Acórdão nº 469/21.0T8ABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelANABELA LUNA DE CARVALHO
Data da Resolução10 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Apelação n.º 469/21.0T8ABF.E1 2ª Secção Acordam no Tribunal da Relação de Évora I Em 01/06/202, a sociedade (…), S.A., com sede na Marinha Grande, intentou a presente ação de divisão de coisa comum contra AA, residente em ....

Alegou, para tanto, serem ambas donas e legítimas comproprietárias da fração autónoma sita em ..., ..., que melhor identificou. Trata-se de um apartamento que não é suscetível de divisão. A metade da Ré está onerada com hipoteca. Não quer manter-se na indivisão.

Pede assim que, nos termos dos artigos 1412.º e 1413.º do CCiv. e 925.º e ss. do CPC e, tratando-se de um prédio indiviso e indivisível se proceda à adjudicação ou à venda do mesmo, com repartição do respetivo valor.

A Ré foi citada para contestar e o banco mutuante foi notificado para vir informar qual o valor da dívida da Ré garantida por hipoteca.

Na contestação, apresentada em 20/09/2021, a Ré excecionou, reconveio e impugnou, nesta mesma ordem.

No âmbito da defesa por exceção a Ré pôs em causa a «legitimidade substantiva» da Autora, como comproprietária, ao questionar a efetiva entrega por esta do preço de aquisição de metade da fração e o abatimento da parte correspondente à hipoteca que sobre ela pendia.

Mais contestou o valor atribuído à ação e, a regularidade do mandato judicial.

Em sede de reconvenção, alegou que desde a insolvência do anterior comproprietário, é ela Ré que faz os pagamentos respeitantes às despesas com o condomínio, no caso, trinta euros mensais e que dizem respeito a despesas das partes comuns do edifício, onde a fração se encontra inserida. O que acontece desde 01/10/2018, até à data da contestação, totalizando a quantia de € 1.050,00, sendo da responsabilidade da sociedade Autora, metade, que equivale a € 525,00 até fins de Agosto de 2021. Montante cujo pagamento a A. requer da Ré, acrescido dos juros legais.

Mais alegou que, a Ré e o anterior comproprietário BB, aquando da aquisição da fração em causa, contraíram um empréstimo junto do Banco Hipotecário o (…). E que a Ré, desde pelo menos o pedido de insolvência daquele, tem suportado sozinha com os pagamentos mensais de € 249,45. Assim, desde 01/10/2018 até à data, pagou € 4.490,28, valor esse que requer seja pago pela Autora, bem como os valores que se irão vencer até final da presente ação, acrescidos de juros legais.

A título de impugnação refere não ter a A. demonstrado a indivisibilidade da fração, que ela A. aceitou adquirir a outra metade da mesma, sua casa de morada de família, o que só poderá concretizar uma vez apurado o valor real da dívida hipotecária, que é da responsabilidade de ambos os comproprietários.

Em 22/10 /2021 a Autora veio deduzir réplica, pretendendo que a reconvenção não seja admitida por carecer de fundamento legal, nomeadamente porque os factos alegados na reconvenção não emergem do facto jurídico que serve de fundamento ao pedido ou à defesa, e em nada afetam a proporção da titularidade de cada uma das partes.

Em 25/05/2022 foi proferido despacho no qual se fixou o valor da ação, se reconheceu a competência do juízo local cível, se julgou a Autora parte legítima face à presunção derivada do registo predial, se considerou suprida a irregularidade de mandato face à nova procuração entretanto entregue e, se decidiu pela não admissibilidade da Reconvenção.

Sobre esta questão lê-se no despacho: «O artigo 1412.º do C.Civil atribui a cada comproprietário o direito de exigir a divisão. Trata-se de um direito potestativo destinado a dissolver a relação de compropriedade, objetivado nos artigos 925.º a 929.º do Cód. Proc. Civil.

A cessação da situação de compropriedade implica, como é manifesto, o termo do concurso de vários direitos de propriedade pertencentes a pessoas diferentes, tendo por objeto a mesma coisa; tem lugar a constituição de situações de propriedade singular sobre cada uma das parcelas da coisa dividida (se for divisível), cfr. Luís A. Carvalho Fernandes, in “Lições de Direitos Reais”, pág. 335. No caso de indivisibilidade material da coisa, essa cessação da situação de compropriedade será realizada por acordo na sua adjudicação a algum dos titulares do direito de compropriedade e preenchimento dos quinhões dos outros com dinheiro, ou na falta de acordo, pela venda executiva e subsequente repartição do seu produto na proporção das quotas de cada um, cfr. artigo 929.º.

A ação de divisão de coisa comum é assim uma ação de natureza real e constitutiva, na medida em que implica uma modificação subjetiva e objetiva do direito real que incide sobre a coisa, pois, caso se verifique a divisibilidade da coisa, o direito de compropriedade será fragmentado, quer quanto aos sujeitos, quer quanto ao objeto e, nos casos de indivisibilidade, o direito de compropriedade transforma-se em direito de propriedade singular, passando a ser seu titular outro ou outros sujeitos.

Ora, preceitua o artigo 925.º do C.P.Civil, a respeito da petição do processo especial de divisão de coisa comum, que “todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requererá, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas”.

A ação de divisão de coisa comum, como ação especial, comporta processualmente duas fases distintas, uma declarativa a que se reportam os artigos 925.º a 928.º do CPC, outra executiva, nos termos do artigo 929.º do C.P.Civil.

A fase declarativa processa-se de acordo com as regras aplicáveis aos incidentes da instância, como determina o n.º 2 do artigo 926.º C.P.Civil, e só assim não será se o Juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, caso em que os autos deverão seguir os termos do processo comum, cfr. artigo 926.º, n.º 3, do CPC.

Como já se referiu acima, trata-se de uma ação real, sujeita a registo, e cuja causa de pedir é a situação de compropriedade e cujo pedido é a cessação dessa compropriedade, pela divisão material se a coisa for divisível, não o sendo pela adjudicação a uma das partes ou pela venda a terceiro, preenchendo-se assim em dinheiro as quotas de cada um dos comproprietários.

Por isso mesmo, dado o seu desiderato, a mesma não comporta de todo uma tramitação legal que é manifestamente incompatível com a tramitação do processo comum adequado à apreciação de um pedido reconvencional de um alegado direito de crédito que pela ré tenha sido atravessado na sua contestação e, portanto, não se admite o pedido de reconvencional deduzido, nos termos do artigo 266.º, n.º 3, do CPC. Notifique.» Quanto à...

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