Acórdão nº 00769/09.7BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 06 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelFrancisco Rothes
Data da Resolução06 de Maio de 2010
EmissorTribunal Central Administrativo Norte
  1. RELATÓRIO 1.1 O Serviço de Finanças de Espinho instaurou uma execução fiscal contra uma sociedade para cobrança coerciva de dívidas provenientes de coimas aplicadas em processo de contra-ordenação fiscal e de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA). Verificada a insuficiência do património social para responder pelas dívidas, reverteu a execução fiscal contra José Manuel (adiante Executado por reversão, Reclamante ou Recorrido), na qualidade de responsável subsidiário pelas dívidas exequendas.

    1.2 Este, invocando o disposto no art. 23.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária (LGT) e alegando que o património da sociedade originária devedora ainda não estava excutido, pediu ao Chefe daquele serviço de finanças a suspensão da execução fiscal, pedido que este indeferiu.

    1.3 O Executado por reversão, invocando o disposto no art. 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamou para o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro pedindo a anulação do despacho que indeferiu a pretendida suspensão, resumindo a sua alegação em conclusões do seguinte teor: « A) Quer aquando da reversão da execução quer actualmente existe no património da originária executada um estabelecimento comercial, objecto de penhora.

    B) Não está, assim, excutido todo o património da originária executada.

    C) Nos termos do [n].º 2 do art.º 22.º da LGT é possível a reversão contra o responsável subsidiário em caso de fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, mas esta possibilidade não afasta o benefício da excussão.

    D) Para compatibilizar a possibilidade da reversão antes da excussão com o benefício da excussão, determina o art.º 23.º, n.º 3, da LGT que o processo de execução fiscal fique suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do originário executado, sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei.

    E) O despacho reclamado, ao não suspender a execução nos invocados termos, interpreta e aplica erradamente o aludido preceito legal» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, são transcrições.

    ).

    1.4 O Chefe do órgão de execução fiscal manteve o acto reclamado e remeteu os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, cuja Juíza, apreciando a reclamação, proferiu sentença em que decidiu: – «julgar inconstitucional a norma do artigo 8º do Regime Geral das Infracções Tributárias, quando interpretada no sentido de que consagra uma responsabilização subsidiária que se efectiva através da reversão da execução fiscal contra as pessoas nele indicadas, julgando-se, em consequência, extinta a execução contra Maria da Conceição Sarmento Azevedo de Sousa Oliveira e José Manuel de Sousa Oliveira, no que respeita às dívidas de coimas e despesas aplicadas à sociedade executada»; – «anular o despacho reclamado, que recusou suspender a execução pelas dívidas relativas a IVA, ao abrigo do nº 3, do art. 23º, da LGT».

    1.5 A Fazenda Pública interpôs recurso dessa sentença para o Tribunal Central Administrativo Norte, apresentando conjuntamente com o requerimento de interposição de recurso as respectivas alegações, que resumiu nas seguintes conclusões: « 1. A douta sentença recorrida julgou procedente a reclamação deduzida ao abrigo do artº 276º do CPPT, 1.1. Em relação às COIMAS, baseada na inconstitucionalidade material da norma do artº 8º do RGIT, considerando-a não compaginável com os princípios constitucionais da intransmissibilidade de penas, da presunção da inocência do arguido e da audiência e de defesa do arguido, plasmados nos artºs 30º, nº 3, 32º, nºs 2 e 10 da CRP; 1.2. e em relação ao IVA, considerando que o despacho que recusou suspender a execução não respeitou os comandos normativos contidos no nº 3 do artº 23º da LGT.

    COIMAS2. O Tribunal Constitucional, através do Ac. nº 129/2009, de 12 de Março de 2009, já se pronunciou sobre a questão controvertida, no sentido de não julgar inconstitucionais as normas das alíneas a) e b) do nº 1 do artº 8º do RGIT, aprovado pela Lei nº 1512001, de 5 de Junho, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processos de contra-ordenação.

  2. Na esteira da mesma jurisprudência, o que está em causa não é a mera transmissão de uma responsabilidade contra-ordenacional que era originariamente imputável à sociedade ou pessoa colectiva, mas sim um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente, e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduz o pagamento da multa ou coima que eram devidas.

  3. O simples facto do montante indemnizatório corresponder ao valor da coima por pagar, não permite extrair a conclusão de que se verifica a transmissão para o administrador ou gerente da responsabilidade contra-ordenacional, mas apenas traduz que é essa, de acordo com os critérios da responsabilidade civil, a expressão pecuniária do dano que ao lesante cabe reparar, que é necessariamente coincidente com a receita que deixa de ter dado entrada nos cofres da Fazenda Nacional.

