Acórdão nº 01842/04.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 25 de Março de 2010
Magistrado Responsável | Drº José Augusto Araújo Veloso |
Data da Resolução | 25 de Março de 2010 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Relatório A… – residente na rua …, César – interpõe recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] de Aveiro – em 29.05.2009 – que absolveu o Município de Vale de Cambra dos pedidos que contra ele havia formulado – o acórdão recorrido culmina acção administrativa especial em que o ora recorrente pede a anulação da deliberação camarária de 07.06.2004, que lhe indeferiu requerimento de emissão de licença para edificação de posto de combustíveis líquidos de classe C, pede a condenação do demandado à prática do acto devido, e pede, ainda, a condenação dos seus membros, responsáveis por esta prática, em sanção pecuniária compulsória.
Conclui as suas alegações da forma seguinte: 1- As disposições combinadas dos artigos 268º nº3 da CRP e 124º do CPA exigem que os actos administrativos sejam fundamentadas em termos de facto e de direito; 2- De acordo com a doutrina e a jurisprudência, a fundamentação deve ser sucinta, clara, concreta, congruente e contextual, e permitir ao destinatário, no contexto da prática do acto administrativo, e atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, entender e apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão; 3- Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, por contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto; 4- A fundamentação do acto através de juízos conclusivos não é verdadeira fundamentação exigida pelo artigo 268º nº3 da CRP, nem pelo artigo 1º do DL nº256-A/77 [hoje artigo 124º do CPA], conforme aresto do STA [Pleno] de 24.01.91; 5- A fundamentação de facto, valorizada pelo Tribunal a quo para justificar, consiste nos seguintes pseudo-fundamentos: “o prédio onde o autor pretende instalar o posto de abastecimento de combustíveis localiza-se em zona residencial, com moradias de um lado e de outro da estrada; próximo de uma escola de 1º ciclo de ensino básico; com grande trânsito de peões” conforma meros conceitos conclusivos, insusceptíveis de fundamentar os actos em questão; 6- Não foi explicitado o conceito de “zona residencial” usada pelo tribunal; 7- Também não foi esclarecido porque razão ou razões os conceitos conclusivos de existência de moradias, proximidade de escola, grande trânsito de peões, são incompatíveis com a existência do posto de abastecimento de combustíveis; 8- Esse esclarecimento era tanto mais necessário, quanto é certo terem sido alegados factos que afastavam essa incompatibilidade; 9- Assim, falha em absoluto, em termos de fundamento, a relação causa/efeito entre os pseudo-argumentos e a incompatibilidade com a existência do posto de combustíveis; 10- Quanto à existência de fundamentação de direito, o tribunal recorrido lançou mão do regime do artigo 8º nº1 e nº2 alíneas a) b) e c) do Regulamento do Plano Director Municipal de Vale de Cambra [R/PDM]; 11- Só que aquele nº1 prevê, expressamente, a possibilidade de construções, em zonas para habitação, ainda que afectas a comércio, equipamentos, serviços e excepcionalmente industriais, o que em nada afecta ou prejudica a pretensão do autor, antes lhe dando cobertura; 12- Por sua vez, as alíneas a) b) e c) do nº2 desse R/PDM, enunciam as consequências: ruídos, vibrações, fumos, maus cheiros, infiltrações, resíduos poluentes ou que agravem as condições de salubridade, perturbação das condições de trânsito ou estacionamento, e que acarretem graves riscos de incêndio ou explosão, como consubstanciadores de factores criadores de incompatibilidade do exercício destes usos naquelas zonas habitacionais; 13- Todavia, inexiste nas decisões impugnadas a invocação de qualquer destas consequências como fonte da incompatibilidade em questão, o que gera total falta de fundamentação de direito; 14- O autor conhece os pseudo-argumentos usados para indeferir a sua pretensão, todavia, desconhece como os mesmos foram apreciados e valorados, de molde a permitir a decisão de indeferimento; 15- O que é tanto mais grave quanto é certo que esses mesmos argumentos, noutra situação, conduziram a situação diferente; 16- Por outro lado, o tribunal