Acórdão nº 1072/21.0T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelFRANCISCO XAVIER
Data da Resolução10 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório1. AA e BB intentaram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC, pedindo que: I - Seja declarada a anulação dos negócios jurídicos celebrados entre as partes, Autores e Réu, em 04 de Agosto de 2015, designadamente, a escritura de compra e venda outorgada a 4 de Agosto de 2015 no Cartório Notarial ..., lavrada a fls. 68 e 69 do Livro ...23..., e, (consequentemente, que seja ordenado o cancelamento do registo de aquisição a favor do réu), o contrato com o título de contrato de arrendamento com opção de compra sobre a fracção melhor identificada em 27° supra, e o contrato de mútuo, tudo nos termos do artigo 282.° do Código Civil; II - Seja declarada a anulação parcial e redução do negócio jurídico celebrado entre as partes em 04 de Agosto de 2015, (mútuo propriamente dito) considerando as cláusulas ilegais ali contidas, quanto aos juros e/ou contrapartidas económicas ou, subsidiariamente, pelos juros e/ou contrapartidas serem usurários e ilegais; III - Em qualquer dos casos, seja condenado o réu na restituição e/ou compensação dos montantes e/ou bens imóveis (fracção melhor identificada em 27° supra) indevidamente prestados pelos autores, desde Agosto de 2015 e a presente data; e, ainda, na restituição/compensação respectivamente das prestações vincendas que sejam indevidamente prestadas pelos autores; IV - Caso assim não se entenda o que por mera hipótese académica se admite, sejam declarados nulos os negócios jurídicos celebrados entre as partes em 04 de Agosto de 2015, designadamente, a escritura de compra e venda outorgada a 4 de Agosto de 2015 no Cartório Notarial ..., lavrada a fls. 68 e 69 do Livro ...23... e, (consequentemente, que seja ordenado o cancelamento do registo de aquisição a favor do réu) nos termos do artigo 282.° do Código Civil, e o contrato com o título de contrato de arrendamento com opção de compra sobre a fracção melhor identificada em 27° supra nos termos dos artigos 280.° e 281.° e 286.°, do Código Civil), com as consequências legais daí advenientes, porquanto o réu na celebração dos referidos contratos agiu em abuso de direito (artigo 334.°, do Código Civil); V - Caso assim não se entenda o que por mera hipótese académica se admite, seja o réu ser condenado na restituição e/ou compensação dos montantes e/ou bens imóveis indevidamente prestados pelos autores, tudo nos termos do artigo 473.° do Código Civil, enriquecimento sem causa; VI - Caso assim não se entenda o que por mera hipótese académica se admite, sem conceder, sejam declarados nulos os negócios jurídicos celebrados entre as partes em 04 de Agosto de 2015, designadamente, a escritura de compra e venda outorgada a 4 de Agosto de 2015 no Cartório Notarial ..., lavrada a fls. 68 e 69 do Livro ...23... e, (consequentemente, que seja ordenado o cancelamento do registo de aquisição a favor do réu) nos termos do artigo 282.° do Código Civil, e o contrato com o título de contrato de arrendamento com opção de compra sobre a fracção melhor identificada em 27° supra, por contrários à lei e ofensivos dos bons costumes (art.° 280.°, n.º 1 do Código Civil); VII - Seja o réu condenado no pagamento dos respectivos juros de mora, contados à configurada taxa legal, sobre o valor global a restituir aos autores, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.

  1. Para tanto, alegaram, em síntese, que, desde 2015, atravessam dificuldades económicas; que, em Julho desse ano, o A. respondeu a anúncio de jornal para obter empréstimo de €10.000,00, tendo disponibilizado à empresa o acesso ao imóvel que iria ser entregue para garantia; que no dia da escritura pública não foi outorgado mútuo com hipoteca como acordado, mas a compra e venda da fracção autónoma, designada pela letra “D”, destinada a habitação do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Urbanização ..., ..., Albufeira, descrita na Conservatória do Registo Predial de Albufeira, sob o n.º ... de Albufeira, inscrito na matriz sob o artigo ... da referida freguesia, pelo preço declarado de €16.900,00; e que nesse mesmo dia, foi assinado contrato de arrendamento com opção de compra, cujos termos e condições refere, entregando-lhe o procurador do Réu um cheque no valor de €10.000,00.

    Mais alegaram, que nunca quiseram vender o imóvel, antes pretendiam um empréstimo a ser pago em prestações, sabendo o réu da sua falta de liquidez, acreditando que iriam entregar a fracção como garantia, o que foi contratado com a empresa Investidor Privado, e que receberam um empréstimo no valor de €10.000,00, obrigando-se a pagar mensal e sucessivamente 60 prestações, no valor de € 212,50, e no final do prazo obrigaram-se a entregar ao Réu o montante de €16.900,00.

