Acórdão nº 1243/10.4TXEVR-Z.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelJOÃO CARROLA
Data da Resolução08 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I.

Por despacho, datado de 20-06-2022, o Tribunal de Execução de Penas ... concedeu a liberdade condicional ao recluso AA.

Inconformado com tal decisão, dela recorreu o M.º P.º, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes (transcritas) conclusões: “1 – Por decisão proferida em 20.6.2022 foi concedida a liberdade condicional a AA, pelo tempo de prisão que lhe faltaria cumprir desde a sua libertação até ao termo da pena – concretamente até 28.6.2024.

2- Aquele foi condenado na pena de 6anos pela prática de crime de tráfico de produtos estupefacientes, como reincidente.

3 – A decisão foi proferida contra o parecer desfavorável do Ministério Público.

4 – Subjacente à posição desfavorável do MP estão fortes exigências de prevenção especial de ressocialização que se fazem sentir em relação ao condenado, derivadas, além, do mais, da inadequação do grau de consciência autocrítica atingido, assumida na douta sentença recorrida quando admite que houve alguma evolução positiva quanto ao juízo autocrítico.

5- “Alguma evolução” – já reconhecida, aliás, na anterior sentença de apreciação dos pressupostos da liberdade condicional por referência ao cumprimento de metade da pena, em que se acrescentava, porém, a necessidade de consolidação – não pode confundir-se com a conclusão de que aquele juízo autocrítico é o adequado pois que se tratam de conceitos diversos.

6 - Acresce que esta é a segunda prisão do condenado, indivíduo com passado fortemente ligado à toxicodependência, e tem origem na prática de crime de tráfico de estupefacientes no decurso da liberdade condicional concedida por referência a pena que cumpria também pela prática de crime de tráfico de produto estupefaciente.

7 – Não é razoável a formulação de um juízo de prognose positivo de que o condenado uma vez em liberdade adote um comportamento conforme ao Direito, afastado de novos ilícitos criminais, se não formou adequado juízo autocrítico relativo ao crime de tráfico de estupefaciente – crime que como é sabido apresenta elevado índice de reincidência.

8 – Também não são irrepetíveis as condições em que o crime foi praticado já que o condenado alega tê-lo feito por motivos económicos, em contexto de desemprego, e o seu regresso à liberdade implicará o regresso ao agregado dos avós, que o sustentavam à data da prática dos factos, não estando comprovada a inserção laboral que invocou em sede de audição de recluso, e o inadequado juízo autocrítico, bem como as obrigações fixadas em sede de liberdade condicional (que se apresentam similares às já impostas na anterior liberdade condicional, designadamente na parte em que procuram/procuraram garantir o afastamento do consumo de estupefacientes mas que se mostraram incapazes de o demover da prática de novo crime) não se apresentam como instrumentos suficientes para fazer frente aos fatores negativos que enfrenta na sua vivência, entre os quais a problemática da toxicodependência.

9 – Por tudo isto, o mero comportamento correto do condenado e a normalidade com que foram cumpridas as medidas de flexibilização da pena de que vem beneficiando não são elementos suficientes para conduzir à formulação de um juízo de prognose positivo desconsiderando todos os demais aspetos que afastam a possibilidade de defender com segurança que as expetativas de reinserção são manifestamente superiores aos riscos que a comunidade deverá tolerar com a colocação do condenado em liberdade condicional.

10 - Desta forma, não se mostra preenchida a previsão normativa do art. 61º, nº 2, al. a) do CP, não sendo, consequentemente, admissível legalmente a concessão da liberdade condicional.

11 – Pelo que o Mmº Juiz “a quo” ao conceder a liberdade condicional violou o aludido preceito legal, por erro de aplicação.” Termina no sentido da revogação da decisão.

