Acórdão nº 6606/19.7T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelELISABETE VALENTE
Data da Resolução07 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora: 1 – Relatório.

(…), intentou contra (…), a presente ação declarativa, sob forma de processo comum, pedindo que sua procedência:

  1. Lhe seja restituído de forma definitiva, o “prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua de (…), lote mil quatrocentos e cinco, Pinhal do (…), freguesia de Quinta do Conde, concelho de Sesimbra, inscrito na respetiva matriz sob o artigo (…), e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º (…), de nove de Abril de mil novecentos e noventa e nove (…), reconhecendo-se a Autora como a única proprietária e possuidora do mesmo; b) Seja o Réu condenado ao pagamento da quantia de € 315,00 (trezentos e quinze euros), quantia paga pela Autora a título de substituição das fechaduras do imóvel, por força da providência cautelar decretada; c) Seja o Réu condenado ao pagamento à Autora de uma indemnização por danos morais, em montante a arbitrar pelo Tribunal.

Em fundamento da sua pretensão alegou, em síntese, que em 17 de Fevereiro de 2010, no Cartório Notarial da Dra. (…), foi celebrada escritura pública de “Compra e venda”, onde o réu, na qualidade de 1º Outorgante, declarou vender-lhe o prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua de (…), lote mil quatrocentos e cinco, Pinhal do (…), freguesia de Quinta do Conde e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º (…), pelo preço de € 128.100,00, aquisição que foi levada ao registo na mesma data.

Autora e Réu mantiveram uma relação conjugal, vivendo em comunhão na casa acima referida, até Março de 2017, momento em que, face às ameaças e agressões perpetradas pelo Réu, se viu obrigada a sair de casa. Desde esse momento que o Réu lhe recusa a entrada em casa; ainda assim, continua a suportar as despesas de telecomunicações, assim como suportou os encargos com a mudança de fechadura ocorrida na sequência da decisão proferida no procedimento cautelar de restituição provisória de posse, que em primeira instância determinou que a casa lhe fosse restituída.

Paralelamente, o Réu vem ameaçando-a, o que a faz sentir receio e viver angustiada e enervada.

Assim concluindo nos termos sobreditos.

Em momento prévio à propositura desta ação, a A. havia intentado procedimento cautelar de restituição de posse, agora apensado aos presentes autos, no qual foi proferida decisão, em 17.09.2019, que determinou a restituição a seu favor da posse do imóvel acima identificado, decisão que foi mantida após a oposição apresentada pelo Réu. Mas o Tribunal da Relação de Lisboa veio a revogar a antedita decisão.

O réu apresentou contestação onde excecionou a nulidade da escritura de compra e venda do imóvel, por simulação, alegando que o que foi pretendido com tal escritura foi apenas subtrair o bem ao seu património visível, em ordem a evitar penhoras decorrentes da difícil situação financeira por que passava uma sociedade comercial de que era sócio gerente, situação que veio a culminar na insolvência da sociedade. Tanto assim, que o crédito bancário garantido por hipoteca, contratualizado para a aquisição do imóvel, continuou em seu nome e a ser liquidado por si, ao invés do que foi declarado naquela escritura, de que seria a adquirente autora, a assegurá-lo, sendo esse o “preço” estabelecido para a aquisição.

Refuta qualquer ameaça ou agressão à A., que terá saído de casa voluntariamente, rejeitando as chaves que lhe quis entregar.

Igualmente deduziu pedido reconvencional onde peticionou que seja declarada a nulidade do negócio jurídico de compra e venda do imóvel em causa, ou subsidiariamente, que seja declarada a resolução do mesmo negócio de compra e venda, por falta de pagamento do preço pela Autora.

A Autora apresentou réplica, onde pugnou pela recusa da reconvenção, por falta de comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida. Mais arguiu a falta de autonomia do pedido reconvencional, alegando que o Réu pretende um efeito equivalente ao soçobrar do seu pedido, face ao que defende a nulidade do pedido reconvencional, por ineptidão.

No mais, alegou que houve da sua parte uma intenção real em adquirir o imóvel, tendo para o efeito, pago ao Réu a quantia indicada na escritura e suportando o pagamento do empréstimo, já que para além do seu vencimento, recebia suprimentos da sociedade e entregava o dinheiro ao R. para que ele o depositasse e assim liquidasse o empréstimo junto do Banco.

Concluiu pela improcedência da exceção da nulidade do contrato de c/v por simulação e bem assim pela improcedência do pedido reconvencional, pedindo ainda a condenação do Réu ao pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da reconvenção.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento.

A sentença julgou parcialmente procedente por parcialmente provado, o pedido da Autora e em consequência, reconheceu a Autora como a única proprietária do “prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua de (…), lote mil quatrocentos e cinco, Pinhal do (…), freguesia de Quinta do Conde, concelho de Sesimbra, inscrito na respetiva matriz sob o artigo (…), e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º (…), condenando o Réu a restituir-lho.