    Referiram, ainda, que contrataram um empréstimo de €10.000,00 cujo preço de custo é de €19.650,00, com taxa de juro líquida de 39,3% ao ano, pagaram as 60 prestações no valor global de €12.750,00 e que pretendiam cumprir o acordado e entregar ao réu €19.650,00, mas este intentou acção especial de despejo, sendo a causa de pedir a alegada propriedade do R., que sabe não ser dele, possuindo o imóvel um valor comercial de €100.000,00.

    Invocaram, também, que o R. pretende obter importância superior àquela que corresponderia ao empréstimo que lhes fizera e ao juro legalmente admissível, auferindo vantagem manifestamente desproporcionada relativamente ao empréstimo concedido, explorando a fragilidade e vulnerabilidade dos AA., decorrente da falta de liquidez e de financiamento bancário, aproveitando a inexperiência, credulidade e boa-fé dos AA., que até Agosto de 2020, data que interpelaram o R. para restituir o imóvel, sempre acreditaram que este cumpriria o contrato de mútuo acordado, e que nessa data aquele comunicou que não era intenção fazê-lo, tomando, então, consciência que este pretendia apropriar-se do imóvel.

    Subsidiariamente, invocam que o R. enriqueceu sem causa, por não existir relação ou facto que, de acordo com as regras ou princípios do nosso sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial ocorrida, existindo a obtenção de uma injusta vantagem de carácter patrimonial por parte do R., ao conseguir a titularidade da fracção que vale pelo menos €100.000,00.

  2. O R. contestou, por excepção, invocando a caducidade do direito de arguição da anulabilidade do contrato de compra e venda e do contrato de arrendamento com opção de compra, por decurso do prazo de um ano desde a data da sua celebração, alegando a confirmação deste último negócio jurídico, porquanto os autores usufruíram do imóvel, pagaram as rendas e comportaram-se como arrendatários, não colocando em causa estes negócios jurídicos na acção de despejo que foi intentada.

    Invocou, ainda, a excepção dilatória de nulidade, por ineptidão da petição inicial, por não serem alegados factos que sustentem os pedidos de declaração de nulidade destes negócios por abuso de direito e por serem contrários à lei e ofensivos dos bons costumes.

    Mais alegou que os AA. deixaram de pagar as rendas, incumprimento do contrato de arrendamento que inviabilizou a opção de compra prevista, que efectuada a resolução do contrato de arrendamento, recusam-se a abandonar o locado, e que, vislumbrando o desfecho daquela acção de despejo, intentaram a presente acção.

    Por excepção, invocou, ainda, a prescrição do direito à restituição ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, por decurso do prazo de três anos a contar da celebração da escritura de compra e venda.

    No mais, impugnou na generalidade os factos invocados, alegando a inexistência de qualquer contrato de mútuo, que na acção de despejo os AA. confirmaram a vigência do contrato de arrendamento, não tendo posto em causa a validade dos contratos celebrados, e que a A.-mulher, que não compareceu à escritura de compra e venda, outorgou a favor do A.-marido procuração, na qual transmitiu poderes a este para celebrar escritura de compra e venda do prédio urbano em causa.

    Assim, concluiu o R. pela inexistência dos vícios apontados, e que, com a prolação de decisão na acção de despejo, que considerou resolvido o contrato de arrendamento e determinou a desocupação do locado pelos aqui AA., ocorreu a impossibilidade do exercício da opção de compra prevista no contrato.

    Terminou pedindo a condenação dos AA. enquanto litigantes de má-fé, por deduzirem pretensão cuja falta de fundamento não ignoravam e a presente acção constituir meio/expediente dilatório “utilizado pelos Autores no âmbito da acção de desejo”.

  3. Os AA. apresentaram resposta, na qual concluíram pela improcedência das excepções invocadas, alegando, em suma, por apenas em Agosto de 2020 se aperceberam das intenções do R., quando notificados da recusa em exercer a opção de compra, mantendo-se a situação de inferioridade, e que não confirmaram negócios celebrados, que não quiseram ou entenderam, ainda permanecendo no imóvel.

    Concluíram ainda pela improcedência do pedido de condenação como litigantes de má-fé, e peticionaram a condenação do R. nessa qualidade, em multa e indemnização, no mínimo de €1.500,00, por não ignorar a falta de fundamento da defesa e alterar a verdade dos factos com o intuito de se locupletar à sua deles.

  4. Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual o R. apresentou articulado superveniente, no qual invocou a verificação da excepção de abuso de direito, na vertente de “venire contra factum proprium” e a verificação da excepção dilatória da autoridade de caso julgado, em virtude do trânsito em julgado da decisão proferida na acção de desejo que intentou contra os AA., na qual se reconheceu a validade do contrato de arrendamento e titularidade do direito de propriedade sobre a fracção autónoma, verificando-se que os fundamentos que subjazem a esta acção foram discutidos pelo Tribunal da Relação de Évora.

  5. Os AA. pronunciaram-se pela não verificação das excepções, em síntese, por entenderem que a causa de pedir é diversa, referindo que nesta...

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