Acórdão nº 173/22.1T8SLV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Novembro de 2022
Magistrado Responsável | MARIA CLARA FIGUEIREDO |
Data da Resolução | 08 de Novembro de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório
Nos presentes autos de recurso de contraordenação que correm termos no Juízo de Competência Genérica de … - J…, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o nº 173/22.1T8SLV, foi proferida decisão final que julgou parcialmente procedente o recurso de impugnação interposto pela arguida AA, Lda, com sede na EN …, … da decisão administrativa proferida pela Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna, em 24 de outubro de 2021, que a condenara pela prática da contraordenação grave, prevista e punida pelos artigos 8.º n.º 7 e 59.º, n.ºs 2, al. b), 4, al. b) e 8 da Lei n.º 34/13, de 16 de maio e na al. c) do parágrafo 3.1., do n.º 3 do anexo I da Portaria n.º 273/2013, de 20 de Agosto, numa coima no montante de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros)
Tal decisão final decidiu julgar o recurso de impugnação judicial parcialmente procedente e, em consequência, manter a condenação da recorrente pela prática de uma contraordenação grave, prevista e punida pelos artigos 8.º, n.º 7 e 59.º, n.ºs 2, al. c), 4, al. b) e 8 da Lei n.º 34/13, de 16 de maio e na al. c) do parágrafo 3.1., do n.º 3 do anexo I da Portaria n.º 273/2013, de 20 de agosto, substituindo, porém, a coima anteriormente aplicada, no montante de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), pela sanção de admoestação
* Inconformado com tal decisão, veio o Ministério Público interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “II - CONCLUSÕES 1. O Ministério Público não concorda com a substituição da coima aplicada à Recorrente pela sanção de admoestação, por duas linhas de razão: a. inadmissibilidade da aplicação da admoestação em contra-ordenação considerada como grave; b. formalidade da aplicação da admoestação (escrita)
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Foi a Recorrente condenada por uma contra-ordenação que a própria formulação legal do preceito tipificador da conduta, classifica como muito grave (art.º 8º nº 7 e 59º nº 2 al. b), 4º al. b) e 8 da Lei nº 34/13 de 16 de Maio e na al. c) do parágrafo 3.1 do nº 3 do anexo I da Portaria nº 273/2013 de 20 de Agosto)
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Esta classificação legal da contra-ordenação em causa afasta desde logo a possibilidade da aplicação da medida de admoestação, prevista no artigo 51º, do Regime Geral das Contra-Ordenações, pois que objectiva e expressamente, trata-se de uma contra-ordenação com gravidade (neste sentido, entre outros o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-03-2018; Processo nº 2551/17.9T8ENT.E1; Relator, Dr. Gomes de Sousa, disponível em www.dgsi.pt; Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 6/2018, publicado no D.R nº 219/2018,Série I de 14 de Novembro de 2018; o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17 de Setembro de 2014, Processo nº 656/13.4TBPNF.P2; Relator Dra. Elsa Paixão; disponível em www.dgsi.pt”)
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No fundo, a admoestação trata-se de uma alternativa para os casos de pouca relevância do ilícito criminal e da culpa do agente, isto é, para contra-ordenações leves ou simples, ou seja, quando quer a gravidade do ilícito quer a culpa sejam reduzidos (cfr: PAULO PINTO de ALBUQUERQUE, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, p. 222 e ss. e SIMAS SANTOS e LOPES DE SOUSA, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 2011, p. 394)
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Entendeu o tribunal a quo que: “(…) em nosso entendimento, que, não obstante a integração dum tipo legal de ilícito contra-ordenacional definido em abstracto como sendo grave, as circunstâncias do caso concreto podem apontar em concreto para uma diminuta ilicitude e gravidade. (…)
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Na verdade, para a aplicação da admoestação terão de verificar-se no caso concreto, dois requisitos legais, a pouca relevância do ilícito e a diminuta culpa do agente, cumulativamente e não em alternativa um do outro. E, se neste caso concreto, resultaram provados factos relevantes relativos à menor culpa do arguido/recorrente, como sejam actuação ser qualificada como negligente e a ausência de antecedentes contra-ordenacionais, a verdade é que foi a Recorrente condenada por uma contra-ordenação que a própria formulação legal do preceito tipificador da conduta, classifica como grave
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Ora, por si só, esta classificação legal da contra-ordenação em causa afasta desde logo a possibilidade da aplicação da medida de admoestação, prevista no artigo 51º, do Regime Geral das Contra-Ordenações, pois que objectiva e expressamente, trata-se de uma contra-ordenação com gravidade
