Geral da Urbanização do Bairro de CEAA”, a jardim, cfr. ponto 8. do elenco factual constante da decisão recorrida.

  8. O Bairro de CEAA foi concluído em 1960 – cfr. ponto 7. do elenco factual constante da decisão recorrida.

  9. Não obstante, não foram então pelo R. efectivamente afectos a jardim os terrenos aqui em causa, como nunca o foram, tanto que, antes da “ocupação” dos AA. se encontravam incultos, cfr. proposto ponto 5. a), do elenco factual constante da decisão recorrida.

  10. Os AA. adquiriram os prédios contíguos com os terrenos em causa em 1985 e 1992, cfr. proposto ponto 5. b), do elenco factual constante da decisão recorrida.

  11. Os AA. integraram esses terrenos, fisicamente, no logradouro das respectivas habitações, vedando-os, cfr. ponto 4. e proposto ponto 5. b) do elenco factual constante da decisão recorrida.

  12. Os terrenos em causa foram ajardinados e cuidados pelos AA. e seus antecessores, cfr. proposto ponto 5. b) do elenco factual constante da decisão recorrida.

  13. Disso sempre soube o R., cfr. proposto ponto 5. c) do elenco factual constante da decisão recorrida.

  14. O R. notificou um dos AA., enquanto proprietário – como se lê expressamente na notificação - para proceder à limpeza do terreno, cfr. ponto 11. do elenco factual constante da decisão recorrida.

  15. O R. concedeu a um dos vizinhos dos AA. – que se encontra nas mesmas circunstâncias destes – autorização para edificação de uma rampa de acesso ao logradouro do seu prédio, que inclui o terreno “ocupado”, pela qual cobra taxas municipais, cfr. ponto 12. do elenco factual constante da decisão recorrida.

  16. O R. construiu muito próximo do local em que se situam os terrenos em causa, o Parque da Cidade, cfr. proposto ponto 9. a) do elenco factual constante da decisão recorrida.

  17. Assim, o R. manifestou formalmente a intenção de afectar os terrenos em causa ao domínio público, pelo que os terrenos foram integrados no domínio público municipal.

  18. Não obstante, nunca concretizou o R. essa intenção, nunca deu aos terrenos a utilização pública que manifestou pretender dar e não o fez durante já 57 anos.

  19. Os AA., ao menos logo após a aquisição do prédio confinante com os terrenos em causa, integraram esses, estes, de forma permanente, nesse prédio, através de vedação com muro, os ajardinaram e cuidaram.

  20. O que fizeram à vista e com o conhecimento do R., que a isso não manifestou qualquer oposição – fosse de que forma fosse - até à prática do acto impugnado.

  21. O R. criou, muito perto, o maior espaço verde municipal do P….., que serve, com enorme mais valia, todos os interesses, na zona, de utilização pública de jardins.

  22. O R., tanto tratou sempre os AA. como proprietários dos terrenos em causa que os intimou, enquanto tais, para a limpeza dos terenos em causa, e que autorizou um dos vizinhos em condições em tudo semelhantes a instalar uma rampa para automóvel de forma a aceder justamente ao terreno “ocupado”.

  23. Por tudo o que, ao contrário do decidido, não pode deixar de considerar-se que o R. desafectou, tacitamente, os terrenos em causa do domínio público municipal.

  24. É que os bens dominiais quando deixam de ter utilidade pública perdem o carácter dominial e ingressam no domínio privado da pessoa jurídica de direito público, deixando de ser imprescritíveis e inalienáveis, tal processo é designado por desafectação do domínio público que pode ser expressa ou tácita, e para que ocorra desafectação tácita é mister que a coisa pública, em si mesma, deixe de estar nas condições comuns de servir o fim da utilidade pública e passe a estar nas condições comuns aos bens do domínio privado da Administração Pública.