O arguido respondeu, concluindo que: “1ª- A douta decisão recorrida está devidamente fundamentada e respaldada na Doutrina e na Jurisprudência citada na mesma, não merecendo qualquer reparo; 2ª- Ressalvados os devidos respeitos, o que consta da douta decisão recorrida sobre a evolução do condenado durante a execução da pena não tem correspondência com as ilações com o sentido atribuído pelo Digmº Ministério Público; 3ª- Em resultado do contacto directo e imediato com o recluso em sede de audição, o Mmº Juiz avaliou devidamente a sua personalidade e a sua postura após o tempo de reclusão e sustentando-se ainda no parecer favorável do técnico do DGRSP, concluiu verificar-se uma evolução positiva no juízo autocrítico do recluso; 4ª- Com os devidos respeitos, não pode colher a argumentação do Digmº Ministério Público de não ser razoável a formulação de um juízo de prognose positivo porque o condenado possui um inadequado juízo autocrítico relativo ao crime de tráfico de estupefacientes; 5ª- Até porque o arrependimento e a interiorização da culpa não são condição “sine qua non” de concessão da liberdade condicional; 6ª- Na verdade, o juízo de prognose positivo por parte do Tribunal recorrido está sustentado não apenas na evolução positiva do juízo autocrítico do recluso mas tomando ainda em consideração um conjunto de factores descritos na douta decisão recorrida; 7ª- Assim, o Tribunal recorrido valorou como militando a favor do condenado, de entre outros, os factores seguintes: “ (...) o recluso mantém comportamento adequado, não registando qualquer infracção disciplinar; é-lhe também favorável a circunstância de demonstrar hábitos de trabalho, o que constitui factor de protecção quanto à sua capacidade para em liberdade se sustentar sem recorrer à prática de crimes; a sua reaproximação ao meio livre tem vindo a ser testada de forma positiva, consistente e duradoura através do gozo de LSJ e de LSCD, beneficiando também de forma positiva da sua colocação em RAI há quase 1 ano e 3 meses, sem qualquer incidente; a análise conjunta de todos os factores referidos, a que se associam as boas perspectivas de inserção familiar e habitacional no exterior (...), permite que o Tribunal faça um juízo positivo quanto à futura capacidade do recluso para manter comportamento social responsável e isento da prática de crimes.”; 8ª- De referir que o recluso tem agora 44 anos de idade e no período de 6 anos que permaneceu privado de liberdade amadureceram a sua personalidade e o seu sentido autocrítico, tendo ponderado e interiorizado as consequências da reclusão; 9ª- Este período de 6 anos de cumprimento de pena de prisão contribuiu para manter o condenado livre da toxicodependência e, portanto, para o manter afastado da criminalidade no futuro; 10ª- De realçar que o Tribunal condicionou a liberdade condicional ao cumprimento de um conjunto de obrigações, designadamente: fixar residência; sujeitar-se à tutela da equipa de reinserção social cumprindo as suas ordens e recomendações; exercer actividade profissional; abster-se do consumo de estupefacientes; não cometer crimes; manter bom comportamento e evitar o contacto com grupo de pares; 11ª- Deste modo, a douta decisão de que se recorre está cabalmente fundamentada em factores suficientes para conduzir à formulação de um juízo de prognose positivo, pelo que deve ser negado provimento ao recurso e ser confirmada a douta decisão recorrida, como é de sã Justiça.” Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta teve vista nos autos, elaborando parecer em que, subscrevendo a motivação de recurso, propugna a procedência do recurso.

Foi dado cumprimento ao artigo 417.º n.º 2 do C.P.Penal, não tendo sido oferecida resposta ao parecer.

II.

Colhidos os vistos legais, procedeu-se a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

No caso dos autos, a única questão evidenciada no recurso, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, que delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto nos artigos 412º, n.º 1, do C. P. Penal e 179º n.º 1 do CEPMPL, necessária e unicamente à apreciação da questão de saber se estão preenchidos os pressupostos de concessão da liberdade condicional atingidos já os 2/3 da pena imposta.

Da decisão recorrida consta, na parte ora relevante: “Para efeitos de apreciação da concessão da liberdade condicional por referência aos dois terços da pena que o recluso cumpre, foram juntos aos autos os relatórios a que alude o art. 173º, nº 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (de ora em diante designado apenas por CEPMPL).

O conselho técnico reuniu, prestando os seus membros os esclarecimentos que lhes foram solicitados e emitindo, por unanimidade, parecer favorável à concessão da liberdade condicional (art. 175º, nºs 1 e 2, do CEPMPL) – cfr. fls. 217.

Procedeu-se à audição do recluso, nos termos estabelecidos no art. 176º do CEPMPL, sendo que aquele consentiu na aplicação da liberdade condicional. Em sede de audição o recluso não ofereceu quaisquer provas – cfr. fls. 218.

Cumprido o disposto no art. 177º, nº 1, do CEPMPL, o Ministério Público emitiu parecer desfavorável à concessão da liberdade...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT