Acórdão nº 9/20.8GAPRL.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelLAURA GOULART MAURÍCIO
Data da Resolução05 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo Local Criminal de Évora, Juiz 2, no âmbito do Processo nº 9/20.8GAPRL, foi o arguido JAM submetido a julgamento em Processo Comum e Tribunal Singular. Após realização da audiência de discussão e julgamento, o Tribunal, por sentença de 26 de outubro de 2021 decidiu absolver o arguido da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), do C.P., que lhe vinha imputado.*Inconformado com a decisão, o Ministério Público interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: 1-ª – Nestes autos, o arguido JAM foi acusado de, no dia 27-12-2019, ter cometido um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. nos arts. 292-º, n-º1, e 69-º, n-º1, al. a), do CP, contendo a acusação descrição completa de factualidade constitutiva dos requisitos típicos daquele crime. 2-ª – Realizou-se o julgamento, com gravação magnetofónica das declarações orais prestadas na audiência. 3-ª – Os elementos de prova disponíveis são os resultantes dos documentos dos autos – auto de notícia, Relatório de Urgência de folhas 33 a 35 e os documentos de folhas 60 a 74 – o relatório de exame químico toxicológico de folhas 92 a 93, as declarações do arguido e os depoimentos das testemunhas DAN, DES e NES. 4-ª – Veio a ser proferida sentença absolutória na qual se houve por provado, além do mais, que «3. No dia dos factos, após ter saído do emprego, bebeu uma cerveja.» E se julgou não provados os seguintes factos: «a) O arguido sabia que por ter ingerido bebidas alcoólicas previamente a iniciar a condução podia ter uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l no momento da condução, e, não obstante, decidiu conduzir aquela viatura nessas circunstâncias, conformando-se com tal possibilidade. b) O arguido agiu de forma livre, esclarecida e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e criminalmente punida.» 5-ª – Da motivação do julgamento da matéria de facto resulta ter o tribunal considerado que, na data dos factos, o arguido ingeriu uma cerveja e que não ingeriu outras bebidas alcoólicas. 6-ª – E, bem assim, que tal facto baseou a convicção do tribunal sobre os factos que julgou não provados. 7-ª – Ora, o facto aludido – que o arguido não ingeriu outras bebidas alcoólicas (além da assumida cerveja) – não é verdadeiro, pois do mencionado relatório de urgência, datado de 28-12-2019, consta que o arguido exalava cheiro a álcool e que, após lavagem gástrica, rejeitou vinho. 8-ª – Tal documento faz prova directa de que o arguido ingeriu vinho no dia em que praticou os factos da acusação. 9-ª – Ora, a versão factual declarada pelo arguido (registada no ficheiro 20211019114228_1496384_2870787), que o tribunal tomou como absolutamente credível, contraria tal facto e é incongruente, lacunar e evasiva (disse que, após regressar do Hospital a casa, verificou os comprimidos que tinha tomado, mas não afirmou nem negou que aí tenha encontrado embalagens vazias ou encetadas de bebidas alcoólicas), pelas razões aduzidas no corpo desta motivação, e, por isso, não credível quanto às bebidas alcoólicas ingeridas nem quanto ao seu estado de consciência antes de iniciar a condução do automóvel. 10-ª – Resulta das declarações do arguido, especialmente dos excertos aludidos no corpo desta motivação (que, por razões de economia, aqui se dão por reproduzidos), a intenção conveniente de ocultar a ingestão de bebidas alcoólicas em quantidade suficiente para determinarem acumulação no seu organismo da taxa de alcoolemia verificada e postura de vitimização. 11-ª – Apesar disso, o tribunal baseou-se nas declarações do arguido, nos depoimentos da testemunha NES e DES (no que a este concerne, na parte em que declarou que, após sair do automóvel, o arguido caiu e ficou inanimado no chão), no Relatório de Urgência Hospitalar (que, todavia, não leu, não leu integralmente ou parcialmente desconsiderou), na consideração de que a quantidade de álcool contida numa cerveja é insuficiente para determinar taxa de alcoolemia de 1,29 g/l e em avaliação dos efeitos conjugados de álcool e de fármacos para concluir que o arguido actuou num estado de consciência alterado, impeditivo de avaliar a ilicitude dos factos e de se determinar de acordo com essa avaliação, ou seja, em situação de inimputabilidade. 12-ª – Além da insanável confusão de conceitos plasmada na motivação do julgamento da matéria de facto (entre consciência da ilicitude, nexo de imputação subjectiva dos factos e inimputabilidade), crucial é que os meios e elementos probatórios valorados pelo tribunal não são adequados ou idóneos para demonstrar a inimputabilidade do arguido no momento da prática dos factos, que, segundo a motivação da sentença, subjaz ao juízo de não prova dos factos constitutivos dos elementos subjectivos típicos do crime que lhe é imputado na acusação. 13-ª – Na falta de habilitação do tribunal com os necessários conhecimentos da ciência médica, que não invocou nem possui, a inimputabilidade só poderia ser demonstrada através de perícia psiquiátrica; A qual não foi realizada. 14-ª – Assim, da fundamentação da sentença, especificamente da factualidade julgada não provada, em conjugação com a motivação desse julgamento e a regulação dos arts. 151-º e 163-º, do CPP, sobre a função e aptidão da prova pericial, resulta que o tribunal incorreu em erro notório na apreciação da prova (cfr. art. 410-º, n-º2, al. c), do CPP). 15-ª – A condução consciente e deliberada de automóvel, após ingestão de álcool e de fármacos, é congruente com o declarado propósito suicida do arguido. 16-ª – Por isso e considerando a postura do arguido em audiência, não se coloca fundadamente dúvida sobre a sua imputabilidade no momento da prática dos factos. 17-ª – E, caso se entendesse existir dúvida com tais características, está inviabilizada a aludida perícia, porquanto a falta de credibilidade do que a respeito declarou o arguido impede estabelecimento da base factual indispensável à formulação dos quesitos a responder pelo perito, designadamente a quantidade e qualidade dos fármacos e, bem assim, as espécies e quantidades de bebidas alcoólicas ingeridos. 18-ª – O estado de perturbação emocional do arguido, como deflui dos factos havidos por provados nos números 5, 6, 8 e 10 da sentença, não excluem a ilicitude nem a culpa da sua conduta. 19-ª – A sentença recorrida enferma de erro na apreciação da prova, nos termos sobreditos, e violou o disposto no art. 20-º, n-º1, 69-º, n-º1, al. a), e 292-º, n-º1, do CP, e nos arts. 151-º e 163-º, do CPP. 20-ª - Pelo exposto, deve ser revogada a sentença absolutória impugnada e determinar-se alteração da sua fundamentação de facto, eliminando-se o número 3 dos factos provados, porque tal como está redigido é irrelevante para a decisão a proferir (ou aditando-se no mesmo “e vinho”) e o elenco dos factos não provados, julgando-se os mesmos provados. 21-ª – E, consequentemente, em conformidade com a garantia do duplo grau de jurisdição e com o disposto no art. 426-º, n-º1, do CPP, ordenar-se o reenvio do processo, para prolação de nova sentença, que tenha em conta tais alterações da fundamentação de facto e proceda a apreciação jurídica dos factos e da responsabilidade penal do arguido. 22-ª – Subsidiariamente, no caso de se entender que existe fundada dúvida sobre a imputabilidade do arguido no momento da prática dos factos, deve ser anulada a sentença e determinar-se a realização da indispensável perícia psiquiátrica, a produção dos meios de prova complementar que o tribunal entenda adequados e a prolação...

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