Acórdão nº 256/18.2EAFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA FIGUEIREDO
Data da Resolução05 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório.

Nos presentes autos de recurso de contraordenação que correm termos no Juízo de Competência Genérica de Tavira, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, com o n.º 256/18.2EAFAR.E1, foi a arguida DEL, S.A., pessoa coletiva n.º (…), com sede na Rua (…) , condenada pela prática da contraordenação prevista nos artigos 3.º e 4.º, nº 1, alíneas a) e b) do n.º 2 do capítulo I, alíneas b) e c) do Capítulo II, tudo do anexo do Regulamento (CE) n.º 852/204, de 29 de abril, conjugado com as alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 124.º do regime aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2015, de 16 de Janeiro, e punível pela subalínea iii) da alínea b) do n.º 2 do artigo 143.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 124.º do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de Janeiro, na coima de € 8.300,00 (oito mil e trezentos euros).

*Inconformada com tal decisão, veio a arguida interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “I–Da invocada nulidade do auto de notícia.

1 – Os factos de que vinha acusada a arguida e constantes da notificação para apresentar defesa, e que se consideraram provados são os que constam do auto de notícia e deste auto não consta nenhuma circunstância que consubstancie a consciência da ilicitude dos factos imputados e a intenção de os praticar, ou seja, os elementos do tipo subjetivo de ilícito contraordenacional - veja-se, neste sentido, sobre a necessidade de indicação das circunstâncias suprarreferidas, o Ac.do S.T.J., de 06-11-2008, relatado pelo Colendo Juiz Conselheiro Rodrigues da Costa e disponível em www.dgsi.pt.

2 – Assim, sem a indicação destes elementos, não é possível chegar à conclusão de que “(…) se considera que agiu com dolo eventual (…)”, não podendo, por conseguinte, a arguida ser punida pela prática da infração a título de dolo eventual.

3 – Por outro lado, ainda que se considerasse que os elementos do tipo subjetivo de ilícito contraordenacional não constavam da acusação, mas constam da decisão ora impugnada, no ponto V.2 da mesma (V- Determinação da medida da pena 2 – Da culpa do agente), ter-se-ia de concluir que não foi assegurada à arguida a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe era imputada, ao contrário do que prescreve o artigo 50.º do RGCO, que dispõe que “não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”- v., nesse mesmo sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Outubro 2011, pág. 208 e também 212 e 213.

4 – A dignidade constitucional do princípio do contraditório, bem como do direito de audição e defesa, garantidos no artigo 32.º, n.ºs 5 e 10, respetivamente, da C.R.P., impõe que a notificação à arguida para exercício do direito de audição e defesa deve ser feita condignamente- veja-se, neste sentido, António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral in Notas ao Regime Geral das Contraordenações e Coimas, Almedina, 3.ª Edição, Maio, 2009, págs. 151 e 152.

5 – No caso sub judice, a notificação feita à arguida para exercício do direito de audição e defesa não lhe forneceu os elementos necessários para que ficasse a conhecer todos os aspetos relevantes para a decisão, quanto à matéria de facto, por se ter limitado a identificar as circunstâncias objetivas da prática da alegada infração, tendo omitido quaisquer circunstâncias subjetivas que consubstanciassem a consciência da ilicitude dos factos imputados e a intenção de os praticar - o mesmo é dizer: os elementos do tipo subjetivo de ilícito contraordenacional, pelo que a notificação da arguida para exercício do direito de audição e defesa é nula, nos termos do disposto nos artigos 283.º, n.º 3, do C.P.P., ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO.

6 – Sendo a nulidade arguida sanável, nos termos do disposto nos artigos 120.º, n.º 1, do C.P.P., ex vi artigos 41.º, n.º 1, do R.G.C.O., deverá a mesma ser declarada, anulando-se a decisão impugnada e ordenando-se a reparação e a repetição da notificação da arguida para exercício do direito de audição e defesa, como prescreve o artigo 122.º, n.º 2, do C.P.P., ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO.

Se assim não for entendido: II. - Nulidade da douta sentença, prevista na primeira parte da alínea c), do nº 1, do art.379.º CPPenal, por falta de pronúncia sobre a questão constante da conclusão II do recurso de impugnação judicial, desenvolvida e integrada pelas conclusões 7.ª e 8.ª, que aqui se reiteram.

