Acórdão nº 3499/19.8T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ LÚCIO
Data da Resolução07 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: 1 – A autora Lusíadas S.A., entidade gestora do antigo Hospital Lusíadas Faro, instaurou acção declarativa comum contra a ré M., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 19.963,61 (dezanove mil, novecentos e sessenta e três mil e sessenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos, calculados à taxa legal em vigor, pela prestação de cuidados médicos pelo Hospital Lusíadas Faro.

2 – Contestou a ré, tendo na sua contestação, além do mais, começado por arguir a prescrição do direito alegado pela autora, nos termos do artigo 217º, al. a), do Código Civil, por sobre o termo dos alegados tratamentos médicos terem decorrido mais de dois anos sem que o pagamento tenha sido devidamente reclamado.

3 – A 10 de Setembro de 2021 foi realizada audiência prévia, na qual foi proferido despacho que determinou o prosseguimento dos autos para discussão da reconvenção mas onde se conheceu desde logo da excepção peremptória invocada, nos seguintes termos: “Excepção peremptória de prescrição invocada pela Ré Refere a Autora na petição inicial: “A data final da prestação dos serviços médicos, que está na origem do presente pedido ocorreu no dia 04.12.2015.

A Autora tem o prazo de dois anos para efectuar a cobrança do seu crédito, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 317.º do Código Civil.

Para evitar qualquer discussão referente à prescrição a que alude o artigo supra, a Autora, por meio de notificação judicial avulsa da Ré, interrompeu o prazo de prescrição do direito de cobrar o seu crédito, antes de decorridos dois anos sobre aquela data, 20.11.2017.

Contesta a Ré alegando que a notificação não foi efectuada na pessoa da Ré, conforme assim o exigia o disposto pelo artigo 256.º do CPC, pelo que se encontra prescrito o direito da Autora.

Apreciando.

Com interesse para a decisão sobre a excepção peremptória de prescrição invocada, são factos assentes na presente acção: 1.A data final dos serviços médicos, correspondente a duas intervenções cirúrgicas, prestados pela Autora à Ré ocorreu no dia 04.12.2015.

  1. Em 21.09.2017 Lusíadas S.A. (aqui Autora) requereu Notificação Judicial Avulsa, que deu origem ao processo 2764/17.3T8FAR do Juízo Local Cível de Faro Juiz 2, com vista à notificação de M. (aqui Ré) da intenção daquela de exercer o direito de se ver paga pelos serviços médicos a esta prestados e aludidos em 1., titulados pela factura D15F/1297 no valor de €17.270,38.

  2. No âmbito da Notificação Judicial Avulsa 2764/17.3T8FAR do Juízo Local Cível de Faro Juiz 2, em 20.11.2017, foi notificado R., marido da notificanda M..

  3. A presente acção deu entrada em juízo em 08.11.2019.

* Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição cfr. artigo 298.º, n.º 1, do Código Civil.

Decorrido o prazo de prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito cfr. artigo 304.º, n.º 1, do Código Civil.

O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos cfr. artigo 309.º do Código Civil.

É de dois anos o prazo de prescrição dos créditos dos estabelecimentos que forneçam alojamento, ou alojamento e alimentação, a estudantes, bem como os créditos dos estabelecimentos de ensino, educação, assistência ou tratamento, relativamente aos serviços prestados cfr. alínea a) do artigo 317.º do Código Civil.

Nos termos do artigo 323.º do Código Civil “1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. 2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. 3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.”.

Dispõe o artigo 256.º, n.º 1, do CPC “As notificações avulsas dependem de despacho prévio que as ordene e são feitas pelo agente de execução, designado para o efeito pelo requerente ou pela secretaria, ou por funcionário de justiça, nos termos do n.º 9 do artigo 231.º, na própria pessoa do notificando, à vista do requerimento, entregando-se ao notificado o duplicado e cópia dos documentos que o que o acompanhem.” (sublinhado nosso).

A notificação judicial avulsa deverá ser efectuada através de contacto pessoal, não podendo ser substituída por qualquer outra forma de citação, seja a citação postal, a citação em domicílio convencionado ou a citação com hora certa vide, a título exemplificativo, Ac. TRL de 02.07.2019, P. 6301/19.7T8LSB.L1-7; e Ac. TRP de 10.10.2016, P. 4854/15.8T8MTS.P1, disponíveis em www.dgsi.pt.

No caso, a notificação foi efectuada, em 20.11.2017, na pessoa do marido da notificanda e não na pessoa da notificanda, com o que se deverá entender que a aqui Ré não deve considerar-se notificada (com referência à notificação judicial avulsa).

Afastada a aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil, considerando a não notificação da aqui Ré, subsumindo o caso ao n.º 2 desse mesmo artigo, temos o seguinte: O Requerimento da Notificação Judicial Avulsa deu entrada em 21.09.2017, o que significa interrupção da prescrição em 26.09.2017 (cinco dias após requerida a notificação).

A presente acção foi proposta, porém, em 08.11.2019, ou seja, para lá dos dois anos da data de 26.09.2017.

Entendemos que a Ré não alega factualidade no sentido do não pagamento, mas sim intercorrências nas cirurgias realizadas.

Em face de todo o exposto, decide-se: Julgar procedente por provada a excepção de prescrição invocada pela Ré e, em consequência, decide-se absolver a Ré, M., do pedido formulado pela Autora Lusíadas, SA. Custas pela Autora cfr. artigo 527.º do CPC.

Registe e Notifique.”*4 – O despacho em questão foi de imediato notificado às partes, como consta da acta da audiência prévia, e nunca sofreu qualquer reclamação ou recurso.

*5 – Porém, quatro dias depois, a 14 de Setembro de 2021, por iniciativa oficiosa, foi proferido despacho que inverteu o decidido, com o seguinte teor (retirando o que constitui mera transcrição do anterior): “A Ré invocou excepção peremptória de prescrição prevista no artigo 317.º, alínea a), do CPC, vindo o Tribunal, no despacho saneador, a julgar procedente por provada a excepção de prescrição invocada pela Ré e, em consequência, decidir pela absolvição da Ré, M., do pedido formulado pela Autora Lusíadas, SA.

Acontece, porém, que o Tribunal, ao assim decidir, cometeu erro manifesto relativamente às consequências jurídicas que atribuiu à...

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