E absolveu o Réu do demais peticionado.

E julgou totalmente improcedentes, por não provados, ambos os pedidos reconvencionais, de que se absolveu a Autora.

Inconformado com a sentença, o Réu interpôs recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição): «1.ª Salvo melhor opinião, douto Tribunal a quo cometeu um erro de julgamento e de direito, ao desconsiderar a prova documental como indício verosímil da existência de simulação, o que teve repercussões na medida em que levou à inadmissibilidade da prova testemunhal, por declarações de parte ou presunções judiciais para demonstrar a simulação do contrato de compra e venda.

  1. É hoje perfeitamente reconhecida a interpretação restritiva do número 2 do artigo 394.º do Código Civil, o que significa que a prova da simulação invocada entre simuladores não pode ser feita apenas por testemunhas, declarações de parte ou presunções judiciais.

  2. Todavia, é jurisprudencialmente aceite que invocando os próprios simuladores a existência da simulação, será possível completar tal evidência com prova testemunhal, por declarações de parte ou presunções judiciais, desde que exista um princípio de prova contextualizado, ou seja, um indício que torne verosímil a existência de simulação.

  3. Ora, foram remetidos aos autos, como documentos n.ºs 4 a 11 da contestação vários extratos e documentos bancários, comprovativos de depósitos bancários e extratos da conta associada ao empréstimo, e ainda ao comprovativo de que o Apelante é o único titular daquela conta bancária.

  4. De tal documentação, foi possível concluir que todas as prestações inerentes ao mútuo celebrado com o Banco (…) são debitadas de uma conta bancária, creditava frequentemente pelo Apelante, e da qual é o exclusivo titular.

  5. Assim, revelando-se tal documentação – que demonstra que apesar da outorga da escritura de compra e venda continuou a ser o Apelante, ao contrário do que consta na escritura, a pagar o empréstimo bancário, situação que se mantém há mais de 10 anos – como um indício bastante verosímil da existência de simulação no contrato de compra e venda celebrando entre o Apelante e a Apelada, outra não deveria ter sido a conclusão que não a admissão da prova testemunhal, por declarações de parte e presunções judiciais, reforçando o já indiciado pela documentação: que nunca foi intenção dos outorgantes celebrar a referida escritura de compra e venda.

  6. Assim, enquanto que a Apelada elaborou uma versão muito pouco credível dos factos, que nem o Tribunal a quo valorou em seu favor, já o Apelante trouxe aos autos a sua versão plausível, que converge com todas as suas condutas, seja da compra e venda celebrada, seja as alterações profissionais e societárias que realizou, sendo facilmente percetível, até pela linha temporal, que todas elas advieram de uma única situação concreta: as dificuldades económicas sentidas na (…) e (…), culminando-se na própria insolvência da sociedade.

  7. Assim, as declarações de vontade transmitidas em tal escritura de compra e venda, através da qual o Apelante transmitiu à Apelada a propriedade do imóvel em causa nos presentes autos, não correspondiam, intencionalmente, à vontade representada e querida por ambos. E tanto assim o foi que a Apelada nunca liquidou qualquer quantia nem qualquer prestação do empréstimo respetivo à penhora registada sob o imóvel, o que consistia praticamente a globalidade do preço… 9.ª Em bom rigor, a única pretensão dos outorgantes da escritura de compra e venda foi salvaguardar a casa de morada de família naquele que seria o agregado familiar, subtraindo-a a eventuais penhoras e consequentes vendas de credores do Apelante.

  8. Em suma, resultaram demonstrados factos (em abundância) que levam a uma única conclusão, que, no mínimo, terá de ser extraída por presunção judicial: Apelante e Apelada apenas pretenderam, com a celebração do “contrato” dos autos salvaguardar a passagem do imóvel objeto dos presentes autos, para nome de uma pessoa da confiança, de modo a evitar que os efeitos da insolvência da sociedade comercial “(…) e (…)” chegassem ao Réu e a casa fosse penhorada por terceiros, sendo que as partes nunca quiseram, de facto, celebrar um contrato de compra e venda do imóvel… 11.ª Não passando, assim, a celebração do contrato em causa de uma simulação orquestrada entre as partes, já que (i) não houve pagamento de preço declarado, (ii) o Apelante estava em risco de ser afetado patrimonialmente pela insolvência dos seus negócios, (iii) o imóvel era seu e (iv) tinha a Apelante interesse em conservar na sua esfera jurídica o imóvel, pois aí residia em condição análoga à dos cônjuges com o Apelante… – Cfr. Factos Provados n.os 11, 24, 25, 30 a 38 e 43 a 47.

  9. Pelo que, considerando-se como factos provados que o...

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