7 – Não existem nos autos, da fase administrativa, quaisquer meios de prova que permitam sustentar a afirmação que é feita na parte final do o ponto V.2 da decisão impugnada judicialmente (pág. 7 da decisão), a saber: “Ora, no caso sub judice, o (a) arguido (a) sabia , previu e aceitou a realização dos factos ilícitos, na medida em que sabia que estava obrigado (a) a cumprir os requisitos gerais e específicos de higiene no seu estabelecimento, optando por não o fazer e conformando-se com o resultado daí adveniente, pelo que se considera que agiu com dolo eventual” (vide decisão ora impugnada, pág. 7). Tanto assim é que, na decisão ora impugnada, não são indicados os meios de prova que serviram de base a essa afirmação - ao contrário do que sucede em relação aos factos expostos no auto de notícia, os quais, segundo o 2º parágrafo da pág. 6 da citada decisão, “serviram, assim, para formar a convicção desta autoridade quanto aos factos acima dados como provados a informação constante do auto de notícia.” 8 – Não existem nesses autos quaisquer meios de prova que permitam chegar à conclusão de que “(…) se considera que agiu com dolo eventual ” ou a qualquer outro título, não havendo, por conseguinte, nos autos elementos que permitam concluir pela verificação do tipo subjetivo de ilícito contraordenacional -seja a título de dolo, seja a título de negligência -, pelo que deverá o mesmo ser considerado não provado e, por conseguinte, a arguida absolvida da prática da alegada contraordenação, revogando-se a decisão ora impugnada, com todas as consequências legais”.

9 – A douta sentença recorrida acrescentou aos factos constantes do auto de notícia, que suportaram e constituíram fundamento da decisão administrativa (e que são os factos elencados sob os n.ºs 1, 2 e 3 dos Factos Provados, constantes da “III. Fundamentação de Facto” da sentença), acrescentou, dizia-se, os factos elencados sob os nºs 4 e 5.

10 – Esse suprimento revela a necessidade de tais factos para consubstanciar a consciência da ilicitude dos factos imputados e a intenção de os praticar e, assim, dos elementos do tipo subjetivo de ilícito contraordenacional, cuja falta se apontava à impugnada decisão administrativa, porque, como se dizia na referida conclusão 7.ª “…na decisão ora impugnada, não são indicados os meios de prova que serviram de base a essa afirmação - ao contrário do que sucede em relação aos factos expostos no auto de notícia, os quais, segundo o 2.º parágrafo da pág. 6 da citada decisão, “serviram, assim, para formar a convicção desta autoridade quanto aos factos acima dados como provados a informação constante do auto de notícia”.” 11 – Daqui decorre que, tratando-se de uma questão prévia, a douta sentença ora recorrida deveria ter-se pronunciado pela carência desses factos, ou seja, deveria ter-se pronunciado no sentido da falta absoluta de prova de quaisquer circunstâncias que consubstanciem a consciência da ilicitude dos factos imputados e a intenção de os praticar e, assim, dos elementos do tipo subjetivo de ilícito contraordenacional e, em consequência, absolver a arguida, ora recorrente, ao invés de suprir a falta de tais factos para servirem de fundamento à sua condenação por sentença, aliás, douta, mas, salvo o devido respeito, enfermando da apontada nulidade, o que deverá conduzir à sua revogação com a consequente absolvição da arguida ora recorrente.

Se assim não for entendido: II.3 – Nulidade da douta sentença, prevista no art. 379. ,1, b), primeira parte, do CPPenal – prevista na primeira na alínea b), do nº 1, do art.379.º CPPenal, por condenar por factos diversos dos descritos na acusação, fora dos casos e das condições previstas nas arts 358.º do CPPenal.

12 – Para além dos factos constantes da acusação, na fase administrativa, a douta sentença ora recorrida, acrescentou os factos elencados sob os itens 4 e 5 dos Factos Provados, a saber: “4.Os factos supra descritos revelam uma atitude de desrespeito pelas normas jurídicas que regem a sua actividade, mas sobretudo algum desprezo pelos consumidores que elegeram a Recorrente como prestadora de um serviço de restauração e bebidas e confiam nesse serviço em termos de segurança e higiene alimentares.

  1. A Recorrente sabia, previu e aceitou a realização dos factos ilícitos, na medida em que sabia que era obrigada a cumprir os requisitos gerais e específicos de higiene no seu estabelecimento, optando por não o fazer e conformando-se com o resultado daí adveniente, agindo com dolo eventual.” 13 – Estes factos não constavam da acusação da notificação escrita da arguida na fase administrativa, ou seja, o elemento subjetivo da infração não constava da dita notificação da arguida e foi com base neles que a douta sentença condenou a arguida ora recorrente, como decorre deste passo do 2.º § da penúltima página da sua Fundamentação de Direito: “Assim, dúvidas não existem de que a Recorrente praticou a infração que lhe foi imputada, quer no seu elemento objetivo, quer no seu elemento subjetivo, pois estava ciente das condições em que o local se encontrava, da necessidade de efectuar obras/reparações e que a realização das...

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