Acórdão nº 01426/08.7BEPRT-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 21 de Janeiro de 2010
Magistrado Responsável | Drª Ana Paula Soares Leite Martins Portela |
Data da Resolução | 21 de Janeiro de 2010 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
PADARIAS …, LDA., com sede na Rua …, V. N. de Gaia, vem interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo TAF DO PORTO em 14/09/2009, que julgou improcedente a Providência Cautelar instaurada contra o MUNICÍPIO DE V. N. DE GAIA, em que peticionava a suspensão de eficácia do acto administrativo que ordenou a cessação de utilização do estabelecimento comercial na parte respeitante à zona de fabrico e instalações destinados aos funcionários.
Para tanto alegam em conclusão: “1. Foram dados como provados dois factos, erradamente, porquanto não resultou da prova produzida em audiência a sua ocorrência.
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A decisão proferida viola em toda a linha o disposto no art. 120º nº 1 ali. b) do CPTA, uma vez que todos os requisitos do critério de decisão da providência conservatória instaurada, mostram-se devidamente preenchidos.
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O Tribunal deu como provados os seguintes dois factos: Facto nº 3 “Aquando do fabrico de pão no referido forno, o mesmo causa fumos e exala o respectivo cheiro, entrando aqueles na casa de alguns vizinhos, obrigando-os a secar a roupa dentro de casa, causando-lhes incómodos, bem assim como os métodos e as máquinas de fabrico realizam barulhos a partir das 23 horas até de madrugada, ocasionando dificuldade de descanso a alguns moradores – depoimento das testemunhas M.... e A....”; Facto nº 5 “O fabrico de pão já funcionou em tempos com recurso a forno eléctrico – depoimento das testemunhas”. 4. Esses dois factos foram erradamente provados, porquanto para além dos depoimentos das testemunhas não terem sido gravados quando a Lei assim o impõe, 5. Em primeiro lugar porque foi expressamente referido pelas testemunhas da contra-interessada, na parte final dos seus depoimentos, que a verdadeira intenção delas era deixar de ter o estabelecimento nesse prédio e não que ele causasse os prejuízos supra descritos.
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Por outro lado, se assim fosse, não se descortina porque motivo aquando da realização de uma assembleia de condóminos destinada a deliberar a pretendida confirmação que aquele espaço era idóneo para a actividade de fabrico e comércio de pão e produtos afins, quatro desses condóminos tenham votado a favor. Essa constatação resultou do depoimento das próprias testemunhas da Contra-Interessada.
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Por outro lado, a Recorrente não tem memória de ter sido referido em audiência que no seu estabelecimento tenha funcionado um qualquer forno eléctrico antes do forno a lenha.
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Tanto mais que, segundo consta da anterior decisão anulada pelo Tribunal Central Administrativo, apenas ficou fundamentado que havia a possibilidade de ali ser colocado um forno eléctrico e não que, outrora havia tal forno.
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Centrando agora a nossa atenção na segunda premissa de recurso, urge alegar que quanto ao “periculum in mora” estamos em crer que ficou testemunhal e documentalmente provado o fundado receio de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a Recorrente visa assegurar no processo principal.
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Pela prova produzida desde logo resultou que a cessação da actividade do estabelecimento comercial no que respeita à zona de fabrico e de instalações dos funcionários, arrastará inevitavelmente consigo o encerramento de todo o estabelecimento comercial.
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Sem essa parte a Recorrente não terá espaço suficiente na “loja” para poder exercer a actividade de panificação e sem actividade de panificação de nada serve existir aquele estabelecimento, cujo quase exclusivo volume de negócio dela decorre.
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Com essa cessação da actividade a Recorrente incorrerá necessariamente em incumprimento contratual para com os seus clientes e terá obrigatoriamente de despedir os trabalhadores, vendo-se também, legalmente forçado a indemnizá-los.
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Para além desses prejuízos, o fechar de portas da zona de fabrico acarretará a inutilidade dos equipamentos adquiridos para todo o estabelecimento, com muito esforço e fruto das poupanças de uma vida, para não falar na matéria-prima comprada aos fornecedores ora elencados, que perderá o seu valor.
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Destarte, deste conjunto de factos, é imediatamente apreensível que a cessação da actividade naquele estabelecimento enquanto estiver pendente a acção principal causará à Recorrente prejuízos incalculáveis a curto prazo.
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Acresce que o Tribunal a quo ao fundamentar a ausência do “periculum in mora” no simples pressuposto que seria fácil para a Recorrente passar a ter um forno eléctrico e que não seria dispendioso passar a arrendar um outro espaço, com os custos acrescidos daí inerentes, em detrimento daquele que ocupa gratuitamente, está a fazer uma errada interpretação da génese daquele requisito.
