Acórdão nº 01878/18.7BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 21 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução21 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório O DM, devidamente identificado nos autos, no âmbito da Providência Cautelar, que apresentou contra a FPF e AFVC, na qual requereu a “suspensão da eficácia quer da norma contida no art. 25.º, n.º 1, do RECITJ, aprovado pela Direção da 1ª Requerida, na reunião de 25.06.2015, publicado em 30.06.2015, através do Comunicado Oficial n,º 435, quer da norma na Tabela 6, do Comunicado Oficial n.º 1 - 2018/2019, publicado em 30 de Junho de 2018, sob a epígrafe “Quotas de transferência de clube estrangeiro para clube nacional”, estabelecendo que as quotas a pagar, pelos clubes nacionais, nas transferências internacionais para clubes nacionais de campeonatos distritais, de futebol sénior masculino, são de € 1.065, por cada jogador de futebol” amador.

O DM, inconformado com a decisão proferida em 27 de setembro de 2018, no TAF de Braga, que declarou o “tribunal administrativo de círculo incompetente em razão da jurisdição para conhecer da matéria patente no presente processo cautelar”, veio interpor recurso jurisdicional da referida Sentença em 15 de outubro de 2016, no qual formulou as seguintes conclusões: “1.

O Comunicado Oficial n.º 1, para a época desportiva 2018/2019, na tabela 5 fixou a quota de transferência entre clubes nacionais, por cada jogador nacional de futebol amador, a pagar pelo clube a disputar os campeonatos distritais, no valor de 37,50€ (trinta e sete euros e cinquenta cêntimos). Por sua vez, na tabela 6 fixou a quota a pagar, pelo clube a disputar os campeonatos distritais, de transferência de clube comunitário para clube nacional, por cada jogador comunitário de futebol amador.

O valor de 1.065€ (mil e sessenta e cinco euros).

  1. A 1ª requerida, delegou na segunda 2ª requerida, também esta melhor identificada na P.I., a competência para a organização do processo de inscrição e do registo de jogadores dos clubes do Distrito de Viana do Castelo, sujeito a homologação daquela. É através da 2ª requerida que é efetuado o registo da transferência dos jogadores e é efetuado pagamento da quota requerente a esse ato à 1ª requerida.

  2. O requerente pretende proceder ao registo das inscrições dos jogadores de futebol séniores amadores, para a época de 2018/2019, sendo que de entre os registos pretendidos estão as transferências de dois jogadores séniores amadores de nacionalidade de um Estado-Membro, naturais do Reino de Espanha.

  3. De acordo com a tabela 6 do Comunicado Oficial n.º 1, para a época desportiva 2018/2019, a 2ª Requerida exige ao Requerente, para registo dos dois jogadores, o valor de 2.130 € (dois mil cento e trinta euros). Valor que o Requerente não consegue suportar dada a sua exígua receita.

  4. Apesar de toda a factualidade alegada pela requerente na sua PI e da admissão liminar da providência cautelar interposta, a douta sentença recorrida, apenas considerou o Tribunal Administrativo de Círculo incompetente em razão da jurisdição para conhecer da matéria patente no processo cautelar, absolvendo as requeridas da instância cautelar, por entender: (1º) Que o tribunal Arbitral do Desporto detém competência exclusiva para conhecer e julgar os litígios respeitantes à validade de normas regulamentares emitidas ao abrigo de poderes públicos.

  5. Com todo o respeito, parece-nos que a douta sentença, ora recorrida, assentou em erro nos pressupostos de direito.

  6. Com efeito, por meio da atribuição, às federações desportivas, do estatuto de utilidade pública desportiva, são-lhe concedidos poderes públicos, o que impede a submissão da atuação dos órgãos federativos a um quadro normativo exclusivo de direito privado, baseado na natureza jurídica privada de que se reveste a associação.

  7. Nos termos do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 93/2014, que estabelece o regime jurídico das federações desportivas e as condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva, “têm natureza pública os poderes das federações desportivas exercidos no âmbito da regulamentação e disciplina da respetiva modalidade que, para tanto, lhe sejam conferidos por lei”.

