Acórdão nº 8/22.5GECUB-A.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Novembro de 2022

Data22 Novembro 2022

I – Relatório a. Ainda na fase de inquérito, na sequência do 1.º interrogatório judicial de arguido detido, foram aplicada nestes autos a AA, no dia 31/3/2022, as medidas de coação de proibição de permanecer na área da residência da ofendida e de se aproximar da área do sue local de trabalho, bem assim como proibição de contactar com ela por qualquer meio ou por interposta pessoa, exceto quanto a questões relacionadas com as responsabilidades parentais relativamente a filho comum que é menor, devendo o cumprimento destas realizar-se por meio de vigilância eletrónica

Na sequência de incumprimentos por banda do arguido as referidas medidas de coação foram alteradas, em 31/5/2022, determinando-se a prisão preventiva e mantendo-se a proibição de contactos com a exceção já anteriormente determinada

E a 1/7/2022 a medida de prisão preventiva foi por despacho judicial substituída por obrigação de permanência na habitação, com fiscalização eletrónica

Porque a 14/7/2022 veio a ser deduzida acusação, no dia seguinte por despacho judicial decidiu-se manter as medidas de coação vigentes

A 27/8/2022 o arguido requereu ao Tribunal a autorização para sair da sua residência para realizar trabalho, visando auferir rendimentos para se sustentar a si e ao seu filho, o que veio a ser indeferido, por se considerar que os perigos que determinaram a medida de coação vigente, não ficariam suficientemente acautelados com a concessão da referida autorização

  1. Inconformado com o assim decidido, veio o referido arguido interpor o presente recurso, extraindo-se do que se indica como «conclusões», o seguinte: «III) (…) desde que foi determinada a substituição do seu estatuto coactivo, o Arguido tem cumprido escrupulosamente desde então, sem notícia de qualquer incidente ou sobressalto, a medida de coacção de O.P.H., tendo “(…) evidenciado capacidade para cumprir os termos da presente medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica.” (Cfr. teor do relatório dos serviços da D.G.R.S.P., datado de 05/09/2022)

    IV) Além disso, o Arguido e a Ofendida têm um filho menor em comum, com o nome BB, sendo unicamente com os rendimentos do seu trabalho que o Arguido pode continuar a prestar alimentos ao seu filho, bem como a assegurar a sua própria subsistência condigna

    V) Por sua vez, o Arguido necessita de voltar a exercer a sua actividade profissional, uma vez que a sua subsistência carece dos seus rendimentos profissionais, além de que tem a cargo o pagamento de várias despesas, como é o caso da pensão de alimentos do seu filho menor e da prestação mensal do empréstimo bancário que contraiu

    VI) Ascendendo, assim, o total das despesas mensais fixas do Arguido ao montante global de 1.061,70€ (mil e sessenta e um euros e setenta cêntimos), de conformidade com documentos anteriormente juntos aos autos

    VII) Por sua vez, uma vez que o Arguido deixou de auferir rendimentos nos últimos meses, a sua própria subsistência é assegurada por géneros alimentares que lhe são atribuídos pelo seu irmão e pela sua sobrinha, ambos residentes na freguesia e concelho de …

    VIII) Porém, como não se encontra a auferir quaisquer rendimentos, o Arguido não dispõe de capacidade económica para cumprir o pagamento da prestação alimentícia ao seu filho, nem para fazer face às despesas mensais fixas supra indicadas

    IX) Tanto mais que o relatório datado de 21/06/2022, junto aos autos pelos serviços da D.G.R.S.P. acaba por concluir que: “(…) A concessão de autorização de saída para trabalho, permitir-lhe-ia obviar ao relaxe de alguns compromissos de foro económico, à mensalidade resultante de empréstimo bancário contraído, mensalidade devida a título de alimentos ao filho menor, pagamento à Segurança Social relativo ao apoio jurídico de que beneficiou e às despesas inerentes ao fornecimento de eletricidade e água.” X) Tendo já o Arguido entrado em incumprimento quanto ao pagamento da pensão de alimentos devida ao seu filho menor, quanto ao pagamento da prestação mensal do crédito à habitação celebrado com . … e ainda quanto ao contrato com a operadora …

    XI) Assim, para poder auferir rendimentos e dispor de capacidade económica para lhe permitir fazer face às suas despesas mensais fixas, foi assegurado ao Arguido um vínculo laboral pelo Exmo. Senhor CC, através do qual aquele desempenhará a categoria de pedreiro na área da construção civil, de harmonia com Doc. 9, junto aos autos e confirmado pelo relatório dos serviços da D.G.R.S.P. acima indicado

    XII) Uma vez que a habitação do Arguido se situa na …, a obra e o imóvel onde o Arguido poderá exercer a sua actividade laboral localiza-se numa outra rua de … a cerca de 100 metros da sua residência, de conformidade com mapa captado pela aplicação Google Maps, que ora se junta sob Doc. 10 e cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos

    XIII) Por outro lado, além de a Ofendida ter alterado a sua residência para a freguesia e concelho de …, afastada a uma distância geográfica de 18 Km´s da freguesia e concelho de …, a mesma deixou de exercer a sua actividade profissional nesta última localidade

    XIV) Verificando-se assim uma atenuação das exigências cautelares, mostrando-se os perigos que se fazem sentir no caso concreto, essencialmente o perigo de continuação de actividade criminosa, sensivelmente diminuídos e devidamente acautelados

    XV) Deste modo, a autorização judicial para o Arguido se ausentar da sua habitação apenas para exercer uma actividade profissional a uma curta distância da sua habitação permite continuar a controlar o seu comportamento, mantendo-se devidamente salvaguardadas as exigências cautelares do caso concreto

    XVI) Como refere Germano Marques da Silva e com as devidas adaptações: “(…) o regime de permanência na habitação é um desafio permanente à vontade do condenado (…) que não tem grades em casa. (…) Deverá até ser assegurada a sua compatibilização com saídas para o trabalho ou outras actividades sociais necessárias à sua reintegração social, só assim será uma pena verdadeiramente eficaz.” XVII) Efectivamente, a execução da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com autorização de saídas para o exercício de actividade laboral satisfaz as medidas cautelares do caso concreto, já que continua a proteger o bem jurídico pretensamente violado, bem como a reintegração do agente na sociedade e as finalidades de prevenção geral e especial

    XVIII) Com as devidas adaptações ao cumprimento da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, veja-se o entendimento plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 25/01/2022, referente ao Proc. n.º 69/18.1T9CCH.E2, relatado pelo Exmo. Desembargador José Simão, acessível in www.dgsi.pt, em cujo sumário onde se pode ler: “O Tribunal ao condenar o arguido numa pena de seis meses de prisão e ao determinar o seu cumprimento em regime de permanência na habitação não exclui a hipótese de possibilitar o exercício de atividade laboral pelo mesmo, de forma a contribuir para o sustento do seu agregado. (…).” (Sublinhado nosso)

    XIX) De facto, a autorização judicial para o exercício de actividade laboral, atenta a reduzida distância que separa a residência do Arguido e o local da obra, bem como o facto de a Ofendida ter alterado a sua residência para outra localidade separada por uma distância de 18 Km´s, mantém válido e eficaz o juízo de prognose positivo quanto a satisfação das medidas cautelares do caso concreto que levaram à aplicação daquela medida de coacção

    XX) Cumprindo tal autorização judicial ser determinada por um princípio de razoabilidade “(…) enquanto subprincípio do princípio da proporcionalidade em sentido amplo, em matéria de restrição do direito à liberdade (art. 27.º, n.º 1, da CRP).”, como salienta Maria João Antunes, in “Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pág. 82

    XXI) Por outra banda, sobre esta temática pronunciou-se o Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, de 24/11/2020, referente ao Proc. n.º 27/20.6GBALM-A.L1.5, relatado pelo Exmo. Desembargador Luís Gominho, disponível in www.dgsi.pt, onde se pode ler no respectivo sumário: “– A continuação da actividade criminosa, que se pretende impedir mediante a medida de coacção, não pode abranger comportamentos que ultrapassem o prolongamento daquele que constitui o objecto do processo, sob pena de se transformar a medida de coacção numa medida de segurança

    XXII) Na verdade, se o Arguido incumpriu inicialmente as medidas de coacção de proibição de aproximação da Ofendida e de contactar com a mesma, para muito contribuiu o facto de, na altura, não se encontrar ainda regulado o exercício das responsabilidades parentais relativas ao filho menor de ambos, bem como o facto de, nessa altura, o divórcio entre ambos ainda não ter sido decretado

    XXIII) Efectivamente, o perigo de continuação de actividade criminosa que a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação aplicada à Arguida visa acautelar ou prevenir mostra-se assim mais diminuído ou atenuado, tendo assim os pressupostos de facto da aplicação de tal medida à Arguida se alterado substancialmente pelo curso normal do processo

    XXIV) Em bom rigor, o perigo de continuação da actividade criminosa decorrerá sempre de um juízo de prognose de perigosidade social do arguido, a...

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