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Com efeito, não se consegue descortinar a que título o colocação do forno eléctrico permitiria ultrapassar o “periculum in mora”, quando não ficou sequer provado que a entidade administrativa eventualmente aceitasse essa alteração como uma forma daquele espaço vir a ser licenciado para a actividade de fabrico de pão.
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Tal argumento, isolado deste outro facto essencial (a Recorrida aceitar a sua colocação), não permite de todo afastar o receio da Recorrente, porquanto nada nem ninguém lhe garantiu nem garante que caso viesse ou venha a alterar o tipo e características do forno, veria o seu pedido de licenciamento deferido.
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Para além disso, o argumento de que a Recorrente ao passar de um espaço que ocupa gratuitamente para um futuro arrendado, só pode funcionar a contrario do argumento invocado pelo Tribunal a quo, 19. Dando ainda mais substância ao “periculum in mora”, em virtude de se tornar mais notório que uma qualquer mudança de instalações, para um espaço em que tivesse de efectuar o pagamento de uma renda, revestiria um esforço financeiro insuportável face ao parco rendimento que a Recorrente aufere da actividade de fabrico de pão.
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Por outro lado, não é manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal ou a existência de circunstâncias que obstem ao conhecimento do seu mérito. Bem pelo contrário.
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Conforme foi alegado pela Recorrente, a esse respeito é necessário trazer à colação o uso que pode ser dado à mencionada fracção “AG”, tal como consta do título constitutivo da propriedade horizontal aprovado.
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Nele é referido que a fracção “AG” se destina a “estabelecimento e lavabo com arrecadação adjacente e logradouro, no 2º piso, com entradas pelos números 1223 e 1223 – A, constituída por estabelecimento e lavabo ocupando 48 m2, arrecadação com 560m2 e logradouro com 225m2.” 23. Ora, da análise desse título, apenas se pode considerar que o uso daquela fracção, constituída (para o que ao caso interessa) por estabelecimento e arrecadação adjacente é destinado ao exercício de uma determinada actividade, seja ela comercial ou industrial, 24. Constituindo a arrecadação adjacente um anexo de apoio à actividade desenvolvida e a desenvolver naquele estabelecimento.
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A razão de ser deste entendimento vai de encontro ao disposto no regime legal de funcionamento dos estabelecimentos de restauração e bebidas, instituído pelo DL. nº 234/07 de 19.06, quando o seu art. 2º nº 4 prevê a possibilidade de um estabelecimento deste tipo dispor de instalações destinadas ao fabrico próprio de pastelaria e panificação.
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Por outro lado, o uso daquela fracção só foi fornecido pela propriedade horizontal e nesta não é mencionado “armazém”, mas sim e somente “arrecadação adjacente”.
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Assim sendo, a Recorrida ao apelar à definição de armazém está a ir mais além do que o próprio título, emprestando-lhe uma interpretação abusiva e errada.
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Acresce ainda que desse título constitutivo não se pode inferir que, mesmo se considerando por mera hipótese académica que aquela arrecadação se destina ao armazenamento, não possa também ser exercido o fabrico próprio de panificação.
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Isto porque, jamais existiu qualquer licença de utilização para aquele espaço que permitisse, agora, chegar à conclusão que foi dado um diferente uso. De resto foram as próprias testemunhas da autarquia que o disseram à viva voz em sede de audiência.
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Ora, se falta essa premissa inicial, não pode, por adivinhação chegar-se à premissa secundária de que o uso foi alterado, como pretende a autarquia fazer crer.
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Nessa senda, ao facto nº 9 dado como provado, onde se diz que “A fracção «AG» não detém licença de utilização para funcionamento de estabelecimento industrial”, também deveria dizer-se que não tem para esse uso nem para qualquer outro porque jamais foi emitida uma qualquer LICENÇA DE UTILIZAÇÃO para aquele espaço por parte da autarquia.
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Para além disso, jamais foi dado um diferente uso a essa fracção.
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Desde o começo da ocupação daquela fracção, que coincidiu com a compra da mesma por parte do proprietário M..., foi sempre exercida a actividade de fabrico próprio de panificação.
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Por conseguinte, não é possível à Recorrida nem ao Tribunal considerar que naquela fracção está a ser dado um uso diferente em virtude de faltar a licença de utilização, único título válido para esse fim.
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Deste modo, não concorda a Recorrente com o Tribunal a quo, quando este refere não se verificar a aparência do direito.
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Ora, se legalmente o uso é conferido pela licença de utilização e esta não existe no caso vertente, julga-se por demais manifesto que todos os silogismos realizados pela autarquia estão feridos de morte, ao partirem de um pressuposto que não existe, daí o fundamento para ter sido peticionada a suspensão de um acto ferido de anulabilidade, 37. Por último, convém referir que a Recorrente e a Recorrida demonstraram ser do tipo 4, antiga Classe D, a indústria que se exerce naquele local.
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O que foi vivamente demonstrado ser possível na senda do...
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