  25. O que é patente ser o caso, pois os terrenos em causa não tiveram efectivamente qualquer utilidade pública ao longo de 57 anos e – integrados indissociavelmente, como estão, em prédios privados - não estão em condições de servir qualquer fim de utilidade pública, até porque, hoje, atenta a existência, ao pé, do Parque da Cidade, nenhuma haveria com um mínimo de relevo.

  26. Foi o R. que não deu qualquer utilização aos terenos em causa, que os viu ser utilizados – aliás para o fim a que os destinava – pelos AA., que os viu serem apropriados – pela integração no logradouro dos prédios dos AA. - e nada fez, ou disse, e que, até, tratou os AA. e seus vizinhos como proprietários destes, ao exigir-lhes, enquanto tais, a sua limpeza, e ao cobrar-lhes taxas municipais pela instalação de rampas de acesso.

  27. Há mais de 25 e de 32 anos, ao menos desde a data em que adquiriram os prédios confinantes com os terrenos em causa, integraram os AA. nesses, de forma permanente, assim os mantendo até hoje, os ajardinaram – o que era exactamente o fim a que os mesmos se pretendiam destinar – e cuidaram, agindo como seus proprietários.

  28. O que fizeram à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, designadamente do R. que, até, como proprietários os tratou.

  29. Pelo que os adquiriram por usucapião.

  30. Sendo que, desafectados que estavam do domínio público, por essa via se podiam – e podem – efectivamente adquirir.

  31. O acto administrativo impugnado é ilegal, por violação dos arts. 3º, 4º e 7º do CPA, pois tal acto, não visando qualquer finalidade relevante para o interesse público, nada acrescentando a este, é contraditório com comportamentos anteriores do R., lesando direitos adquiridos dos AA. e, até, inconstitucional, por violação do art. 62º da CRP, pois implicaria uma expropriação sem utilidade pública e sem o pagamento da justa indemnização.

  32. Os terrenos em causa foram tacitamente desafectados do domínio público.

  33. Os terrenos em causa foram adquiridos pelos AA., por usucapião, nos termos dos arts. 1287º, 1296º e 1316º do CC.

  34. Ao decidir em contrário, a sentença recorrida violou os mencionados dispositivos legais e constitucional.

    *Contra-alegou o recorrido, dando em conclusões: A.

    A douta sentença proferida pelo tribunal a quo e ora colocado em crise pelos Recorrentes é justa, bem fundamentada e inatacável, demonstrando uma aplicação exemplar das normas jurídicas, pelo que deverá ser confirmada por V. Exas.

    B.

    Louvando-se no disposto no nº 4 do artigo 83º do CPTA e no facto de “ter a respectiva matéria sido alegada sem impugnação do R., por não estar em contradição com a defesa no seu conjunto nem com o p.a.” [Cfr. conclusão 2.

    ], propugnam os Recorrentes a introdução na matéria dada como provada dos pontos 5 a), b) e c), 9 a)16 [16 Pontos referidos nas alegações de recurso.] C.

    A presente lide trata primacialmente da impugnação de um acto administrativo, pelo que, no que concerne ao ónus de impugnar, se aplica o nº 4 do artigo 84º do CPTA, no qual se “a falta de impugnação especificada” neste tipo de acções “não importa a confissão dos factos articulados pelo autor”.

    D.

    Mas se quisermos ir até mais longe, sublinhem-se as considerações de Abílio Neto no comentário ao artigo 574º do Código Civil, que refere que “a ampla liberalização do ónus de impugnação, implementada pela reforma de 2013, reconduziu-o a uma função minimalista, porquanto, por um lado, o réu passou a estar obrigado a tomar uma posição clara apenas “sobre os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor”, ou sejam sobre os factos e razões de direito que servem de fundamento à acção, avaliados por um juízo de causa-efeito entre esses factos e o direito (casa de pedir) e o pedido, na lógica do autor (ou noutra lógica que o tribunal entenda adequada), e...

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