  4. Na previsão da norma do artigo 8º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT, não está previsto qualquer mecanismo de transmissibilidade da responsabilidade contra-ordenacional, pelo que também não ocorre qualquer violação do disposto no artigo 30º, n.º 3, da Constituição.

  5. O artigo 8º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT, ao não consagrar uma modalidade de transmissão para gerentes ou administradores da coima aplicada à pessoa colectiva, também não pode colidir com o princípio da presunção da inocência do arguido, consagrado no nº 2 do artº 32º, da CRP, a que a douta sentença recorrida também parece fazer apelo para julgar materialmente inconstitucional o preceito.

  6. O artigo 8º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT também não viola os direitos de audiência e de defesa que a Constituição estabelece no nº 10 do artº 32º da CRP, pois tal como já se pronunciou o Tribunal Constitucional, não estamos perante uma imputação a terceiro de uma infracção contra-ordenacional relativamente à qual este não tenha tido oportunidade de se defender, mas perante uma mera responsabilidade civil subsidiária que resulta de um facto ilícito e culposo que se não confunde com o facto típico a que corresponde a aplicação da coima.

  7. A norma julgada inconstitucional pelo Tribunal a quo, na parte que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação, não ofende os princípios constitucionais da intransmissibilidade de penas, da presunção da inocência do arguido e da audiência e de defesa do arguido.

  8. A douta sentença recorrida, na interpretação que faz do artº 8º do RGIT, acaba ela própria por subverter o sentido ínsito nos dispositivos constitucionais contidos nos artºs 30º, nº 3, 32º, nºs 2 e 10 da CRP, tal como já foi sabiamente postulado no Acórdão nº 12912009, de 12 de Março de 2009, do Tribunal Constitucional.

    Imposto sobre o Valor Acrescentado10. Relativamente ao IVA, importa frisar que era a oposição judicial o meio processual adequado, dado que o reclamante, apesar de indicar como acto impugnado o despacho de 07.09.2009, visava, em última instância, sindicar o despacho de reversão, convocando para tal, o regime consagrado nos artºs 23º, nº3, 22º, nº2, 24º, nº 1, alínea b), da LGT e 153º, nº2, do CPPT.

  9. O reclamante questiona a validade de um acto (despacho que nega a suspensão da execução fiscal), à luz dos dispositivos legais que visam regular a formação de um outro acto precedente (despacho que decreta a reversão), praticado pela mesma entidade, e que, não obstante de se integrar no mesmo ritual processual, goza, para efeitos impugnatórios, de total autonomia.

  10. O sujeito passivo apenas pretende sindicar o despacho de reversão, socorrendo-se de um inapropriado mecanismo processual, face à caducidade do direito de deduzir o meio processual adequado (a oposição judicial), atento o prazo previsto no artº 203º do CPPT.

  11. A forma processual mais adequada para reagir contra o acto de reversão da execução fiscal é o processo de oposição à execução e não a reclamação do acto do órgão de execução fiscal, dado que estamos perante fundamentos de oposição à execução, como decorre inequivocamente da alínea b) do n.º 1 do 204º do CPPT.

  12. Havendo erro na forma de processo, impõe-se o recurso ao instituto da convolação, por força do disposto nos artºs 98º, nº 4 do CPPT e 97º, nº 3 da LGT, no entanto, tendo em consideração que o reclamante, em 29.10.2008, foi citado na qualidade de revertido e que a petição da reclamação só deu entrada no dia 22.09.2009, podemos concluir pela sua manifesta intempestividade para efeitos da nova forma processual.

  13. A douta sentença recorrida, na interpretação que faz dos factos evidenciados nos autos, ao focalizar a matéria controvertida no despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Espinho, em 07.09.2009, que indeferiu a suspensão do processo de execução fiscal, acaba por dar guarida à pretensão do reclamante, apoiada num meio processual que, pelos motivos expostos, lhe estava vedado por lei.

  14. O Ilustre Julgador decidiu no sentido de que o reclamante não colocou em causa o despacho de reversão, fixando que o que estava em causa era o despacho de não suspensão da execução proferido pelo Chefe de Finanças do Serviço de Finanças, mas ao apreciar a sua legalidade convoca as regras que se aplicam exclusivamente ao despacho de reversão.

  15. A douta sentença recorrida, ao julgar procedente a reclamação, acolhendo a tese de que o reclamante não coloca em causa o despacho de reversão, para além de incorrer numa incorrecta valoração dos elementos fácticos evidenciados nos autos, invoca fundamentos que, em nosso entender, deviam logicamente...

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