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Sempre se dirá que a circunstância de o tribunal a quo ter considerado a conduta negligente isso apenas faz cair a culpa de “muito grave” para “menos grave”, mas não é considerada por si só diminuta ou reduzida
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Ora, no caso em apreço, preenchidos que se encontram os elementos objectivos e subjectivos do tipo e uma vez que estamos perante uma contra-ordenação tipificada como grave, inadmissível será de aplicar a sanção de admoestação, pelo que deverá ser revogada a decisão de substituição que ora se recorre, e substituída por outra que mantenha a decisão anteriormente proferida pela autoridade administrativa
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Pelo exposto, violou o tribunal a quo o art.º 51º nº 1 do RGCO e (art.º 8º nº 7 e 59º nº 2 al. b), 4º al. b) e 8 da Lei nº 34/13 de 16 de Maio e na al. c) do parágrafo 3.1 do nº 3 do anexo I da Portaria nº 273/2013 de 20 de Agosto)
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Ademais, sempre se dirá que, mesmo que se considerasse a admissibilidade da aplicação da sanção de admoestação no caso em apreço, a mesma deveria ser proferida oralmente e não por escrito
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De facto, resulta do artº 51º, nº 2 do RGCO que: “A admoestação é proferida por escrito (…)”, porém, tal só ocorre quando a admoestação é aplicada pela autoridade administrativa, uma vez que, quando a admoestação ocorre em fase judicial, se aplicará, a nosso ver, o disposto no artº 60º, nº 4 do C.P., por via do disposto no artº 32º da RGCO. Neste sentido, vd. Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, in Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral, 2002, pp. 316 e 317, em anotação ao referido artº 51º
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A decisão proferida por escrito é nula por vício de forma, devendo ser substituída por outra que preveja o cumprimento cabal da admoestação (censura solene oral)
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Pelo exposto, o tribunal a quo violou as seguintes disposições legais: artsº 60º, nº 2 do CP, 32º do RGCO e 497 º do CPP.” Termina pedindo a revogação da sentença recorrida
* Na 1.ª instância, a arguida pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões: “I. O presente recurso está centrado na impugnação da decisão, sobre a matéria de direito, discordando, na substituição da coima aplicada pela sanção de admoestação
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O Ministério Público (ora recorrente) sustenta o seu recurso em dois fundamentos da discordância: A inadmissibilidade da aplicação da admoestação em contra-ordenações consideradas como graves e muito graves e a formalidade da aplicação da admoestação (escrita ou oral)
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Quanto à aplicação da sanção de admoestação aplicada, o Tribunal a quo, aplicou corretamente o direito ao caso concreto
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Estipula o artigo 51.º do Regime Geral das Contraordenações que “1 – Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação. 2 – A admoestação é proferida por escrito, não podendo o facto voltar a ser apreciado como contra-ordenação.” V. Assim, a referida norma tem aplicação à contraordenação aplicada à recorrente, atento o disposto no artigo 62.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio
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Quanto à formalidade da aplicação da admoestação (escrita ou oral) vem ainda o Ministério Público invocar a nulidade da decisão por escrito por vício de forma, devendo ser substituída por outra que preveja o cumprimento cabal da admoestação (censura solene oral)
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O Tribunal a quo mais uma vez, em nosso entendimento andou bem, ao ter expressado na decisão “Após trânsito em julgado da presente decisão, abra conclusão, a fim de ser proferida a admoestação por escrito, nos termos do disposto no artigo 51º, nº 2 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro
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Ora, salvo o devido respeito, a decisão do tribunal a quo é integralmente acertada, IX. Ao aplicar a título de sanção a admoestação em substituição da coima anteriormente aplicada.” * Tendo tido vista do processo, o Exmº. Procurador Geral Adjunto neste Tribunal pugnou pela procedência do recurso, defendendo que a sanção de admoestação só se encontra prevista para as contraordenações legalmente qualificadas como leves e que, tendo a arguida sido condenada nos presentes autos pela prática de uma contraordenação qualificada como grave, tal sanção não lhe poderá ser aplicada
* Procedeu-se a exame preliminar
Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir
*** II – Fundamentação
II.I Delimitação do objeto do recurso
Nos termos consignados no artigo...
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