    Significa isto que, o exercício de poderes públicos, na atuação dos órgãos das federações, manifesta-se por meio da prática de atos administrativos ou aprovação de regulamentos administrativos.

  8. Ora, a impugnação de tais atos, é constitucionalmente outorgada à jurisdição administrativa, cuja competência material cabe aos tribunais administrativos por meio da conjugação do n.º 3 do artigo 212.º e n.º 4 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa com os artigos 1.º e 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

  9. Dado que em causa, no caso concreto, se pretende aferir da legalidade de norma constante de regulamento, aprovado pela 1ª Requerida no exercício de poderes públicos, entende-se assim que a competência para apreciar da ação recai nos Tribunais Administrativos.

  10. Constitui princípio invadeável que o TAD não tem o monopólio para apreciar todas as questões que relevam do ordenamento jurídico desportivo, designadamente, aquelas em que são dirimidas ofensas constitucionais e legais destinadas a proteger valores e interesses estranhos ao fenómeno desportivo, sendo estas da competência exclusiva dos tribunais do Estado.

  11. Ainda assim, não podemos deixar de nos debruçar sobre o disposto no artigo 1.º, n.º2 da Lei n.º 74/2013, na redação dada pela Lei n.º33/2014 de 16 de Junho, relativo à natureza e regime do TAD: “O TAD tem competência específica para administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto”.

  12. Olhando, primeiramente, para a parte final do artigo, este remete-nos a litígios “relacionados com a prática do desporto”. Ora, não é plausível afirmar-se que o litígio esteja relacionado com a prática de desporto na medida em que o não pagamento da taxa em análise culmina na impossibilidade de inscrição de jogador no clube e, consequentemente, de participação na competição desportiva. Nessa medida, não se revela exequível falar em “prática de desporto” pois o atleta não chega sequer a obter a qualidade de jogador.

  13. É incontestável que, no caso em apreço, estamos diante de um litígio que releva do ordenamento jurídico desportivo, todavia, as violações perpetradas pela norma cuja legitimidade é aqui questionada vão muito além do ordenamento jurídico desportivo.

    Estamos perante uma situação de desrespeito de um direito fundamental, constitucionalmente consagrado, e de um princípio basilar do Estado de Direito.

  14. O artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa dispõe que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”, não podendo “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.

  15. Qualquer tratamento diferenciado, que não apresente justificação válida, não será tolerado. Por isto, como corolário do princípio da igualdade, surge-nos um outro, o da proibição da discriminação, sendo que, por discriminação, entender-se-á qualquer diferenciação arbitrária. Assim, é proibida a discriminação em razão, designadamente, do território de origem.

  16. Também a CRP, consagra, no seu artigo 79.º o Direito à Cultura física e desporto, com a seguinte redação: “1. Todos têm direito à cultura física e ao desporto.

  17. Incumbe ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e coletividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, bem como prevenir a violência no desporto.”.

  18. Da conjugação dos artigos 13.º e 79.º da CRP, deriva uma obrigação Estadual no sentido de garantir, conjuntamente com as associações e coletividades desportivas, o direito de todo e qualquer cidadão, independentemente do seu país de origem, à cultura física e ao desporto.

  19. Ora a norma cuja legalidade é trazida a apreciação, ao estabelecer um valor, além de distinto do disposto para os nacionais, excessivamente elevado para a inscrição de atletas estrangeiros ou provenientes de outro estado comunitário, sem que para tal apresente justificação válida, viola não só o princípio da proibição da discriminação, enquanto corolário do princípio da igualdade, como também o direito constitucionalmente consagrado à Cultura física e ao desporto.

  20. Forçosamente, torna-se imperativo que diante de tal circunstância, seja a causa julgada no âmbito dos tribunais estaduais e não de um tribunal de natureza privada, como o é o Tribunal Arbitral do Desporto.

  21. Ainda que tudo o demais supra...

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