a quo ao perfilhar o ofício da Junta de Codal, que se pronuncia, de forma conclusiva, sobre sinistralidade e alta velocidade, violou ostensivamente o regime da prova documental ínsito nos artigos 362º e seguintes do Código Civil [CC]; 17- Este oficio não é um documento autêntico, e ainda que o fosse, só faria prova plena dos factos atestados com base em percepções do documentador, ou dos que se passam na sua presença, e nunca da veracidade, validade ou eficácia jurídica dos factos atestados; 18- Assim, não poderia o tribunal considerar, como considerou este facto, como fundamento dos actos impugnados, estranhando-se que o tribunal use os conceitos conclusivos de elevada sinistralidade e elevadas velocidades, como fundamentação de um acto administrativo; 19- O vício de violação de lei é aquele vício do acto administrativo que consiste na desconformidade entre os pressupostos e/ou o conteúdo do acto concreto e a previsão da situação e/ou o comando contidos na norma imperativa [Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, página 463]; 20- É sindicável pelo tribunal a existência ou não dos pressupostos de facto que estiveram na base da prolação do acto administrativo, como, igualmente, o é a apreciação da forma certa ou errada como esses factos foram apreciados pela Administração; 21- O autor alega que os pseudo-argumentos usados para indeferir a sua pretensão são, por um lado, falsos, e, por outro, se encontram erradamente apreciados e valorados; 22- Além disso, alega também materialidade, que, demonstrada, prova o erro na apreciação dos pressupostos feitos pela demandada e ainda que os demais pressupostos de facto evidenciam inexistir qualquer incompatibilidade entre o posto de abastecimento de combustíveis e as quatro moradias existentes na zona; 23- A demandada não contestou esta materialidade, pelo que, nos termos do artigo 83º nº4 do CPTA deveria a decisão judicial recorrida ter apreciado livremente essa conduta para efeitos de prova, dando tais factos como provados; 24- Mas ainda que assim se não entendesse, deveria ao abrigo do artigo 87º nº1 alínea c) do CPTA ter-se aberto um período de produção de prova, por tal matéria ser absolutamente imprescindível para a decisão a proferir; 25- A sentença recorrida interpreta, erradamente, a confissão feita pelo autor sobre a existência de 4 moradias, por ela, por si e no contexto em que se integra, ser incapaz de traduzir qualquer incompatibilidade com a existência de um posto de combustíveis; 26- A sentença recorrida, ao invés do que faz com os factos que usa para justificar os actos administrativos, não valorizou a materialidade de sinal oposto, alegada pelo autor, tal como ser a escola frequentada por poucos alunos, que são transportados em veículo automóvel ou são acompanhados por adultos, não cuidando de saber se os factos que justificam a decisão são verdadeiros ou falsos; 27- Para que ocorra vício de desvio de poder exige-se, em geral, que a Administração actue com o propósito, consciente e deliberado, de prosseguir fim dissonante desse mesmo poder que lhe é atribuído pelo ordenamento jurídico; 28- Constitui pressuposto deste vício a existência de dolo, isto é, a intenção voluntária e consciente de prosseguir um fim ilegal, na hipótese de um interesse público ceder perante interesse privados; 29- Mas, se um fim público for ceder perante outro, que a lei não contemplou, não é necessária a intenção, podendo o desvio de poder resultar de simples erro de interpretação da lei; 30- Ora, o autor alegou factos que, desde que provados, impõem a aprovação do posto de combustíveis; 31- Porque evidenciam que o acto administrativo não prossegue o fim constante das disposições combinadas do artigo 8º nº1 e nº2 alíneas a) b) e c) do R/PDM de Vale de Cambra; 32- Com efeito, nas zonas residenciais, seja qual for o seu conceito, são possíveis outros usos, desde que não gerem consequências previstas nas alíneas mencionadas, consubstanciadoras de incompatibilidade à luz deste regime; 34- O poder conferido à demandada, nos termos mencionados, foi usado, para prosseguir um fim contrário ao que se encontra plasmado nessas normas; 35- Bastando o simples erro de interpretação da lei para que ocorra desvio de...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO