Acórdão nº 1746/19.5T8CSC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ LÚCIO
Data da Resolução24 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I – RELATÓRIO Nos presentes autos o autor, AA, intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra a ré, Lots Of Happiness - Construções Lda, pedindo que esta seja condenada a entregar-lhe a quantia de € 52.000,00, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento.

Para fundamentar a sua pretensão o autor alega, em síntese, que negociou, na qualidade de potencial comprador, com a ré, na qualidade de potencial vendedora, a eventual compra de um imóvel, tendo-lhe sido garantido, ao contrário do que realmente se verificava, que o lote estava pronto a iniciar a construção de um condomínio, quando na realidade estava apenas aprovado o plano de pormenor.

Com base no pressuposto errado, e para assegurar o negócio, o autor pagou, a título de reserva, a quantia de € 52.000,00, a qual nunca foi referido que não seria devolvida caso desistisse do negócio, tendo efectivamente desistido do mesmo ao tomar conhecimento da real situação do imóvel, tendo solicitado, sem sucesso, a devolução da reserva em causa.

Na sequência da citação, a ré contestou, por impugnação, e deduziu reconvenção.

Diz a ré que o autor, através dos seus representantes, tinha total conhecimento da situação real do projecto para o prédio em causa, para além de lhe ter sido referido, numa reunião com representantes seus, que o valor da reserva não seria devolvido caso viesse a desistir do negócio, até porque a ré tinha negociações pendentes com outro potencial comprador que interrompeu, configurando o valor entregue um pré-sinal, devendo o documento de reserva assinado ser considerado um verdadeiro contrato-promessa.

Conclui a ré pela improcedência do pedido do autor, e pedindo por seu turno que seja declarado em reconvenção o seu direito a fazer sua a quantia recebida no valor de € 52.000,00.

O autor apresentou réplica, mantendo a posição expressa na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador, que admitiu o pedido reconvencional, fixou o valor da acção, o objecto do litígio e os temas da prova.

Finalmente, realizou-se a audiência final, e veio a ser proferida sentença na qual foi decidido julgar totalmente procedente a acção e, em consequência, condenar a ré a pagar ao autor a quantia de €52.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, julgando improcedente o pedido reconvencional.

*II –

  1. O RECURSO Inconformada com o decidido, a ré deu entrada ao presente recurso de apelação, resumido no final com as seguintes conclusões: “a) A sentença recorrida cometeu erro de julgamento da matéria de facto.

    1. Considerando o depoimento do legal representante da Ré - BB- registado em suporte digital, com o seu nome, e de duração de 00:32:37; o depoimento da testemunha CC, registado em suporte digital, com o seu nome, e de duração 00:31:41; o depoimento da testemunha DD, registado em suporte digital com o seu nome e de duração 00:41:49; o depoimento da testemunha EE, por videoconferência, registado em suporte digital, com o seu nome, de duração 00:07:07; do depoimento da testemunha FF, por videoconferência, registado em suporte digital com o seu nome de duração 00:16:10; do depoimento da testemunha GG, por videoconferência, registado em suporte digital com o seu nome de duração 00:28:41, todos prestados na sessão única de julgamento.

    2. "Todos intervenientes, Autor/apelado e seus representantes, sabiam que o terreno não tinha o projecto de construção aprovado mas apenas o Plano de Pormenor com os parâmetros urbanísticos, designadamente a área máxima de construção. " d) Pelo que o ponto 2) dos Factos Provados deve ser dado como não provado.

    3. Face aos depoimentos prestados, referidos na conclusão b) e ao documento junto pela apelante como doc. 1, os factos constantes das alíneas j), k), m),n), o), p), q), da matéria considerada não provada, fls 6 e 7 da Sentença, devem ser dados como provados.

  2. Face aos depoimentos referidos na conclusão anterior, os factos alegados nos artigos 17° e 29° da Contestação/Reconvenção, devem ser dados como provados.

    1. Pelo que, sabendo o Autor/Apelado que se desistisse do negócio perdia o valor entregue, ao desistir aceitou perder esse montante.

    2. Não tendo assim qualquer fundamento para, agora, vir pedir a devolução da quantia entregue.

    3. O "acordo de Reserva" contém os elementos essenciais para poder ser considerado como contrato promessa de compra e venda. Artigo 410°, n.º1 e 2, do Código Civil.

    4. Tendo o valor recebido pela Ré/ Apelante a natureza de sinal, ou pré-sinal.

  3. Pelo que, tendo havido incumprimento do acordado por parte do Apelado, ao desistir do negócio, sem qualquer justificação, perde este o valor que entregou. Artigo 442°, n.º 2 do CC.

    1. Mesmo que se possa considerar que o "acordo de Reserva" não é um contrato promessa de compra e venda, ainda assim o incumprimento do mesmo por parte do Autor/Apelado determina a perda do valor entregue.

    2. Mesmo que o acordo de Reserva seja considerado um contrato preparatório inominado, acessório e instrumental do contrato definitivo, deve ser cumprido nos seus precisos termos, gerando obrigações recíprocas para ambas as partes. Artigo 406°, n.º 1 do CC.

    3. Por todos, Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17-12-2019, cujo sumário se reproduz e que se considera reproduzido na sua totalidade. (…) p) A tese vertida na sentença, ao configurar a obrigação do Autor/Apelado apenas como um direito a assinar ou não o contrato promessa, não tem fundamento legal e é injusta.

    4. Além de que essa tese retiraria qualquer função útil da reserva já que o vendedor teria sempre que devolver o sinal mesmo que o negócio não avançasse por culpa exclusiva do comprador.

    5. O "acordo de Reserva" gera obrigações recíprocas das partes, a Ré retirou do mercado o imóvel e reservou-o a favor do Autor e este devia assinar o contrato promessa na data fixada e posteriormente o contrato definitivo.

    6. Ao entender desistir do negócio, sem qualquer justificação, o Autor incumpriu o contrato, com a consequente perda do montante entregue.

    7. O Autor/Apelado nunca notificou a Ré/Apelante de que desistia do negócio, nem nunca interpelou a Ré/Apelante a pedir a devolução da quantia entregue.

    8. Ao decidir da forma que fez a sentença recorrida cometeu erro de julgamento da matéria de facto v) A sentença recorrida violou ainda, por erro de interpretação e nos pressupostos de facto, além do mais, o disposto nos artigos 236°, 410°, n.ºs 1 e 2, 441°, 442°, n° 1 e 2 e 406°, n01, todos do CC.

      Termos em que, face a todo o exposto, deve o presente recurso obter provimento e por via disso: Deve ser alterada a decisão em matéria de facto nos termos expostos.

      Deve ser conhecido o objecto da apelação, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se a mesma por outra que julgue a acção improcedente e procedente a reconvenção, com os fundamentos invocados pela ré em sede de reconvenção, tudo com as legais consequências.”* *II –B) DA RESPOSTA Contra-alegou o autor, para defender que a sentença recorrida não merece reparo e que o recurso é improcedente, tanto em matéria de facto como de Direito, pelo que deve ser confirmado o decidido na sentença impugnada.

      *III – A MATÉRIA DE FACTO Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa: 1) O Autor AA é membro da Comunidade Ismaili e no período da visita do príncipe Aga Khan a Portugal em julho de 2018 deslocou-se ao nosso país pela 1ª vez, não falando nem percebendo a língua portuguesa (artigo 1 ° da petição inicial).

      2) Nessa altura e através da mediação da imobiliária JLL, sita em Lisboa, foi apresentado ao Autor um negócio de compra, pelo preço de € 5.200.000,00, de um terreno com projeto de construção aprovado, sito em Carnaxide, Concelho de Oeiras, denominado "Quinta da Casa Branca", englobado no "Plano de Pormenor da Quinta da Fonte - Carnaxide", terreno esse da propriedade da Ré Lots Of Happiness - Construções Lda (artigos 20 e 30 da petição inicial).

      3) No âmbito de tal negócio, a condição apresentada pela Ré ao Autor, para este garantir o negócio e demonstrar o seu interesse no mesmo, foi a celebração de um documento em que o Autor, mencionado como comprador, declara «que a título de reserva, irá proceder a uma transferência bancária no valor de € 52.000,00 ( ... ) relativo à aquisição de "malha E da Quinta da Fonte" (...

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